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RESENHA: KWAME ANTHONY APPIAH: COSMOPOLITANISM, ETHICS IN A WORLD OF STRANGERS1 Fabrício Pontin2 ___________________________________________________________________________ O que significa cosmopolitanismo, e o quanto a proposta cosmopolitanista é viável? Appiah tenta dar conta destes dois problemas em seu livro “Cosmopolitanism, Ethics in a world of strangers”. Trata-se de um livro com linguagem extremamente acessível, cativante e com um imenso valor como introdução ao assunto. O livro é dividido em dez pequenos capítulos, os três primeiros vão situar o que Appiah entende por cosmopolitanismo, a sua compreensão de relativismo, e uma tentativa de defender um modelo de epistemologia moral. Para Appiah, O cosmopolitanismo é uma aventura e um ideal mas você pode ter respeito pela diversidade humana e esperar que todos se tornem cosmopolitas. As obrigações daqueles que desejam exercer sua legítima liberdade de associação com seus próximos – mantendo o mundo longe, como fazem os Amish nos Estados Unidos – são apenas as mesmas obrigações básicas que todos temos: fazer aos outros o que é moralmente exigid. Ainda assim, um mundo no qual as comunidades são ordenadamente separadas uma das outras não parece mais ser uma opção séria, se algum dia ela foi. As formas de segregação e seclusão sempre foram anômalas em nossa constantemente nômade espécie. O cosmopolitanismo não é trabalho duro, repudia-lo sim.3. 1 Partes desta resenha foram elaboradas durante um seminário em teoria política ministrado pelo Professor Dr. Roudy Hildreth, na Southern Illinois University -Carbondale em 2007/II. Subsequentemente, ampliou-se o aspecto da análise. Todas traduções das citações foram realizadas pelo autor. 2 Doutorando em Filosofia na Southern Illinois University – Carbondale. Gostaria de reconhecer o apoio da CAPES /IIE durante a elaboração desta resenha. Contato: fpontin@gmail.com 3 APPIAH, K. A. Cosmopolitanism: Ethics in a world of stranger. New York: W.W.Norton, 2006. p. XX "Cosmopolitanism is an adventure and an ideal: but you can have any respect for human diversity and expect everyone to become cosmopolitan. The obligations of those who wish to exercise their legitimate freedom to associate with their own kind - to keep the rest of the world away as the Amish do in the United States - are only the same as the basic obligations we all have: to do for others what morality requires. Still, a world in which communities are neatly hived off from one another seems no longer a serious option, if it ever was. And the way of segregation and seclusion has always been anomalous in our perpetually voyaging species. Cosmopolitanism isn’t hard work; repudiating it is." INTUITIO ISSN 1983-4012 Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro 2008 pp. 336-340 Fabrício Pontin Resenha - Kwame Anthony Appiah: Cosmopolitanism, Ethics in a world of strangers O autor defende um núcleo duro irredutível (e mínimo) de valores que, segundo ele, são universais - e mais que universais, são fundamentados epistemicamentes. Na polêmica da epistemologia moral contemporânea, Appiah se coloca do lado dos cognitivistas - existem fatos morais, e nós podemos conhecer este fatos e falar sobre eles em termos de verdade e falsidade. Esta postura, implica no seguinte: Fatos podem ser fatos morais, e a moral existe enquanto fundamento - para usar termos pomposos, a moral teria um aspecto ontológico, não ôntico. O que Appiah não comporta na sua teoria é a possibilidade da moral ser construída artificialmente - a partir de uma pedagogia moral. Parece insustentável alegar que algo desde sempre tem um sentido moral sem antes ser informado por uma intencionalidade. Isso tanto do ponto de vista externo, quanto interno. Minha interpretação de um evento depende profundamente da minha visão de mundo, assim algo que se mostra como problema moral para um amigo, pode não ter qualquer relevância moral para mim. O que isso diz sobre o fato da moral? Appiah diz muito pouco sobre a nossa capacidade de interpretar fatos moralmente e parece que estes fatos, por si só, não podem ter sentido moral. Appiah não explica como estes fatos morais são possíveis, como eles acontecem. No entanto, a diversidade de percepções e abordagens sobre o moral, ou sobre o que é moral, parece indicar que não existe objetividade moral, muito menos fatos morais. Existem formas de relação com objetos, acontecimentos, sujeitos, que nós vamos chamar de morais. Mas este moral é uma