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Revista Brasileira de Sociologia do Direito ISSN 2359-5582 MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITO: O GT (GRUPO DE TRABALHO) JURÍDICO E SEU PAPEL NA OCUPAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES DE PORTO ALEGRE EM 2013 Fiammetta Bonfigli1 Germano Schwartz2 SOCIAL MOVEMENTS AND THE LAW: THE LEGAL GROUP INSIDE THE OCCUPATION OF PORTO ALEGRE CITY COUNCIL IN 2013 RESUMO: O presente artigo visa a recompor e a interpretar os acontecimentos que fizeram do Brasil um teatro de protestos em massa contra o aumento da tarifa dos ônibus urbanos no ano de 2013 Movimento Passe Livre. O ensaio tem como foco específico a cidade de Porto Alegre e a ocupação de sua Câmara de Vereadores em julho 2013. O objetivo é o de entender a relação entre a organização política do Bloco de Luta pelo Transporte Público e seu GT Jurídico durante os oito dias de ocupação. Por meio de nove entrevistas semiestruturadas realizadas exclusivamente com os componentes do GT mencionado, procura-se entender como o Direito é uma ferramenta utilizada pelos movimentos sociais, quais suas dinâmicas relacionais e quais são seus pontos convergentes e divergentes. Nesse sentido, especial atenção é dada ao deferimento da reintegração de posse e a elaboração de dois projetos de lei sobre o transporte público como principais momentos de relação entre a organização coletiva da ocupação e o GT Jurídico. ABSTRACT: The paper aims to re-collect and interprate the events that made of Brazil the theatre of mass protests against the incresing bus fares and for “Passe Livre” (Free Pass). The present work has its specific focus in the city of Porto Alegre and on the occupation of the City Council on July of 2013, the aim is to understand the relationship between the political organization of the “Bloco de Luta pelo Tansporte Publico” (Fight Block for the Public Transport) and the Legal Team inside it during the 8 days of City Council occupation. Through nine semistructured interviews exclusively with 9 members of the Legal Team the purpose is to understand how law could be a tool used by social movements, which are the dynamics of this relationship, which the points of positive convergence. In the case of this relationship inside the city council ocuupation, a particular attention is given to the deferment of the eviction and the elaboration of two law proposals as fundamental moments of the relationship between collectiorganization of the occupation and Legal Team. Palavras-chave: Direito. Julho de 2013. Movimentos Sociais. Ocupação da Câmara de Vereadores. Porto Alegre. Keywords: Law. 2013. Social Movements. City Council occupation. Porto Alegre.  O presente artigo é resultado de projeto de pesquisa financiado pelo CNPq por meio de Edital Universal (P. 441774/2014-8). 1 Professora de Direito (UFES). 2 Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). 3 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 ■■■ 1 INTRODUÇÃO No ano de 2013, o Brasil foi perpassado por protestos em massa contra o aumento da tarifa dos ônibus urbanos (SCHWARTZ, COSTA, FLECK, 2016). Compôs-se, naquele momento, um quadro heterogêneo de participação e de reivindicações. Enquanto os principais trabalhos sobre o tema são focados nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, o presente artigo resta focado na cidade de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul, por três razões: (1) a existência prévia a 2013, em Porto Alegre, de protestos menores contra o aumento anual da passagem; (2) a criação, em Porto Alegre, do “Bloco de Luta pelo Transporte Público” como tentativa de unir as várias organizações de esquerda, anarquistas e independentes na pauta da luta contra o aumento das tarifas dos ônibus urbanos; (3) a ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre em julho 2013, inserindo a cidade no cenário de ocupações do espaço público e político em outros lugares do mundo, tais como Madrìd/2011, Occupy Wall Street/2013 e Taksim Square/2013 (ABREU, 2013). Este artigo se encontra temporalmente ligado à semana de Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Nesse sentido, repousa sua análise na relação entre a organização coletiva do Bloco de Luta pelo Transporte Público e seu GT Jurídico, criado com dois objetivos específicos: (1) proteger a ocupação contra a reintegração de posse e a remoção dos protestantes do lugar no qual se encontravam; (2) elaborar e protocolar dois projetos de Lei sobre transporte público elaborados conjuntamente dentro da Ocupação como condição mínima para a desocupação do prédio. O artigo, a partir desses pressupostos, organiza-se da seguinte maneira: em primeiro lugar, relata-se, sem a pretensão de exaustividade, o debate sociológico sobre os movimentos sociais; em segundo, apresenta-se, brevemente, a literatura sobre Movimentos Sociais e Direito, entendendo-se a complexidade da relação entre o 4 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz empoderamento dos movimentos por meio da utilização do Direito como ferramenta da institucionalização da reivindicação política; em terceiro, e, por último, a Ocupação da Câmara de Porto Alegre e seu GT Jurídico são apresentados como um estudo de caso dessa relação com a análise de nove entrevistas semiestruturadas realizadas exclusivamente com os componentes do GT retrorreferido. 2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA TEORIA SOCIOLÓGICA Compreender os protestos de 2013 no Brasil e as particularidades de Porto Alegre, representadas no caso concreto pela organização do Bloco de Luta e pela Ocupação da Câmara de Vereadores, demanda uma necessária abordagem da reflexão sociológica a respeito dos movimentos sociais. Nessa esteira, a sociedade pode ser considerada como território e fruto de conflitos incessantes. Dessa maneira, a sociologia relacional não só coloca o conflito no centro da sua análise, como procura verificar a sua presença nas mais diversas manifestações coletivas: O conflito social é, de facto, algo inerente à própria vida das sociedades e a sua existência aparece, de ordinário, como sinal de vitalidade da atividade coletiva. Quase sempre abre a mudança social. Apenas as sociedades caídas na estagnação veem erradicadas do seu seio as lutas sociais [...] Não há vida coletiva sem mudança, do mesmo modo que não existe vida social sem antagonismo [...] o conflito é imputável, antes de mais, nas sociedades ocidentais, à própria prática democrática (TEIXERA FERNANDES, 2013, p. 788). Desse modo, os movimentos sociais são atores inseridos no tecido social conflitivo. É por essa razão que, antes do campo jurídico, as tentativas de definição dos movimentos sociais são encontradas no campo sociológico. Zubirìa Mutis (2016) considera os movimentos sociais como uma categoria de análise mais precisa da ideia de “sociedade civil”. Isso porque os movimentos sociais possuem vinculação direta com os processos históricos de mudança política, tanto na América Latina, como em outras partes do mundo, quais sejam: a reorganização das forças políticas no sistema partidário, as novas concepções sobre instituições básicas e a transformação de elementos culturais da sociedade. 