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José Paulo Kupfer

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Opinião

Ata do Copom derruba análises da Faria Lima e expõe comunicação desastrosa

A ata da polêmica reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) em maio, publicada nesta terça-feira (14), ao detalhar as razões que levaram à divisão de posições entre os membros do colegiado, expõe preconceitos e erros de avaliação dos analistas do mercado financeiro. Também revela uma comunicação institucional desastrosa.

Ao analisar a decisão do Copom de maio, nos dias seguintes à reunião da quarta-feira (8), os "economistas da Faria Lima" concluíram que a divergência, em relação à maioria, dos quatro diretores do Banco Central, indicados já no governo Lula, que votaram por manter o ritmo de corte da taxa básica de juros (taxa Selic) em 0,5 ponto percentual, era "política".

Na esteira dessa avaliação, possivelmente pré-concebida, vieram as conclusões de que os novos diretores seriam mais lenientes com a inflação. No fim do roteiro, o Copom perdera credibilidade.

O que ata informa, porém, é bem diferente disso. Em primeiro lugar, não há divergência — nem, portanto, leniência com a inflação —, em relação à percepção de que a política de juros deve ser manter restritiva.

Defesa da reputação do Copom

As informações trazidas pela ata deixam claro que o real problema criado com a decisão dividida foi de comunicação. É um problema relevante porque no sistema de metas de inflação, em que se inserem o Copom e suas decisões, a comunicação com o mercado é fator crucial na condução das expectativas e de convergência da inflação para a meta.

De acordo com os termos da ata, pode-se entender a posição divergente dos quatro novos diretores como defesa do valor de uma comunicação institucional firme do Copom como instrumento de condução das expectativas de inflação. Ou, lendo-se de outra maneira, como uma crítica à forma como se deu a quebra do "forward guidance" para maio, anunciado no comunicado e na ata da reunião do Copom em março.

A quebra da orientação, de fato, foi heterodoxa. Veio em declarações inesperadas do presidente do BC, Roberto Campos Neto, num evento de instituição financeira privada, em Nova York. Na ocasião, Campos Neto indicou que o ritmo de cortes da taxa Selic poderia mudar diante das novas incertezas no cenário econômico global e doméstico. Uma comunicação desse teor precisa se cercar de algo como os "fatos relevantes" da comunicação das empresas de capital aberto com o mercado.

"Forward guidance" tem regras

O "forward guidance" (orientação para frente, em tradução livre) é um instrumento usado por bancos centrais para ajudar na condução das expectativas de inflação. Como destacado na ata, trata-se de um instrumento condicional, que pode ser quebrado se as condições do ambiente econômico se alteram de uma decisão de juros para a outra.

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Mas, é evidente que os motivos para a quebra têm de ser relevantes e convincentes. Não foi o caso do que se observou no cenário econômico entre março e maio. Houve alterações na conjuntura, com aumento de incertezas e pressões, como a da alta temporária na cotações do dólar, mas não a ponto de estabelecer consenso de que era o caso de abandonar a orientação vigente.

Visões técnicas e políticas

Ao considerar que o "risco reputacional" de perda de credibilidade, com o rompimento do "forward guidance", era tão grande ou maior do que a manutenção do ritmo de corte indicado na orientação, com um comunicado e uma ata sinalizando uma política de juros mais dura à frente, os diretores dissidentes adotaram uma posição obviamente política, mas com base técnica.

O mesmo se pode dizer da posição dos quatro diretores que votaram pelo corte de 0,25 ponto na Selic — posição majoritária com o desempate de Campos Neto. A posição do grupo majoritário tem inegáveis elementos técnicos, mas também é obviamente política.

Apesar dos sinais de que a inflação terá desdobramentos benignos no futuro próximo, como a própria ata registra, há base técnica em considerar que os fatores altistas para a inflação são, no momento, "superiores" aos baixistas. Também é um ponto de vista defensável enfatizar dúvidas em relação à política fiscal. Como registrado na ata, a condução das contas públicas deve ser "comprometida com a sustentabilidade da dívida", pois isso "contribui para a ancoragem das expectativas de inflação".

Protocolos não observados

O que faltou foi institucionalidade na ação do presidente do BC. Faltou também a Campos Neto esforços maiores na busca de um consenso mais amplo, que resultasse numa decisão unânime, com comunicação de que as incertezas haviam aumentado, exigindo, como a ata indica, mais cautela na definição da trajetória dos juros básicos.

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O resumo da ópera dos erros do Copom de maio passa longe do que os analistas de mercado pontuaram. O que ocorreu foi um desastre nos protocolos de comunicação do BC com o público.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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