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21 Invariância e transitividade: um diálogo possível entre Amartya Sen e Kahneman & Tversky Gabriel Fernandes Mafioletti 1 Fabrício Pontin 2 18F 19F 1 - Introdução Neste trabalho pretendemos traçar um panorama geral de dois modelos de análise de preferência situados em pontos diferentes das abordagens críticas ao turn neoclássico do início do século XX: a proposta de Kahneman & Tversky de economia comportamental e da importância de agregar elementos emocionais e de enviesamento cognitivo na abordagem de preferências, e a abordagem cardinalista e quase-transitiva de Amartya Sen para a questão das preferências e do comportamento, propõe, de fato, uma mudança paradigmática diante do modelo neoclássico, apontando para o potencial de uma leitura combinada dessas duas perspectivas enquanto modelo de crítica e superação do paradigma neoclássico de racionalidade política-econômica. Para tanto, iremos inicialmente elucidar alguns preceitos da economia neoclássica frequentemente aplicados em análises de escolha, contextualizando estes em relação à sua aceitação contemporânea dentro 1 2 Bacharelando em direito, Universidade LaSalle (UNILASALLE), gabriel.201820300@unilasalle.edu.br. Professor - Universidade LaSalle, Escola de Direito e Política/PPG em Educação PhD (Philosophy), Southern Illinois University | Institute of International Education Fellow (2008-2012), fabricio.pontin@unilasalle.edu.br. 340 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 de modelos de análise comportamental. Após, será feita a apresentação de experiências trazidas por Kahneman & Tversky em relação à alguns destes pressupostos, bem como as implicações dos resultados para estes modelos já existentes. Além disso, apresentaremos a proposta da dupla de pesquisadores para um novo modo de análise comportamental por meio da incorporação de elementos trazidos em sua teoria a partir de experimentos empíricos, ou seja, de modo descritivo. Em uma terceira parte traremos considerações e questionamentos de Amartya Sen em relação à estes pressupostos e outros elementos da economia neoclássica, bem como sua aplicação em análises de processo de escolha. É interessante citar que o pensador se afasta ainda mais das escolas de pensamento da economia neoclássica propondo considerações muito mais abrangentes, que questionam as premissas da análise comportamental no nível epistemológico e descritivo. Por fim, concluiremos observando as possibilidades de diálogo de interações entre as duas propostas de questionamento das linhas de pensamento ligadas à economia neoclássica, bem como suas dissonâncias e em que medida é possível um entrelaçamento dessas duas perspectivas em uma abordagem crítica unificada ao modelo neoclássico. .. 2 - Desenvolvimento 2.1 - Pressupostos de teorias de análise de escolha e sua incorporação por modelos normativos de tomada de decisão Inicialmente, antes da exposição das considerações e pensamentos de Amartya Sen e Kahneman & Tversky, é importante esclarecer quais são os alicerces das teorias de escolha baseadas em fundamentos da economia neoclássica. Fundamentalmente as contribuições de ambas as linhas de pensamento para as ciências, em especial os recortes exposto ao longo deste trabalho, embora não somente, são reações ao panorama existente no qual se fundamentam as análises comportamentais, de modo mais ou Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 341 menos intenso. Deste modo, inicialmente, nesta seção explicaremos fundamentos importantes da economia neoclássica e teoria de escolha, também essenciais para compreensão dos objetos de estudo principais deste trabalho. Conforme expõem Kahneman & Tversky em Rational Choice and the Framing of Decisions (1986), as teorias de análise de escolha baseavam-se (e seria interessante dizer, baseiam-se ainda) no pressuposto de que as pessoas escolhem de modo racional, que a escolha racional se dá de forma que torna possível a previsão dos resultado destas opções feitas pelos indivíduos. Deste modo a análise de escolha sob risco, partindo da expected utility hypothesis, considerando o axioma de Von Neumann–Morgenstern, assenta-se sobre quatro pressupostos. Estes pressupostos são quatro 3: anulação (cancellation), transitividade (transitivity), dominância (dominance) e invariância (invariance). O primeiro conceito consiste em eliminar da análise cenários e opções