5 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 A autora em comento categoriza o estudo sociológico sobre os movimentos sociais em três paradigmas principais: europeu, estadunidense e latino-americano. O paradigma europeu ou “da identidade” foca-se na busca de identidade, da autonomia e do reconhecimento dos agentes. Assim, Touraine explica o movimento social como uma forma específica de ação coletiva. Movimentos sociais, portanto, não se prendem unicamente à oposição a alguma dominação. Eles necessitam ter alguma atitude positiva: If a collective actor cannot define its goals in social terms - if for example a group wants its specificity to be recognized - its struggle for freedom or identity cannot by itself create a social conflict. Even when the conflict is very far from being a zero-sum game, it must be defined by a "field," that is, by "stakes" which are valued and desired by two or more opponents. So all kinds of social conflicts have in com- mon a reference to "real" - that is, organized - actors and to ends which are valued by all competitors or adversaries. Within this broad definition, it is necessary to separate various kinds of social conflicts” (TOURAINE, 1985, p. 751). Esse tipo de abordagem define como “novos movimentos sociais” aqueles que se desenvolveram a partir dos anos sessenta do século passado como produto dos novos conflitos nas sociedades pós-industriais ou pós-fordistas. São exemplos desses novos conflitos a ampliação do acesso ao ensino superior, o ingresso das mulheres no mundo do trabalho, entre outros. Tais mudanças históricas abrem espaço para tipologias de conflito menos centradas na questão de classe, tomando relevância, por exemplo, a questão de gênero, as manifestações estudantis e a luta ecológica, para citar alguns (MELUCCI, 1995; WIEWORCKA, 2003). Nessa linha de raciocínio, como aponta Touraine (1989), chama-se de “novos movimentos sociais” essa composição de reivindicação política na época posterior às ditaduras latino-americanas. Esse lapso temporal pode ser comparado à mobilização europeia dos anos sessenta do século passado, visto que foram menos controladas pelos partidos e/ou pelo poder político. Com isso, os conflitos escapam da tradicional configuração econômico-industrial e das relações institucionais dentro do Estado, passando a abordar a identidade pessoal e a vida cotidiana. Segundo Melucci (2010), a informação transforma-se em pilar fundamental na construção da identidade coletiva como processo que se reflete não somente dimensão individual mas também na negociação e na interação com o ambiente. 6 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz Zubiria Matis (2016) localiza tal enfoque em um nível intermediário entre o paradigma europeu da identidade e o paradigma estadunidense (mobilização de recursos). Charles Tilly, exemplo emblemático da linha de pensamento americana, configura os movimentos sociais como uma forma específica de “política contenciosa”, no sentido de que os movimentos sociais envolvem a elaboração coletiva de reivindicações que, alcançando sucesso, conflitariam com os interesses de outrem; política, no sentido de que governos, de um ou outro tipo, figuram de alguma forma nesse processo, seja como demandantes, alvos das reivindicações, aliados desses alvos, ou monitores da contenda (TILLY, 2010, p. 136). A denominada política contenciosa deve ser necessariamente objeto de compreensão histórica para que consiga identificar as mudanças substanciais que acontecem na organização, nas condições, nos objetivos e nas estratégias dos movimentos sociais ao longo da história. Tilly (2010, p.136) identifica riscos comuns para quem analisa os movimentos sociais: (1) chamar de “movimento social” qualquer ação coletiva popular; (2) confundir a ação coletiva de um movimento com as organizações e com as redes que apoiam a ação; (3) tratar o movimento social como um ator unitário singular, esquecendo-se das interações, das diferenças de estratégias, de objetivos e de interesses que surgem dentro do tecido dos movimentos sociais. Assim, segundo o autor referido, o progresso dos movimentos sociais e sua importância ao longo das décadas depende de outros fatores além das ações, como, por exemplo, as campanhas interativas. Dessa forma, cada movimento social combina três tipos de reivindicação: programática, identitária e de posição (ZUBIRIA MUTIS, 2016). A propósito, cumpre a forma pela qual Donatella Della Porta e Mario Diani (2006) identificam as principais questões do estudo do conflito social e dos movimentos sociais. O primeiro grupo de questões resta conectado com a relação entre modificações estruturais e mudanças nas formas de conflito social. As seguintes perguntas identificam tal grupo: os movimentos sociais podem ser considerados como expressões de conflitos? Quais conflitos? Esses conflitos mudaram? 7 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 O segundo grupo aborda o papel das representações culturais dentro do conflito social, e as perguntas que o caracterizam podem ser assim resumidas: como são identificados os potenciais objetos da ação coletiva? Como se desenvolve um sentimento de coletividade, de “nós”, entre os atores? De onde surgem os valores dos movimentos? O terceiro grupo está ligado ao processo de transformação no qual valores e ideias se tornam ação coletiva. Os questionamentos desse grupo são: quais formas de organização, identidades, símbolos e redes permitem a manutenção da ação coletiva? O quarto e último grupo tenta aprofundar a análise dos contextos políticos/sociais/ culturais que influenciam as probabilidades de sucesso do movimento e as formas pelas quais ele se apresenta. Suas grandes perguntas são: como mudam as estratégias e as táticas de movimento ao longo do tempo? E por qual razão? Recorde-se de que o presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre o movimento contra o aumento das passagens de ônibus urbanos em Porto Alegre no ano de 2013 e a Ocupação da Câmara de Vereadores como estratégia de luta. Ainda, como o GT Jurídico da Ocupação apresentou-se como espaço de relação entre movimento e Direito. Esse recorte se amolda às perguntas-chave de Donatella della Porta e Mario Há uma posição tomada. Seria problemático analisar o caso de Porto Alegre sem verificar o intenso trabalho sociológico latino-americano no âmbito dos movimentos sociais. O paradigma latino-americano permite interpretar um movimento que se desenvolveu no continente latino-americano usando categorias e olhares não eurocêntricos. Como escreve Marcela Parra, os movimentos sociais como “sujeito” e não “objeto” de estudo: Este cambio –desde el objeto al sujeto- ha sido de alguna manera resultado de nuestro un paso desde las estrategias de intervención comunitaria al interés por los procesos de movilización social.Paso que, aunque personal, compartimos con muchos compañeros de ruta [...]siendo éste un principio ético y político que necesario para pensar y hacer con y desde los movimientos sociales (PARRA, 2005, p. 73-74). A construção dos movimentos sociais como “sujeito” de estudo se desenvolve ao longo das mudanças históricas e políticas do continente latino-americano, como é o exemplo dos movimentos das mulheres e dos povos indígenas na luta contra a 8 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz globalização. Esse ambiente fértil elabora e incorpora um olhar crítico próprio dos estudos pós-coloniais: En América Latina gran parte de los debates sobre los movimientos sociales, sigue girando en torno a los parámetros políticos y económicos de la cultura occidental desconociendo las culturas originarias no occidentales de nuestro continente, sus formas de hacer y