construção histórica. Appiah, em síntese, discorda de Wittgenstein quando ele escreve que a moral não é dizível4. Para Appiah, a moral é dizível e definível. Mas não fica muito claro como isso acontece. Em um certo sentido, Appiah se distancia tanto da error theory de Mackie quanto do emotivismo do Williams quando sustenta que nós não inventamos certo e errado, mas descobrimos o sentido disso no processo dialógico. Esta compreensão parece dividir com Habermas o sentido de uma verdade que é descoberta dialógicamente – no entanto, o texto do Appiah acaba sendo muito sutil nestas indicações (ele sequer cita Habermas, por exemplo), o que torna difícil a crítica - e mesmo a compreensão mais aprofundada do trabalho. Um bom exemplo da abordagem do Appiah é o seu segundo capítulo, onde ele liga o relativismo ao empiricismo lógico, ignorando toda uma vertente de relativistas que não segue este método, indicando um certo conformismo na postura relativista - como se do fato de INTUITIO ISSN 1983-4012 Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro 2008 pp.336-340 2 Fabrício Pontin Resenha - Kwame Anthony Appiah: Cosmopolitanism, Ethics in a world of strangers compreensões diferentes de cultura e de moral existirem seguisse também que devemos ver de longe o comportamento do outro, sem interferir, ou sem manter nossas próprias intuições. Lendo Geertz, no entanto, podemos facilmente perceber que do fato de que não existem fatos morais, não se segue que eu não possa tentar universalizar algumas das minhas visões de mundo - distanciamento é um sinal de julgamento. Repetidos exemplos de assimilação mútua mostram que a pedagogia moral é possível, mas isso trabalha contra uma visão cognitivistauniversal de moral no sentido epistêmico, ao mesmo tempo que reforça esta mesma visão do ponto de vista político. A moral não é factual, ela é construída historicamente e intencionalmente. O que Appiah parece não perceber é que a colocação da moral no plano epistemológico-factual transforma a moral em uma questão biológica, não filósofica. Se a moral acontece na natureza, então podemos procurar os genes para a moral. O que é natural é nossa propensão para construir sistemas de fairness, mas o conteúdo destes sistemas é muito pouco natural. Ademais, aparecem no livro do Appiah uma série de distinções que nunca bem explicadas: valores, morais e ética são coisas diferentes, mas Appiah nunca explica como elas são diferentes. Existem concepções thin/thick de valores, mas quais exatamente são estes valores5? Algumas vezes, Appiah parece cair no tipo de arbitrariedade que ele critica no relativismo. No entanto, existem pontos a serem reconhecidos no trabalho do Appiah. A linguagem do trabalho é cativante e a leitura flui fantasticamente, assim como várias das colocações do autor sobre emoções. Do ponto de vista intuitivo, o trabalho muitas vezes é difícil de ser rebatido. Por exemplo: A idéia por trás da Regra de Ouro é que devemos levar os interesses de outras pessoas à sério, leva-las em consideração. A regra de ouro sugere que aprendamos sobre a situação das outras pessoas, e então que usemos nossa 4 Refiro-me, é claro, ao Tractatus, na proposição 6.421. 5 Para os iniciados na discussão contemporânea de filosofia política, os termos “thin” e “thick” são bastante comuns, tendo sido abordados principalmente por John Rawls e Michael Walzer. John Rawls popularizou esta discussão nos termos da posição original, onde compreensões “thin” são as compreensões gerais sobre certo e errado, enquanto as compreensões “thick”, são as compreensões inflacionadas, que incluem planos de vida, elaborações sobre “bem” e “mal”mais sofisticadas e particulares. Rawls aposta que as compreensões thin são mais universalizáveis, já que são bens primários. Enquanto as compreensões thick são mais individuais, e ligadas a fatores específicos. INTUITIO ISSN 1983-4012 Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro 2008 pp.336-340 3 Fabrício Pontin Resenha - Kwame Anthony Appiah: Cosmopolitanism, Ethics in a world of strangers imaginação para nos colocarmos no lugar delas. Estes são objetivos que nós, cosmopolitas, apoiamos. Apenas não podemos dizer que o caminho é fácil6. A forma como Appiah lida com a questão da homogenização e da globalização é sensacional, em um momento ele pergunta “what can you tell about someone’s soul from the fact that she drinks Coca Cola?”, e com isto começa a desmontar todo o delírio de imperialismo cultural. Ao demonstrar a condescendencia daqueles que falam em