que são indiferentes para a escolha final. Transitividade refere-se à uma comparação entre duas escolhas com um elemento em comum, permitindo concluir-se o resultado de um terceiro cenário envolvendo os itens que apareceram somente em uma situação anteriormente. Por sua vez, dominância nos coloca que, se uma das opções é melhor em algum dos cenários e pelo menos boa em todos os outros, a opção dominante é escolhida. Por fim, o último conceito traz a noção de que em cenários iguais, sob iguais condições, ao final do processo, sempre será escolhido a mesma opção, a mais vantajosa. Como continuam Kahneman e Tversky, estes conceitos e suas falhas são mais ou menos toleradas em modelos normativos de tomada de decisão. Podemos dizer que estes sistemas mantêm-se coerentes (podem ser adaptados) a depender de qual alicerce é desestruturado, conforme Tabela 1 - Princípios e tolerância: 120F 3 Tradução livre 342 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 Princípio Papel nos modelos Anulação Descartável Transitividade Questionável Dominância Essencial Invariância Essencial Tabela 1- Princípios e tolerância Justamente estes dois princípios essenciais à coerência dos sistemas normativos de tomada de decisão foram postos a prova em determinados experiências empíricas 4, descritas na próxima seção. A partir de experimentos trazidos por Kahneman & Tversky em Rational Choice and The Framing of Decisions é possível observar falhas sistemáticas em alguns destes conceitos. Nas próximas subseções reproduziremos a apresentação das duas mais ilustrativas experiências para compreensão dos conceitos e falhas na invariância e dominância. Na próxima seção o presente trabalho trará as críticas de Amartya Sen ao conceito de transitividade e uma análise do distanciamento que isto representa em relação ao sistema sobre o qual a economia neoclássica está construído. 12F 2.1.1 - Falhas na invariância Alguns experimentos trazidos por Kahneman & Tversky demonstram falhas na invariância observadas em experimentos empíricos. Trago um dos mais interessantes e ilustrativos exemplos referentes ao conceito (MCNEIL, 1982). Aos entrevistados era perguntado qual tratamento prefeririam para tratar um câncer de pulmão, segundo estatísticas que podiam ser apresentadas sob dois panoramas, o da mortalidade e o da sobrevivência. É possível notar que os mesmos números são apresentados com estas 4 Os resultados destes experimentos (e suas referências), juntamente com sua síntese de questionamento e aplicação em relação aos princípios descritos podem ser encontrados em KAHNEMAN & TVERSKY, 1986 Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 343 variações, conforme pode ser visto na Tabela 2 - Taxa de sobrevivência e na Tabela 3 - Taxa de mortalidade: Sobrevivem ao procedimento 5 Sobrevivem após 1 ano do procedimento Sobrevivem após 5 anos do procedimento Cirurgia 90% 68% 34% Radiação 100% 77% 22% 12F Tabela 2 - Taxa de sobrevivência Morrem durante o procedimento³ Morrem até 1 ano após o procedimento Morrem até 5 anos após o procedimento Cirurgia 10% 32% 66% Radiação 0% 23% 78% Tabela 3 - Taxa de mortalidade Apesar de as estatísticas das opções serem iguais, em testes empíricos observou-se o resultado que pode ser analisado na Tabela 4 - Efeitos da perspectiva: Cenário de sobrevivência (N=247) 82% dos entrevistados escolhem a cirurgia Cenário de mortalidade (N=336) 56% dos entrevistados escolhem a cirurgia Tabela 4 - Efeitos da perspectiva Como a tabela mostra houve uma diferença significativa na escolha em diferentes cenários, sendo no cenário da mortalidade a cirurgia prejudicada pela idéia de que o paciente morreria durante o procedimento. Na situação apresentada não existe claramente opção dominante, mas aqui é interessante notar simplesmente a diferença de resultados a partir de mudanças de rótulo (descrições) que não influenciam de maneira alguma questões materiais. 5 Ou período pós-operatório 344 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 Esta pesquisa, inclusive, ilustra a dificuldade de análise dos entrevistados (que inclui, vale dizer, estudantes da Stanford Business School, que assistiram aulas de estatística e tomada de decisão, além de médicos e físicos) de observar a questão por si, ignorando influências muitas vezes intrínsecas e inevitáveis ao próprio meio de informação, afinal, é necessário que se descreva o problema. Outra implicância aqui presente é maior do que parece, tendo em vista não só a incapacidade de análise do problema pelos atores , mas também (embora isto não seja objeto direto do trabalho de Kahneman & Tversky) a facilidade de manipulação indevida inclusive por falta dos devidos cuidados na exposição dos problemas presentes em nossa realidade. 