saber, sus maneras de organizarse políticamente, etc.. El concepto de nación, por ejemplo, ha oscurecido desde el comienzo la presencia y realidad de los sujetos subalternos en la historia latinoamericana (CASTROGÓMEZ Y MENDIETA, 1998, p. 25 citado em PARRA, 2005, p. 78). Touraine faz referência direta aos sociólogos latino-americanos e ao contexto do continente, relatando de que forma, na sociologia dessa parte do mundo, os movimentos sociais são definidos classicamente como protestos que permanecem à margem do sistema político e que vão “além dos objetivos específicos e limitados que são os dos grupos de interesses […] Uma parte desses movimentos de base não se transforma, entretanto, em demandas para o sistema politico” (TOURAINE, 1989, p. 279-281). Laclau (1985), por seu turno, evidencia como a partir dos anos setenta do século passado, na América Latina, pode-se falar de novos movimentos sociais que objetivam criar e politizar espaços alternativos de luta, deixando de basear-se em um modelo totalizante de sociedade. Na mesma direção, apontam Pereira Goss e Prudencio (2004). Para os autores, as organizações tradicionais eram definidas a partir de três características: (1) a identidade dos atores é determinada por categorias relacionadas à estrutura social (camponeses, burgueses e trabalhadores); 2) o tipo de conflito é definido por um paradigma evolucionário teleológico; 3) os espaços dos conflitos ficam reduzidos a uma dimensão política fechada e unificada (representatividade e institucionalidade política). Com isso, os “novos movimentos sociais” divergem de tais características: o político está em toda a prática social. Nessa senda, podem-se citar alguns trabalhos de referência para o estudo sobre os movimentos sociais na América Latina. A saber: Calderon (1997), Laclau (1985), Svampa (2008), Zibechi (2003), Jelin (2001), Zermeño (2009), Quijano (2011), Escobar (1991), Boaventura de Sousa Santos (2009, 2010). Em particular, destacase a relevância dada por Ocampo Banda (2008) aos seguintes tópicos: (1) espaços públicos autônomos, novos territórios e âmbitos de luta; 9 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 (2) espaços coletivos de decisão; (3) apropriação de fábricas como símbolo de reapropriação social. Os pontos citados são importantes para analisar a Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre como criação de um espaço público autônomo. Na mesma linha, possibilitam observar a assembleia horizontal como espaço de debate e decisão política. No mesmo sentido, facilitam analisar a reapropriação social do espaço normalmente dedicado ao exercício do poder politico institucional. 3 OS JURISTAS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS O propósito do presente artigo é o de entender como se configuram e se realizam as relações entre os movimentos sociais e o Direito a partir da criação do GT Jurídico na Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre em Julho de 2013. Desse modo, faz-se mister compreender de que forma essa relação se construiu e de que maneira os movimentos sociais podem utilizar os mecanismos jurídicos para fortalecer suas pautas ou para se protegerem da repressão institucional superveniente em casos de ocupações. Neste item, inicialmente, pretendem-se abordar alguns trabalhos já elaborados sobre o tema, para, depois, analisar o estudo de caso anunciado. Desse modo, é pertinente entender quais são as possibilidades e quais são os riscos de pautar a tradução, em texto de lei, de determinadas pautas. Daniel de Mendonça adverte: Movimentos sociais tem continuamente lutado em todo o mundo pelo reconhecimento- e não pela mera tolerâncias- das suas demandas especificas […] O meio conhecido, e mais rechecido, de conquistas politicas por grupos sociais é a tradução das suas demandas especificas em texto de lei […] Em muitos casos, efetivamente, os direitos são alargados. Contudo, em outros casos, a lei torna-se mesmo uma letra morta […] a norm juridica pode servircomo um mero instrumento de conformação de movimentos sociais gerando, assim, possíveis desmobilizações desses movimentos (DE MENDONÇA, 2002, p. 56-62) São dois os possíveis resultados: (a) a lei é cumprida; ou (b) a lei torna-se letra morta ou é engavetada. Na segunda hipótese, a desmobilização social tende a ser o caminho natural. Cabe, todavia, adicionar outra possibilidade: se a lei é cumprida, se a pauta é traduzida em lei e é aplicada, qual o destino do movimento social? Desaparece? Muda? Segue lutando por outras demandas? Tais perguntas podem auxiliar na 10 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz compreensão de que a relação entre lei positivada e movimentos sociais são feitas infinitas combinações que refutam modelos binários. Logo, as possibilidades emancipatórias, os riscos de desmobilização ou do enfraquecimento da conflitualidade são numerosos. Nesse aspecto, é inevitável retornar à famosa pergunta de Boaventura de Sousa Santos (2003): “Pode o direito ser emancipatório?”. Àquela autora a resposta que o autor dava a essa pergunta era, com certeza, positiva, em função da possibilidade do uso nãohegemônico de ferramentas hegemônicas como o Direito: Existe, no entanto, a possibilidade de o direito e os direitos serem usados como não-autónomos e não-exclusivos. Tal possibilidade assenta no pressuposto da “integração” do direito e dos direitos em mobilizações políticas de âmbito mais vasto, que permitam que as lutas sejam politizadas antes deserem legalizadas. Havendo recurso ao direito e aos direitos, há também que intensificar a mobilização política, por forma a impedir a despolitização da luta – despolitização que o direito e os direitos, se abandonados a si próprios, serão propensos a causar (DE SOUSA SANTOS, 2003, p. 37). O autor demonstra preocupação em relação à capacidade de despolitização que o Direito parece ter como característica. Mesmo assim, identifica uma possibilidade para que isso não aconteça enquanto se intensifica a mobilização política: pautas politizadas antes de serem legalizadas, mantêm sua própria força. Outra questão é o papel dos advogados. No Brasil, a militância dos advogados populares ativos no âmbito dos Direitos Humanos, na questão da reforma agrária ou da moradia é uma realidade bastante consolidada. Qual é o papel do advogado em relação a um movimento social? Ele permanece como operador do Direito ou se torna um militante? Em que medida pode ser feito um trabalho jurídico, de caráter técnico “com” e não “sobre” os movimentos sociais? 3 McDougall descreve as estratégias que os advogados normalmente utilizam para alcançarem os objetivos próprios dos movimentos sociais: 3 Como exemplo, pode ser citada a RENAP ( Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares). Em sua apresentação: “Ela ( a RENAP) o reconhece como o verdadeiro protagonista da defesa e da proteção dos seus direitos, sua dignidade e cidadania, não trabalhando, assim, para o povo e sim com o povo, sem nenhuma pretensão de vanguarda. Contribui com o empoderamento de suas organizações, movimentos sociais, ONGs, associações, cooperativas, pastorais, entre outras formas de defesa e, ou, reivindicação de direitos. Questiona e impugna a ordem econômica capitalista atualmente sustentada por uma ideologia neoliberal que dá ao chamado “livre” mercado um poder superior ao da lei e ao do Estado, dominando a ordem política e indiferente à ordem social, pelo menos enquanto uma e outra não sejam totalmente privatizadas” em: http://www.renap.org.br/. 