imperialismo cultural, Appiah demonstra que não está delirando - enfrentando com algum bom senso um problema repleto de paranóia na abordagem usual. Uma questão peculiar, Appiah aposta profundamente na mistura como algo interessante, uma boa aposta. No entanto, a mistura não deu muito certo no Brasil em termos de identidade. Muitos de nossos problemas derivam de uma falha em estabelecer identidade não conseguimos, afinal de contas, estabelecer um núcleo duro de quais valores importam para nós enquanto brasileiros que estão regidos por uma mesma consituição. Toda a nossa construção de normas é feita de cima para baixo, na esperança que ela possa funcionar. Como resultado temos um país com um excelente código de defesa da criança e do adolescente, onde crianças pedindo esmola na esquina de qualquer cidade média ou grande está incorporado à paisagem. Na parte final do livro, Appiah vai tentar abordar as questões relacionadas com objeto de cultura e memória, depois passando para a questão da justificação moral e da tolerância do intolerante A questão do paradigma da justificação é complexa - e não exige a epistemologia moral que o Appiah parece inserir ali. Além disso, a questão dos paradoxos7 na questão da justificação restou inexplorada - e me parece ser a principal questão em jogo neste meio. Appiah, no entanto, está preocupado com justificar uma compreensão universal de verdade que é contruida no processo político, que pode ser alcançada dialéticamente: (…) nós, cosmopolitas, acreditamos também em uma verdade universal, ainda que não estejamos certos de que já a temos. Não é um ceticismo sobre a idéia de verdade que nos guia; é um realismo sobre quão difícil é encontrar a 6 APPIAH, K. A. Cosmopolitanism: Ethics in a world of stranger. New York: W.W.Norton, 2006. p. 63. "The idea behind the Golden Rule is that we should take other people’s interests seriously, take them into account. It suggest that we learn about other people’s situations, and then use our imaginations to a walk a while in their moccasins. These are aims we cosmopolitans endorse. Its just that we can’t claim that the way is easy." 7 Paradoxo, aqui, entendido como a adoção de uma série de premissas na argumentação moral que são aparantemente verdadeiras, mas levam a conclusões falsas. A discussão, no nível da epistemologia moral, ou mesmo da possibilidade de epistemologia moral, busca a análise de como o processo de justificação pode facilitar a aparência de verdade a prima facie destas conclusões. Daí a discussão sobre se e como o processo de justificação pode ser suficiente para dar razões sobre o agir moral. INTUITIO ISSN 1983-4012 Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro 2008 pp.336-340 4 Fabrício Pontin Resenha - Kwame Anthony Appiah: Cosmopolitanism, Ethics in a world of strangers verdade. Consideramos verdade, no entanto, que todos seres humanos têm obrigações para com os outros. Todos importam: esta é nossa idéia central, e ela define claramente os objetivos de nossa tolerância8. Finalmente, Appiah indica que a posição moral do indivíduo é mais importante para o cosmopolitanismo. Com a atitude moral correta, podemos construir um sistema político cosmopolita. Esta é a aposta do Appiah - em termos amplos. Perfeccionismo moral não é necessário, apenas precisamos viabilizar as necessidades básicas de indivíduos via política - a partir de uma demanda moral. Nestes termos, é difícil não ser seduzido pela argumentação do Appiah. Mas ela cai no velho problema filosófico de fórmulas mágicas para resolver a humanidade. Como introdução aos principais pontos de discussão na tensão entre universalismo, relativismo e comunitarismo o livro de Appiah é uma ferramenta interessantíssima, que interessa a qualquer um procurando um panorama geral sobre o assunto. No entanto, enquanto contribuição para a discussão epistemológica e política corrente na arena acadêmica, este trabalho de Appiah não se sustenta. Referências APPIAH, Kwame Anthony. Cosmopolitanism: Ethics in a world of stranger. New York: W.W.Norton, 2006. BENHABIB, Seyla. The rights of others: aliens, residents, and citizens. Cambridge : Cambridge University Press, 2004 ____. The claims of culture: equality and diversity in the global era. Princeton: Princeton University Press, 2002. GEERTZ, Clifford. Avaliable light: Anthropological reflections on philosophical topics. New York: Harvard University Press: 2001. MACKIE John. Ethics: Inventing Right and Wrong. 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