2.1.2 - Falhas na dominância Outra experiência demonstra falhas na dominância quando as opções são submetidas à uma simples falta de transparência básica. Em um experimento os atores (N=88) deveriam escolher entre duas caixas com bolinhas de gude, nas seguintes proporções e que representavam os valores descritos na Tabela 5 - Loteria cristalina Opção A Opção B 90% branco 6% vermelho 1% verde 1% azul 2% amarelo +$0 +$45 +$30 -$15 -$15 90% branco 6% vermelho 1% verde 1% azul 2% amarelo +$0 +$45 +$45 -$10 -$15 Tabela 5 - Loteria cristalina Neste problema a opção dominante obviamente é a ‘B’, tendo em vista que em relação às bolas verdes existem possibilidades maiores de ganhos (bolas verdes) e menores possibilidades de perdas (bolas azuis). Agora um experimento com a mesma dinâmica é apresentado, mas com números diferentes (N=124), como pode ser visto na Tabela 6 - Loteria mascarada. Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 345 Opção C Opção D 90% branco 6% vermelho 1% verde 3% amarelo +$0 +$45 +$30 -$15 90% branco 7% vermelho 1% verde 2% amarelo +$0 +$45 -$10 -$15 Tabela 6 - Loteria mascarada O problema acima mascara a dominância, já que a opção C aparentemente é a mais vantajosa, pois possui três resultados possíveis positivos e apenas um negativo. Apesar disto um olhar pouco mais cuidadoso revela que a opção D estatisticamente é mais vantajosa, inclusive porque a Tabela 6 - Loteria mascarada foi obtida através de uma redução (junção de resultados iguais, azuis e amarelos na opção A e verdes e vermelhos na opção B) da Tabela 5 - Loteria cristalina. Aplicado o experimento, 58% dos participantes optaram pela loteria C. Deste modo podemos observar que não necessariamente a opção dominante é escolhida. Não foi necessário que grandes mudanças fossem feitas, apenas que a alternativa mais vantajosa não fosse claramente assim exposta. No destaque de um modo errôneo (mas mais simples) de determinar qual a opção com maiores ganhos, os atores deixaram de fazer observações em que pese bem simples em termos de estatísticos. Assim, apesar da dominância (da opção mais vantajosa em termos financeiros) ser um pressuposto interessante ao se analisar tomada de decisão em âmbito financeiro, ambiente no qual usualmente faz parte do processo a racionalidade, sendo a dominância é um fator efetivo ao se determinar qual caminho tomar, isto não se verifica em processos inclusive naqueles que envolvem ganhos financeiros. Como demonstram Kahneman & Tversky, a dominância não necessariamente (e pode-se dizer, regularmente) não faz parte do processo de tomada de decisão das pessoas em geral, inclusive porque, como as críticas de Amartya Sen nos trazem, as pessoas não pensam de modo racional, o que, a princípio, seria pré- 346 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 requisito para influência da dominância (ao menos quando esta não é transparente). Postas as falhas apresentadas, na próxima seção traremos algumas considerações de Sen sobre o modo como a teoria comportamental funciona, passando para suas críticas sobre a racionalidade pressuposta dos modelos e os problemas que isto implica. Em um segundo momento, em uma digressão mais técnica, serão apresentados argumentos de Amartya Sen sobre a inconsistência de ranqueamento implicada na transitividade 6 e sua total incoerência com uma teoria de análise de escolha factível. 123F 3.2 - Racionalidade e o problema da transitividade Conforme elucidado na introdução, diversas teorias de análise do processo de escolha comportamentalistas baseiam-se em pressupostos de maximização de resultados presentes nas linhas de pensamento da economia neoclássica. Estes pressupostos supõe uma racionalidade do sujeito não necessariamente envolvida no processo de tomada de decisão. Na verdade, como observaram Kahneman & Tversky estes supostos princípios lógicos usualmente não estão presentes nestes desenvolvimentos de modo que são indispensáveis outras considerações para uma possível análise. Enquanto isto Amartya Sen afasta-se ainda mais, externando-se da perspectiva comportamentalista, fazendo também críticas mais amplas e profundas ao sistema vigente. Nesta seção será apresentada a proposta da dupla de pesquisadores para uma incorporação de elementos subjetivos ou fora dos padrões de racionalidade arbitrados nos modelos de análise comportamentais. Após será feita a conexão desta proposta com as considerações de Amartya Sen sobre estes modelos, bem como uma de sua extremamente pertinente crítica à transitividade. 