11 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 Lawyiers seeking to implement the goals of social movements (“social movement lawyiers”) use litigation, legislation, and administrative advocacy to get discrete legal responses from the judicial, legislative and regulatory branches of government, respectively. They also use moral confrontation techniques, dialogue and networking to influence government policy and public opinion and to coordiante the three branches of government in the process of policy implementation (Mc DOUGALL, 1989, p. 3). Mas quando é possível identificar se esses objetivos são “dos” movimentos sociais? Na relação entre experts jurídicos e militantes, quais são os vários caminhos possíveis para conseguir um objetivo? O objetivo é a juridicização mesma ou o jurídico se torna uma ferramenta dentre as várias possíveis? Quais são os conflitos na relação peculiar entre assessoria jurídica e movimento? O que ocorre quando o militante e o advogado são a mesma pessoa? Este tipo de relação se encontra no centro da pesquisa aqui apresentada. Problematizando a questão do acesso à justiça, Madalena Duarte (2007) analisa as condições prévias de participação dos movimentos sociais na arena do Direito. Na opinião da autora, os novos movimentos sociais tendem a utilizar arena legal como território de luta, a exemplo do caso da luta do movimento feminista pelo direito ao aborto: Através da sua accão colectiva e lutas, os movimentos sociais assumiram-se como sujeitos políticos e também jurídicos, já que recusaram estar confinados a um espaço público marcado pela ausência de ausência de direitos. Combinando formas de protesto mais espontâneas e directas com accões mais institucionais, os novos movimentos sociais privilegiam, cada vez mais, a arena jurídica para delinearem as suas lutas. Essas lutas passam pela protecção de direitos já existentes, pela criação de novos direitos ou mesmo pela mudança de leis que consideram discriminatórias (DUARTE, 2007, p. 9). Por meio dessa luta, o movimento social se apresenta como sujeito coletivo, contribuindo para implementar novas práticas políticas e sociais. Esse posicionamento tem como fundamento a premissa de que os movimentos sociais e os juristas compartilham o mesmo espaço de luta. Mas, nas palavras de Pierre Bourdieu, o espaço tradicional dos juristas, o seu território e horizonte, são o Estado e as ferramentas legais possíveis dentro dos seus limites. O Estado, como se disse muitas vezes é uma fictio juris. É verdade, mas é uma ficçao de juristas […] é uma fabricaçao, uma construçao, uma concepçao, uma invençao. Quero descrever a contribuçao estraordinaria que os juristas deram coletivamente ao trabalho de construçao do Estado, em especial graças a esse recurso constituido pelo capital de palavras (BOURDIEU, 2012, p. 431). 12 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz Essa citação traz algumas questões importantes: se os juristas contribuíram para a construção do Estado - tanto que o Estado pode ser considerado uma fictio juris -, as ferramentas e a visão dos juristas dificilmente ultrapassam os objetivos possíveis dentro do Estado de Direito: reconhecimento, proteção ou implementação dos direitos. Ao mesmo tempo, os juristas possuem um capital próprio: a técnica do discurso jurídico é um “capital de palavras” que garante legitimidade e um habitus próprio do campo jurídico (BOURDIEU, 1989). Os movimentos sociais possuem composição e interesse heterogêneo a partir de ideologias, olhares, estratégias e posições que podem coincidir ou colidir com as posições dos juristas. No caso de alguns grupos, por exemplo, não se trata de pedir um reconhecimento, mas de manifestar inconformidade com a própria democracia representativa. É esse o caso de algumas tendências do movimento anarquista. Levando-se isso em consideração, é interessante verificar em quais casos e com quais objetivos os movimentos recorrem ao jurídico, e se o espaço do Tribunal - com a vitória ou com a derrota, lavrados em uma sentença judicial - é o terreno no qual tal relação se manifesta. Nesse sentido, como apontam Sarat e Scheingold, se, para os advogados, o debate no Tribunal é o terreno privilegiado de luta, o mesmo não é uma verdade absoluta para os movimentos sociais: Causes and movements both invigorate and constrain lawyiers. In associating themselves with a movement, lawyers are likely to find that they are called upon to sign over elements of their independence […] lawyiers are by training and temperament confortable in courtrooms, litigation is for them line of leat resistance […] grass roots organizing and conducting political campaigns to broaden support for a movement's agenda that lawyers are likely to welcome or to feel well equipped to carry out (SARAT; SCHEINGOLD, 2006, p. 2) Ao mesmo tempo, todavia, a lei pode ser uma ferramenta para a construção e para a circulação do discurso dos movimentos: Law provides a simbolically rich medium that social movements use to construct and to circultae meaning both within the movement and in relation with actors ouside the movement […] Since Law is neither static nor fixed in its meaning nor its application , the conceptualization of law becomes contingent in part, on the view of the social movement actors themselves and the power they accord that view (BARCLAY; JONES; MARSHALL, 2011, p. 3) 13 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 Com tais questões, relativas a difícil e fértil relação entre movimentos sociais e profissionais do Direito, resulta relevante a pesquisa desenvolvida a partir das entrevistas realizadas com membros do GT Jurídico da Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegres. Como será visto no item a seguir, o GT Jurídico não foi composto somente - e nem majoritariamente- de advogados. Havia estudantes de Direito que participaram da ocupação. Eles conseguiram, por intermédio do debate político-jurídico, traduzir as demandas da ocupação em dois projetos de lei. Ao mesmo tempo, protegeram a ocupação da ameaça de reintegração de posse imediata. Antes de tal demonstração, todavia, é interessante localizar temporalmente a Ocupação da Câmara dos Vereadores de Porto Alegre no junho de 2013 brasileiro. 4 OS PROTESTOS DE 2013 NO BRASIL O ano de 2013 é um ano peculiar para o ativismo político brasileiro. As manifestações, chamadas popularmente de “jornadas de junho”, fazem referência direta aos protestos massivos e à violenta repressão policial das manifestações em São Paulo. A literatura existente sobre o tema é demasiadamente focada nos protestos daquele ente federativo e do Rio de Janeiro. Como exemplos, podem ser citados os trabalhos de Maria da Gloria Gohn (2014), de Geoffrey Pleyers e Breno Bringel (2015) e uma coletânea de artigos publicados na Revista Cultural Anthropology, reunidos em um dossier chamado “Protest Democracy in Brasil” 4 (DENT e PINHEIRO MACHADO, 2013. São escassos os trabalhos sobre os protestos de 2013 em Porto Alegre e sobre a Ocupação de sua Câmara de Vereadores5 da cidade. Como aponta Maria Da Glória Gohn: As manifestações de junho de 2013 no Brasil fazem parte de uma nova forma de movimento social composta predominantemente por jovens, escolarizados, predominantemente de camadas médias, conectados por e em redes digitais, organizados horizontalmente, críticos das formas tradicionais da política, tais 4 Disponível em: https://culanth.org/fieldsights/426-protesting-democracy-in-brazil. 