6 Crítica, em nossa opinião, também presente no trabalho de Kahneman & Tversky, na medida em que mudanças no ranqueamento das preferências nas situações por eles trazidas implicam mudanças materiais (apesar de causadas por fatores imateriais), acarretando uma ruptura nos modelos transitivos. Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 347 3.2.1 - Prospect theory como possibilidade de incorporação da subjetividade O sistema o qual a economia neoclássica compunha, ao não conseguir prever o comportamento de um sujeito o classificava como irracional pela inconsistência ou falta de racionalidade em sua atuação. Kahneman & Tversky, ao observar como as pessoas escolhem trouxeram a proposta de um modelo ainda normativo e comportamentalista, mas descritivo, possibilitando a incorporação de elementos subjetivos à análise. Explicando a prospect theory em termos de variáveis e, para simplificar, mantendo a discussão apenas em termos de apostas com probabilidades numéricas e ganhos ou perdas financeiros, podemos dizer que, entre uma opção que possui probabilidade ‘p’ de produzir ‘x’ e outra opção com probabilidade ‘q’ de produzir ‘y’ (‘x’ e ‘y’ em termos financeiros), os resultados serão produzidos (neste mundo de parâmetros limitados, pelo menos em princípio), com as variáveis incluídas em π(·)v(·), considerando que π(·) é o peso da decisão, em função da probabilidades, e v(·) é o valor da decisão, função de perdas e ganhos (o valor da decisão em termos subjetivos, não necessariamente o resultado objetivo que a mesma produz). Deste modo, se poderia tirar que o resultado de duas opções escolhidas de forma subsequentes se daria por π(p)v(x) + π(q)v(y), com algumas observâncias a serem feitas em relação à escolhas de futuro certo. Assim é correto afirmar uma admissão da subjetividade do sujeito ao se colocar o peso da decisão em sintonia com as probabilidades envolvidas (‘p’ e ‘q’) conforme o gráfico 1, que, 348 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 gráfico 1 embora envolva valores objetivos, é baseado em observações empíricas. A teoria, adicionalmente leva em consideração as variações que diferentes valores absolutos sofrem quando relativizados em comparação com o ponto (usado como referência) no qual o ator se encontra, possuindo a curva da influência do valor as características apresentadas no gráfico 2, também construída a partir de experimentos realizados. gráfico 2 Com as críticas de Kahneman & Tversky agora colocadas, bem como suas proposta ainda comportamentalista de análise do processo de tomada de decisão, é possível nos aprofundarmos e nos distanciarmos dos modelos baseados nos pressupostos de racionalidade da economia neoclássica. Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 349 Na próxima subseção traremos os questionamentos de Amartya Sen à estes modelos teóricos, que envolvem a noção de dedução de preferências por observação de comportamento, bem como o modo como as análises de então tratavam os axiomas (já expostos) que serviam como base. 3.2.2 - Críticas de Amartya Sen aos modelos de análise comportamentais Conforme Sen nos traz em Behavior and the Concept of Preference, as teorias de análise de escolha tradicionais possuem como base a observação de comportamentos de mercado observáveis e consistentes. O nome dado ao material de análise desta ciência é "preferência revelada". Nos cita Samuelson, economista que deu grandes contribuições ao campo “the individual guinea-pig, by his market behaviour, reveals his preference pattern-if there is such a consistent pattern.” (SAMUELSON, 1948). Como podemos concluir, a lógica comportamentalista nos coloca a seguinte idéia: Se entre 'x' e 'y' o sujeito escolhe 'x', logo, este indivíduo deve preferir ‘x’ à ‘y’. Ou seja, as escolhas são observadas e assim é possível deduzir as preferências. E com um padrão consistente (de comportamento) seria possível concluir qual é o padrão de preferências. Esta estrutura pode até ser válida em termos de funcionamento de