5 Cabe mencionar o trabalho dedicado à criminalizaçào dos protestos de 2013 em Porto Alegre de R. Almeida da Costa, A. Fleck Soares Brandao, G. Doederlein Schwartz (2015): “As respostas do direito e da política às jornadas de junho: uma análise da judicialização e do processo de criminalização na Cidade de Porto Alegre, Revista Brasileira de Ciencias Criminais IBCCRIM, N°115. Também foi realizado o documentário “Morar na casa do Povo” (SEGARRA, 2015), que relata as experiências e os debates ocorridos durante a Ocupação da Câmara de Vereadores, de grande valia para a realização da presente pesquisa. 14 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz como se apresentam na atualidade- especialmente os partidos e os sindicatos-, eles pregam a autonomia em relação a essa forma antiga (DA GLÓRIA GOHN, 2015, p. 12). O surgimento dos protestos no Brasil e em várias partes de outros continentes, mostraram, com toda a sua força, a “crise da democracia ocidental” (GRAEBER, 2013). As imagens da ocupação da Plaza del Sol em Madrìd em 2011, os protestos do Egito, da Tunísia, a praça Taksim na Turquia e o movimento “Occupy Wall Street” nos EUA são provas da efervescência dos protestos “dos anos 2010”. A explosão de contradições sempre presentes na sociedade brasileira mostraram sintonia com as pautas das revoltas, das ocupações de espaços públicos e do questionamento das políticas de austeridade de governos ao redor do mundo. Assim, seja contra projetos de leis […] seja pela demarcação de terras indígenas ou contra a Copa das Confederações; e mega eventos em geral; seja na luta por moradia e contra despejos; seja na greve de professores, protestos contra o monopólio da mídia, ou revoltas populares nos bairros em resposta ao genocídio da juventude negra e periférica: parecia sempre haver uma parcela de pessoas em rebeldia […] muitas pessoas se inspiraram no fôlego alcançado em junho para levar a luta para outras questões socialmente relevantes […] mostrando que se alguém “acordou” em 2013, foi quem não vive a realidade das periferias brasileiras onde não se pode dormir (FACÇÃO FICTICIA, 2015, p. 10). Dessa maneira, com fundamento no recorte deste artigo e a partir do citado Observatório Novos Movimentos Sociais e Direito no Brasil, realizaram-se trinta entrevistas semiestruturadas de participantes dos protestos na cidade de Porto Alegre. Com elas, foi possível identificar algumas características principais do contexto geográfico-político que diferenciam os protestos porto-alegrenses dos ocorridos no restante do País. São elas: (1) a existência de protestos contra o aumento das passagens de ônibus urbanos anteriores ao junho de 2013; (2) o fato de Porto Alegre ter sido a sede do Fórum Social Mundial por alguns anos, o que gerou experiência no assunto; (3) a criação do Bloco de Luta pelo Transporte Público em janeiro 2013, órgão que reuniu, em uma única assembleia de debate, as várias organizações políticas da cidade. (4) a ocupação da Câmara dos Vereadores como momento fundamental para desenvolver a luta contra o aumento das passagens de ônibus urbanos - e a pauta mais ampla do 15 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 direito à cidade - e fortalecer a organização e o debate entre todas as vertentes do Bloco de Luta. As constatações em tela são narradas a seguir e demonstradas pelas entrevistas mencionadas. 4.1 A Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre Apesar da enorme repercussão nacional e internacional que tiveram os protestos contra o aumento das passagens de ônibus urbanos no Brasil, as imagens e as reportagens midiáticas detiveram-se nos acontecimentos de São Paulo e do Rio de Janeiro. A desatenção com os movimentos de Porto Alegre fica ainda mais cristalina quando se observam as quatro características fundamentais dos protestos porto-alegrenses (vide item 4), e que foram evidenciados nas entrevistas realizadas (item 4.2). A ocupação, pelo Bloco de Lutas, no dia 10 de julho de 2013, da Câmara de Vereadores de Porto Alegre após a rejeição das emendas pela transparência nas contas do transporte público, ocorrida no dia 1° de julho do mesmo ano. A ocupação da Câmara é um momento fundamental dos protestos em Porto Alegre pelas razões que seguem: (1) a importância da ocupação do espaço de decisão política institucional da cidade, desenvolvendo um outro espaço de discussão, de autogestão e de debate. Nesse ponto, estava em absoluta sintonia com as ocupações das praças públicas de Madrìd em 2011, com o Occupy Wall Street e com a praça Taksim, ambos de 2013; (2) a consolidação da pauta do transporte público por meio do acúmulo político, do debate e da criação de dois projetos de Lei sobre transparência nas contas das empresas prestadoras do serviço público de transporte urbano em ônibus; (3) a consolidação da pauta do Passe Livre para segmentos específicos da população; (4) o trabalho do GT Jurídico dentro da Ocupação da Câmara de Vereadores enquanto espaço de relação entre os movimentos sociais e o Direito, resultando nas leis retrorreridos e uma decisão judicial na qual negou a reintegração de posse imediata, permitindo, assim, que o Bloco de Lutas continuasse na ocupação por uma semana a mais sem confronto com as forças policiais. 16 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz No documentário “Morar na casa do povo” (SEGARRA, 2016), as imagens dos dias da ocupação são mostradas na intensidade das reuniões, do debate, da relação com os vereadores e das pautas que se somam e dialogam com a questão do transporte público. O espaço da ocupação, a Câmara dos Vereadores, tornou-se território para articular um mosaico de debates sobre a cidade e a sociedade, tendo como exemplos as seguintes pautas: questão quilombola e o genocídio da população negra, feminismo, autogestão e horizontalidade, partidarismo e direito à cidade. Nessa linha de raciocínio, não se esqueça de que a análise do objeto do presente trabalho resta inserido em um marco de interpretação sociojurídico. Desse modo, pretende observar as dinâmicas e os mecanismos de relação entre o Direito e a Sociedade, assumindo os movimentos sociais partes essenciais dessa conexão. Tal pressuposto exsurge das entrevistas de um modo bastante natural como se verifica no item a seguir. 4.2 O GT Jurídico e sua Atuação na Ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre Como referido alhures, realizaram-se trinta entrevistas semiestruturadas, no âmbito do Observatório dos Novos Movimentos Sociais e o Direito no Brasil, com participantes do Bloco de Luta e dos protestos de 2013 em Porto Alegre. As entrevistas foram gravadas em áudio, e os nomes daqueles que preferiram manter o anonimato foram trocados. Selecionaram-se, para o presente artigo, nove daquelas entrevistas, realizadas que foram com os integrantes do GT Jurídico. Mesmo que um grupo jurídico tenha funcionado em regime de plantão durante os protestos de 2013 para acompanhar as situações de violência policial e para fornecer apoio legal aos presos, a presente análise é realizada com base, e a partir do olhar, na interpretação de quem, naquele ano, participou diretamente da ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre e que, à evidência, estava disposto a ser entrevistado sobre o tema. Nessa esteira, optou-se, para análise das entrevistas, dividir o assunto em três tópicos, listados abaixo e abordados no próximo item: (1) razões para participar da ocupação da Câmara de Vereadores e qual a importância desse evento; 17 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 (2) composição do GT Jurídico e a sua relação com a organização coletiva da ocupação; (3) proteção da ocupação contra o pedido de reintegração de posse e a elaboração dos dois projetos de lei em comento. 