mercado (embora inclusive à isto existam críticas), mas análises a partir destes fundamentos frequentemente são feitas em relação à decisões governamentais e voto. Análises econômicas de diversos aspectos são feitas e influenciam inúmeros fatores, mas existem considerações a serem feitas. Em seu artigo, antes de entrar em fatores técnicos, Amartya Sen nos coloca a seguinte perspectiva: Samuelson e os que com ele se alinham alegam que a teoria da preferência revelada não possui a pretensão de fazer uma análise muito profunda da “mente” do indivíduo analisado, mas existe um problema considerável aí impregnado. É uma contradição ou uso muito inadequado do termo preferência, na medida em que a partir do comportamento observável do sujeito se pretende concluir algum tipo 350 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 de forte tendência (ou preferência) entre uma opção ou outra. Observado a lógica contrária não é difícil pensar que as escolhas não são afetadas somente pela preferência do sujeito envolvido, deste modo, como seria possível tão facilmente fazer o caminho inverso, observar a escolha e tomar como aparente sua preferência (entre tantos outros influenciadores)? Neste ponto existem duas opções. Envolver algum tipo de incorporação de outros elementos diversos afastando-se dos pressupostos racionalistas da economia neoclássica, mas manter-se no sistema, como sugerem Kahneman e Tversky ou mudar totalmente a lógica, saindo das linhas de pensamento comportamentalista e fazendo uma análise diversa do processo de escolha, como sugere Amartya Sen. Além disso existe outro ponto a se considerar quando analisamos a tomada de decisão por determinado ator, como bem sintetizado no exemplo trazido I am inclined to believe that the chair on which you are currently sitting in this room was not chosen entirely thoughtlessly, but I am not totally persuaded that you in fact did choose the particular chair you have chosen through a careful calculation of the pros and cons of sitting in each possible chair that was vacant when you came in. Even some important decisions in life seem to be taken on the basis of incomplete thinking about the possible courses of action, and the hypothesis of revealed preference, as a psychological generalization, may not be altogether convincing. These questions are well-known as also are the difficulties arising from open or hidden persuasion involved in advertisements and propaganda, which frequently mess up not only one's attitude towards the alternatives available but also towards the act of choice itself. (SEN, 1973) ou seja, como Kahneman & Tversky concordam em Rational Choice and The Framing of Decisions, via de regras as pessoas em geral, mesmo ao fazer escolhas importantes não são racionais ou mesmo bons estatísticos intuitivos 7 em termos deliberativos. 124F 7 Argumentos a respeito da racionalidade e aprendizado no processo de tomada de decisão relacionados à deliberação podem ser encontrados em Rational Choice and the Framing of Decisions na seção Bolstering Assumptions (a partir da página 273) Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 351 Apesar da concordância, retomando as diferenças entre a dupla de comportamentalistas e o pensador indiano, é importante destacar esta diferença fundamental. Enquanto que o segundo problematiza o uso dos axiomas trazidos da economia neoclássica, principalmente em relação ao fato de que estes pressupostos são “[T]reated as an axiom in the light of which consumer's choices are analysed and interpreted, rather than as a hypothesis 8” (SEN, 1973), trazendo a falha, por exemplo (a ser apresentada) na transitividade um fator que implica em uma violação que impossibilita qualquer modelo baseado neste pressuposto. Para Kahneman & Tversky mesmo com estes problemas (que eles, inclusive, apresentam) a estrutura normativa, com as contribuições descritivas, pode ser adaptada, se bem que com uma grande reformulação no panorama geral, mas mantendo-se dentro da lógica de observância da atuação material dos sujeitos. 