4.2.1 Razões para Participar da Ocupação da Câmara de Vereadores e qual a Importância desse Evento Cada um dos participantes da ocupação teve razões pessoais e trajetórias de vida que os levaram a serem ativos no movimento. No caso da criação do GT Jurídico, o diferente perfil dos participantes é um fato: estudantes de Direito, advogados militantes, militantes e ativistas políticos de longa data. Essa diversidade compõe um quadro peculiar em que as trajetórias pessoais e militantes se entrelaçam. O pertencimento ou a proximidade com o SAJU (Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)6, foi um fator decisivo para a ação junto ao GT mencionado. Tudo, de fato, teve como estopim o debate sobre o transporte público: a gente ocupou a câmara em decorrência do debate do transporte público e foi até incrível que foi uma sessão que não tinha nada a ver, não tinha nada sendo discutido em relação ao transporte público e os vereadores ficaram super impressionados, que havia muita gente na casa e gente conhecida da esquerda e eles tentavam argumentar melhor as coisas e colocar melhor seus argumentos e cumprimentar as pessoas que estavam ali e simplesmente do nada a gente pulou a mureta da câmara e ocupamos (JULIO, 2016) Rafaela, em 2013, fazia parte do SAJU e desempenhou, durante a ocupação, papel como participante do GT Jurídico e como membro da Comissão de Comunicação: a gente formou os GT's, que são os grupos de trabalho, e eu fui pro GT Jurídico [...] dentro do GT Jurídico tinha alguns advogados que não tinham essa disponibilidade de ocupar de fato, como a Claudete, por exemplo, e tinha outros que estavam lá dentro e o interesse era, a ideia era, conciliar o que cada um podia fazer. Então, como eu tava lá dentro, eu coletava mais os documentos que a galera precisava, do tipo, pra fazer a nossa peça de defesa a gente vai precisar das pautas e das atas de assembleia, e aí como eu também já tava na comunicação, pra mim era tranquilo. Eu tinha contatos pra conseguir esses documentos, então eu acho que isso foi bem importante. (RAFAELA, 2015) 6 Sobre o SAJU: http://www.ufrgs.br/saju/. 18 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz Rafaela menciona Claudete Simas, advogada popular que participou ativamente no GT Jurídico. Sua ação fortaleceu a ocupação e a pauta do transporte público. Como advogada, não fazia parte integral do Bloco de Lutas, muito embora tenhas sido subscrevente da primeira petição: É que sempre tem uma discussão. Na verdade, assim, eu pessoalmente não integrei o movimento, o bloco de lutas ou algum outro movimento. Na verdade, eu fui, na verdade, eu vim me agregar ao movimento que já existia. (CLAUDETE, 2015). Djeison, estudante de Direito e membro do SAJU (Grupo GAJUP), participou da ocupação, a partir da vivência e por ter percebido a importância do desenvolvimento de uma estratégia processual para impedir a reintegração de posse e proteger a ocupação. Também participou da Comissão de Segurança como “uma proteção da ocupação mesmo, de evitar que ela fosse reintegrada” (DJEISON, 2015). Como se acionou o GT Jurídico? Josué relata como o fato de terem ocupado a Câmara de Vereadores foi uma decisão que desestabilizou a “arrogância dos governantes”. Assim, quando a decisão foi tomada, o jurídico foi convocado “no caso de um eventual ataque das forças repressoras, considerando-se não só as forças policiais como o Judiciário, porque a esquerda brasileira sabe muito bem o que é o poder Judiciário. (JOSUÉ, 2016) O GT Jurídico foi criado antes da ocupação, a partir, também, do SAJU, como forma de acompanhamento dos protestos que, já desde o início do ano de 2013, estavam enfrentando forte repressão policial, com um alto número de detidos durante os atos. Nesse contexto, cabe ressaltar como o GT Jurídico se manteve em diálogo constante com o Bloco de Lutas a fim de criarem, juntos, estratégias de proteção e de defesa política e jurídica: No SAJU, como a gente tinha um grupo transversal estabelecido, era um grupo amplo, composto por muitas pessoas. Foi um grupo que conseguiu estabelecer um método organizativo, que, lembrando, orgulha bastante porque a gente tinha um grupo que era bem plural e heterogêneo e que criou um sistema que conseguíamos acompanhar tudo diuturnamente, não só as próprias manifestações [...] nós acompanhávamos desde primordialmente o que se dava no ambiente e a partir da análise da reflexão política e sociológica e até como, objetivamente, como ia se dar nosso comportamento e nosso planejamento durante as manifestações, como ia se dar depois o embate e o trabalho técnico e jurídico e político dentro da institucionalidade e dentro de uma lógica em que a 19 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 gente tinha um diálogo estabelecido de maneira muito estreita e muito consistente com todas as organizações que compunham o bloco. O levante se tornou algo além do bloco e até com o diálogo necessário com partidos políticos (RÉGIS, 2016). Na mesma linha, Leonardo identifica uma “quebra de paradigmas” políticos com a ocupação da Câmara. Foi um rompimento da rotina no cenário político de Porto Alegre. A prática de ocupação via Câmara de Vereadores constituiu-se em uma maneira de “tensionar as instituições democráticas. O próprio conceito de democracia” (LEONARDO, 2015) apresentou-se como uma “novidade do ponto de vista politico-radical” (ERNANI, 2016). Régis complementa, inserindo Porto Alegre e a ocupação da Câmara de Vereadores no cenário político nacional e, inclusive, latino-americano, destacando, em primeiro lugar, como “essa ocupação organizou e elevou a um nível superior a organização da esquerda”, e, em segundo, como a ocupação sinalizou a possibilidade de trabalhar-se não somente na institucionalidade, mas também a partir das ruas. Tratava-se de: “um movimento popular de rua que se valia da institucionalidade para conquistar o que fosse preciso, mas que não era um movimento institucional. Apesar de não estar colocando isso bem, eu acho que é o principal selo dessa organização” (RÉGIS, 2016). No próximo item, relata-a composição do GT Jurídico e sua relação com a assembleia de ocupação, tentando-se evidenciar a complexidade e a riqueza desse diálogo. 4.2.2 A Composição do GT Jurídico e sua Relação com a Organização Coletiva da Ocupação Todos os nove entrevistados relataram como o GT Jurídico se constitui em um grupo aberto e, portanto, sem um número definido de pessoas. Elas compunham o GT, transitando, também, em outras comissões da ocupação. Rafaela descreve o amadurecimento da relação entre o GT e a assembleia. O maior resultado foi a elaboração dos dois projetos de Lei citados. A respeito, o GT recebia as propostas criadas no debate político gerado na assembleia de ocupação como ideia de “suporte” ao movimento político: 20 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz É, então o GT Jurídico, de uma forma ou outra, ele também estava dentro dessa comissão que redigiu o projeto até pelas questões legais ou pelas questões formais que às vezes a galera apresentava. Algumas ideias em assembleia que juridicamente não são viáveis, pela via da luta teria como conquistar, mas juridicamente não, digamos assim. Por dentro do sistema, então, a gente dava essa orientação. Acho que teve então esse papel do GT Jurídico de dar um suporte na construção dos projetos de lei e teve um outro papel mais para frente de defender juridicamente a ocupação pra que não tivesse um desfecho trágico que todo mundo sabia que ia ter e a decisão que suspendeu a reintegração foi inédita assim[...] uma coisa também que foi bem pontuada na época é que o GT Jurídico era só um suporte e a gente não foi o jurídico que conquistou essa decisão. Isso foi conquistado pela luta mesmo (RAFAELA, 2015). Nesse comentário, o GT parece ter um papel de suporte formal para as decisões elaboradas na assembleia e, ao mesmo tempo, claramente, o GT somente labora naquilo que considerava viável dentro do campo jurídico, dando uma roupagem legal ao que era pautado politicamente pela assembleia. Evidentemente, nesse processo de formalização da pauta, algumas reivindicações são descartadas ou reelaboradas. De outro lado, a respeito da importância do GT Jurídico e de suas relações com os outros participantes, Tiago aponta como integravam o GT Jurídico pessoas que são “militantes com muita bagagem”, e tal fato, tendo em vista que nenhum deles tinha ocupado um órgão legislativo antes, “facilitou para quebrar um pouco essa resistência” (TIAGO, 2016). Claudete, como advogada, reforça essa ideia: o papel de apoio do GT Jurídico a uma mobilização de que é parte. Um trabalhar “com” e um trabalhar “para”, sem divisão de competências e dentro de um projeto de elaboração coletiva focado, todavia, no papel “legalista”, algo próprio do GT: Mas aí, no momento, a gente tinha que também que ter um viés legalista para que não... saísse perdendo no primeiro momento. Na verdade, o pessoal tava muito organizado, né, muito organizado politicamente, juridicamente, pessoal tava muito bem organizado, na verdade, quando ingressei participava dum grupo que já estava politicamente estruturado, né? [...] o grupo jurídico se entendia como parte da ocupação [...] É, é que na verdade não existe essa diferenciação entre o político, o jurídico e o social. O jurídico não faz milaare, não resolve sozinho. Se o político não tiver articulado e se o social comunitário na verdade, não existe essa divisão, na verdade, tem que trabalhar em conjunto, senão trabalhar em conjunto... não funciona. Na verdade, foi a questão propositiva que foram feitos e apresentados projetos de leis, hã... ainda que em curto espaço de tempo e ainda cum, como dizer, não tecnicamente adequados mas que foram propostos e construídos não só pelo pessoal jurídico, mas construído pelo 21 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 coletivo. Não existia divisão: olha, agora advogados sentam e vão fazer [...] Na verdade, é um trabalhar um com e trabalhar para (CLAUDETE, 2015). Concomitantemente, Claudete reconhece um momento de dificuldade quando o pedido de conciliação – formulado na reintegração de posse - foi assinado em nome do DCE (Diretório Central de Estudantes) ao invés do Bloco de Lutas. Ela aponta como esse fato não se constituiu em uma questão política entre quem era favorável ou contra uma audiência de conciliação ou uma questão de representatividade/legitimidade. Era uma questão puramente técnica. Sobre essa questão, Djeison (2015) lembra como o fato narrado anteriormente causou problema em um indiciamento posterior à desocupação da Câmara. Tratava-se de um processo administrativo da própria Câmara de Vereadores. Foram indiciadas várias entidades que tinham cedido o próprio nome para a assinatura das peças judiciais do setor acadêmico da Faculdade de Direito ou em nome do SAJ.U. Não houve consequências. Ernani, nessa esteira, relata como tais entidades assinaram as peças, apoiando a ocupação: O grupo jurídico floresce depois do despacho do primeiro grau que deu a liminar de reintegração de posse. Então é o momento em que o judiciário falou, né, "Olha, desocupem", né, que surgiu essa necessidade de a gente dar uma resposta, né, processual, e aí se começou essa discussão [...] nós chamamos todas as entidades da cidade, que a gente tinha entre contatos, sindicatos, associações pra que fizesse parte do polo passivo, ou seja, que fossem, que fossem entidades que estivessem... né, no polo passivo, de uma resposta processual, e acho que, na época, teve... acho que dezesseis ou dezessete sindicatos e associações, né, por exemplo, o [DCE] da PUC, o [DCE] da UFRGS, o sindicato dos... dos bancários, o SEPERGS, o sindicato... [SindsPreze] que eu lembre agora, o EAB, que é um Instituto Brasileiro de Arquitetos, então uma série de entidade que... que entenderam a ocupação da Câmara como importante e quiseram, de fato, colocar o nome da sua entidade [...] eu acho que a partir disso se percebeu que a ocupação da Câmara não era só, e somente só um ato... isolado, mas que também, mas que era um ato que tinha... que contava com o apoio de muitas organizações, tradicionais (ERNANI, 2016). A relação entre o jurídico e a organização da assembleia e a questão da defesa técnica/discussão política, isto é, a relação entre processo de decisão política e a defesa jurídica, não é considerada exclusivamente como defesa técnica. Foi abordada na mesma linha do “trabalhar com e trabalhar para” os movimentos sociais que Claudete (2015) destacou anteriormente. Recorde-se de que o GT Jurídico (TIAGO 2016) era também composto por militantes. Nesse sentido, o GT teve o cuidado da construção de uma defesa 22 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz que não fosse meramente técnica e que não ficasse “acima de uma do Foro que de fato era o Foro livre, que a gente entendia como mais democrático que era o pleno, plenário da ocupação”(ERNANI, 2016). O GT Jurídico teve a possibilidade de lograr uma boa relação com a organização coletiva da ocupação, principalmente por ter conseguido, desde o início, barrar a reintegração de posse e, depois, elaborar os dois projetos de lei. Assim, “o jurídico fez o papel dele, que foi ajudar a formular aquilo legalmente no trâmite e fez isso tudo junto com os movimentos sociais presentes” (JULIO, 2016). Percebe-se que a construção de sentido de um GT Jurídico em constante conexão com a assembleia constituiu uma das grandes características da ocupação. Regis, a respeito, critica uma visão meramente técnica ou “cosmética” do GT, evidenciando sua função de diálogo com a assembleia, que, para ele, é um papel de um GT fundado no caráter politico dos movimentos na assembleia como o “coração da ocupação”: O trabalho jurídico, ao contrário de uma ideia equivocada que se tem, ele não é um trabalho cosmético, tipo desvinculado da esfera decisória política. Muitíssimo pelo contrário. Ele é fundado no caráter político dos movimentos. Então, a gente precisava não só ter a ciência, mas protagonizar essa construção e dentro dessa necessidade se formou, e não só dentro dessa necessidade, mas da necessidade de diálogo da própria ocupação com o poder constituído, o poder público, que no caso era a direção da Câmara de vereadores, se formou uma comissão de diálogo e negociação, que era formada por quatro pessoas, sendo que uma dessas quatro pessoas era necessariamente quem compusesse a comissão jurídica e dentro dessa decisão se considerou importante que fosse do SAJU, por causa da representatividade, caráter simbólico (RÉGIS, 2016). Régis (2016) acrescenta que a colaboração entre o GT Jurídico e o movimento também sofreu da desconfiança entre grupos, característica de movimentos de composição politicamente heterogênea. Isso teria afetado o trabalho dentro da ocupação, que não foi determinante para o insucesso graças a um intenso labor de diálogo com as várias tendências ali representadas. Esse frágil equilíbrio entre a arena jurídica e o campo político, cada um com a sua linguagem, suas ferramentas e suas características próprias, consiste no centro da questão. Nas palavras de Leonardo, foi um trabalho que deu certo: “Dosar esse equilíbrio me parece que foi o desafio mais macro e que foi muito bem realizado” (LEONARDO, 2015). 