125F 3.2.3 O problema na transitividade (por Amartya Sen) Agora, nos aprofundando um pouco na transitividade de modo mais abstrato porém profundo, são necessárias algumas considerações a respeito do conceito, bem como esclarecimentos. Transitividade é um conceito, na verdade bem lógico, que pode ser descrito da seguinte forma. Entre ‘x’, ‘y’ e ‘z’, se escolho (e, em uma visão comportamentalista, prefiro) ‘x’ à ‘y’, e ‘y’ à ‘z’, pode-se supor que escolherei (prefiro) ‘x’ à ‘z’. Conforme Sen traz, este pressuposto já apresenta sério problemas quando pensado à luz do exposto na seção anterior. Para que a transitividade seja viável, seriam necessárias informações acerca das preferências do sujeito, não somente das escolhas. Ou seja, seria necessário uma verificação verídica a respeito da preferência do sujeito por ‘x’ à ‘y’ e ‘y’ à ‘z’. Mas, assumindo que isto seja factualmente possível, seria logicamente possível? 8 SEN, 1973 352 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 Antes de prosseguirmos, é interessante apresentar um exemplo de Amartya Sen que ilustra bem a realidade da verificação de preferência dentro do paradigma comportamentalista It could, however, be argued that what was at issue was not really whether the axiom of revealed preference represented a requirement of consistency, but whether as a hypothesis it was empirically verified. This line would not take one very far either. Consider the simplest situation of one consumer facing two divisible commodities-the case [...] Even in this rudimentary case, the set of possible choice situations for any individual is infinite-indeed uncountable. To check whether the Weak Axiom holds for the entire field of all market choices, we have to observe the person's choices under infinitely many price-income configurations. In contrast, the number of actual choices that can be studied is extremely limited. Not only is the ratio of observations to potential choices equal to zero, but moreover the absolute number of cases investigated is also fairly small. Comparisons have to be made within a fairly short time to avoid taste change, but the time elapsed must also be sufficiently long so that the mutton purchased last time is not still in the larder, making the choices noncomparable. With durable goods the problem is quite vicious. The actual number of tests carried out have, not surprisingly, been very small. Faith in the axioms of revealed preference arises, therefore, not from empirical verification, but from the intuitive reasonableness of these axioms interpreted precisely in terms of preference. In fact, the concept of taste change is itself a preferencebased notion, and the whole framework of revealed preference analysis of behaviour is steeped with implicit ideas about preference and psychology. (SEN, 1973) ou seja, assumir estas “preferências” é no mínimo duvidoso, embora seja necessário para a assunção da transitividade, já que seria impossível esperar uma escolha de ‘x’ à ‘z’ em situações distintas no caso de não-consideração de preferências. Dado isto, ainda considerando o exemplo citado no parágrafo anterior, Sen nos coloca a seguinte hipótese: e se o indivíduo “revelar uma preferência” por ‘z’ à ‘x’, já que isto, no mundo real, é perfeitamente factível? A transitividade violada inclui a ruína de todo o modelo, a priori, tendo em vista que este sujeito age de maneira inconsistente. Mas, como esclarecido no parágrafo anterior, o sujeito, pela escolha de ‘x’ à ‘y’, ‘y’ à ‘z’ e ‘z’ Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 353 à ‘x’ não necessariamente revelou sua preferência, logo, como poderia ser caracterizado como inconsistente em termos de preferência? Ademais, e se expormos o sujeito à escolher de modo não binário. Na hipótese de ter que escolher entre ‘x’, ‘y’ ou ‘z’ não existe escolha “consistente”, na medida em que escolher qualquer uma das opções envolve contradizer uma decisão anterior (e, portanto, agir de modo contrário àquele previsto pelos modelos de observância comportamentais). Na Tabela 7 - Escolhas e implicações buscamos ilustrar o que cada escolha implica e por que ela afirmaria uma suposta inconsistência do sujeito (embora a preferência não tenha sido verificada). Escolha Implicações Escolha anterior contrariada x xPz, xPz zPx y yPx, yPz xPy z zPx, zPy yPz Tabela 7 - Escolhas e implicações Deste modo, para Amartya Sen, não faz sentido restringir as escolhas a “observância de mercado”, ainda que sob o argumento de que seriam as únicas observáveis porque inclusive dentro desta lógica mercadológica, tanto a transitividade quanto o sistema baseado em consistências não se sustenta, inclusive pelo modo como as informações acerca das preferências são obtidas. 4 - Conclusão Ao abordar as críticas de Kahneman & Tversky e Amartya Sen à utilização do paradigma econômico neoclássico em análise comportamental é possível observar alguns fatores de convergência e outros de divergência. A primeira distinção importante a se ressaltar é o modo como lidam com o paradigma vigente. 354 | Estudos sobre Amartya Sem: volume 7 A dupla de pesquisadores faz uma crítica interna, ou seja, observa defeitos nos modelos existentes e buscam corrigi-los por meio da incorporação de elementos subjetivos observados a partir de experiências empíricas. Ainda que seja possível notar elementos de concordância com Amartya sen que não necessariamente podem ser colocados como influẽncia direta, como o uso do método científico (no caso da incorporação de elementos descritivos na normatividade) ao justamente considerar experimentos como parte importante da construção do modelo 9. Além disso, outra concordância (pode-se dizer que derivada desta primeira) diz respeito ao método de classificação do sujeito como válido ou inconsistente. É coerente dizer que os modelos de análise anteriores pressupunham uma racionalidade do ator quando isto não necessariamente é verdade. E mesmo que isto fosse verdade existem elementos de aprendizagem e correção de erros extremamente ineficiente já que, (i) as pessoas, via e regra, não fazem escolhas de forma necessariamente deliberada, eventualmente mesmo as escolhas importantes e (ii), muitas escolhas envolvidas muitas vezes são feitas poucas vezes na vida da maioria das pessoas, bem como o aprendizado que se poderia ter destas situações é prejudicado por tantas circunstâncias, que seria no mínimo inconsequente dizer que as pessoas podem aprender com os erros e “fazer as escolhas certas” a partir de repetidos erros, especialmente na falta de incentivos. Mas a principal discordância, é importante dizer, remete ao posicionamento em relação ao panorama neo-clássico de análise de escolhas. Para Kahneman & Tversky é possível por meio, por exemplo, da incorporação de dados obtidos em estudos fortalecer o sistema normativo, fortalecendoo sob novos alicerces. Enquanto isso, para Amartya sen existe um problema mais profundo a ser tratado, que engloba inclusive a proposta feita pela dupla de pesquisador. Para o pensador indiano uma das falhas dos 126F 9 Uma crítica de Sen em Behavior and the Concept of Preference é a falta de verificações das hipóteses e o modo como os axiomas são tratados. Apesar de esta crítica dirigir-se à um tópico diferente daquele indagado por Kahneman & Tversky (para estes a falta de incorporação destes resultados), existe em ambos uma observância da falta de verificação prática dos modelos neoclássicos. Gabriel Fernandes Mafioletti; Fabrício Pontin | 355 modelos neoclássicos consiste no modo de obtenção da informação. A dedução de preferência (um elemento a se considerar influente na escolha do indivíduo) por meio da observação do “comportamento consistente de mercado” do individuo cria implicações que frustram os trabalhos justamente por invalidar seu objeto de estudo como tal. O presente trabalho possui intenção de expor duas críticas aos modelos de análise baseados em axiomas normativos usados em análises econômicas neoclássicas. Tanto Amartya Sen quanto Kahneman & Tversky trazem contribuições importantes, nem sempre convergentes, nem sempre divergente, mas eventualmente dialogáveis (embora não complementares) de modo a dar contribuições importantes para ambas as linhas de pesquisa. Apesar de a crítica do primeiro incluir a dupla de pesquisadores, a despeito da clara influência que estes sofreram do pesquisador indiano, existem ressonâncias diversas entre as possibilidades de estudo. Ademais, aqui pretendemos realizar um trabalho inicial em relação às possibilidades que as duas linhas de pesquisa trazem, especialmente quanto às contribuições que a filosofia posta por Amartya Sen pode trazer para os modelos normativos, como a perspectiva de racionalidade dos atores. Referências McNeil, Barbara. “On the Elicitation of Preferences for Alternative Therapies.” New England Journal of Medicine, 21, nº 306 (1982): 1259-62. Sen, Amartya. "Behaviour and the Concept of Preference." Economica, New Series, 40, nº 159 (1973): 241-59. Sen, Amartya. "Maximization and the Act of Choice." Econometrica 65, nº 4 (1997): 745-79. Tversky, Amos, and Daniel Kahneman. "Rational Choice and the Framing of Decisions." The Journal of Business 59, no. 4 (1986): S251-278.