23 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 Com base nas entrevistas realizadas, algumas considerações podem ser retiradas a respeito da composição do GT Jurídico e de sua relação com as diferentes representações presentes na ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre no ano de 2013: (1) o GT Jurídico era um grupo composto principalmente de estudantes e de profissionais do Direito, não se esgotando, todavia, em tais atores; (2) o SAJU desempenhou papel fundamental na organização do GT Jurídico; (3) os profissionais do Direito tinham uma ideia de um trabalho militante “com e para” os movimentos sociais. Desse modo, seu trabalho não se subsumia à tecnicidade jurídica e agregava, enquanto apoio e defesa da ocupação, um necessário diálogo com as decisões da assembleia; (4) a denegação da imediata reintegração de posse aproximou o sentido do uso do Direito como ferramenta para alcançar os objetivos da ocupação; (5) as dificuldades de diálogo entre os que possuem conhecimento jurídico e aqueles que não o dominam restaram evidentes; (6) as desconfianças oriundas de conflitos endêmicos no interior dos movimentos sociais e pela limitação genético-legalista do GT Jurídico também se fizeram presentes; (7) as diferenças entre o Direito e a Política são percebidas de maneira diferenciada pelos entrevistados. Quem mais a percebe é aquele inserido no debate político e/ou desempenha mais de um papel na seara jurídica. No próximo item, com mais detalhes, verificar-se-á o papel do GT Jurídico no deferimento da reintegração de posse e na elaboração dos dois projetos de lei protocolados antes de desocupação da Cãmara de Vereadores de Porto Alegre. 4.2.3 A Proteção da Ocupação contra o Pedido de Reintegração de Posse e Elaboração dos Dois Projetos de Lei em Comento As entrevistas aqui mencionadas citam, com frequência, dois principais eventos: (a) o impedimento jurídico da reintegração de posse imediata com uma decisão judicial favorável à ocupação, e (b) a elaboração e o protocolo de dois projetos de lei sobre o transporte público urbano na cidade de Porto Alegre como condição mínima estabelecida, 24 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz pelos ocupantes, durante a audiência de conciliação, para a desocupação da Câmara de Vereadores. Claudete trabalhou como advogada no GT Jurídico nos dois assuntos. Em relação à primeira, refere ter sido uma grande vitória a denegação da reintegratória de posse. Diz ter sido algo normalmente impensável. Uma decisão histórica imersa em um momento de criminalização dos movimentos sociais. Tornou-se fundamental porque considerou legítima a ocupação da Câmara, e ninguém foi dela retirado com violência: O plantão, na verdade, não acolheu o nosso pedido de conciliação, mas quando foi encaminhado pro juiz titular da vara, que era a Drª Cristina, ela já tinha um viés de conciliação. Primeiro, vamos ouvir, para depois...Dar algum encaminhamento, e isso fez muita diferença [...] isso partiu também da aceitação do juiz, magistrado que recebeu a petição. Que a gente fez agravo, fez recurso, mas ela tinha esse viés, tanto que eu nunca vi, na minha história, fiquei em uma audiência tão longa que foi, que nós ficamos em 5, 6 horas em audiência demonstrando, na verdade, a disposição... na, na ocasião do Ministério Público presente e da magistrada presente, em conciliar [...] ela se preocupava, na verdade, em ouvir as partes e tentar chegar a uma conciliação entre ambos, que foi o que acabou acontecendo depois […]Essa foi a primeira vez, na verdade, que teve uma ocupação na câmara de Vereadores aqui, e que o desfecho dessa desocupação não foi com o uso da violência. Foi a primeira vez que nós tivemos isso e que o desfecho não foi a retirada a força, foi o reconhecimento da legitimidade […] ela reconheceu como legitimo aquele espaço (CLAUDETE, 2015). A decisão foi surpreendente. A ocupação serviu, então, para fortalecer as relações entre os participantes “tinha muita gente ali, muita gente diferente, de vias políticas, de histórias de vida, de condição social e bom aquilo funcionou” (TIAGO, 2016). A relação entre o político e jurídico mostrou a sua potencialidade e os seus limites: Cada GT dava informações para a coletividade e recebia informações e encaminhamentos da coletividade. Cada GT tinha uma autonomia técnica na sua área. Ninguém ia dizer como o GT de comunicação ia fazer flyer. Ninguém ia dizer como o GT Jurídico ia fazer petição . Mas a decisão que indicava o que fazer, cada Gt recebia da coletividade assim como, por exemplo, a legislação sobre o passe livre […] acho que o jurídico fez o que podia. Acho que a coletividade do jurídico podia trabalhar melhor [...] A assembleia decidiu sobre fazer passe livre, ou seja, decidiu sobre o tema. Quem ia fazer e como justificar isso não foi decidido. O político pede e o jurídico faz. O politico pode pedir qualquer coisa e o jurídico vai lidar com os limites do modo e da forma, como fazer aquela coisa que o politico pede […] Isso deu conflito porque o politico pode decidir que quer o passe livre enquanto o jurídico vai olhar para administrativo e considerar impossível. O jurídico faz a peça e tenta conseguir isso [...] os problema que deu é que nem todo mundo sabe fazer um projeto de lei. O jurídico vai fazer o que é viável porque o jurídico é limitado (JOSUÉ, 2016). 25 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 A audiência de conciliação foi decisiva porque, em primeiro lugar, impediu a reintegração de posse imediata seguida de eventual desocupação por parte das forças policiais. Em segundo, tornou possível para o Bloco de Lutas colocar como condição da desocupação o protocolo dos dois projetos de Lei elaborados pelo GT Jurídico com base na discussão da pauta reivindicatória da assembleia: Na verdade o que acontece, quando, quando a gente, então entra nessa briga jurídica a ideia era que a gente conseguisse retardar o processo de reintegração de posse para que... a partir disso forçasse uma negociação pra que os projetos de lei fossem... fossem protocolados, né, então eu acabei focando menos nos projetos de lei que ele, eram discutidos em plenário e fiquei mais focado no... na... percepção de retardar a reintegração. Então... enfim, a gente virou varias noites, né, construindo as peças e fazendo negociação... com o judiciário, com até mesmo com a polícia, para que existisse o tempo hábil de elaborar e escrever o Projeto de Lei. Eu acho que sim, de uma certa forma assim, né, porque através desse movimento que se forçou uma audiência de negociação, né e aí, nessa audiência que se... acordou a saída, da, da Câmara de Vereadores, como protocolo dos projetos, que foram discutidos naquele final de semana (ERNANI, 2016). Pode-se afirmar, assim, que o GT Jurídico atuou em duas grandes frentes: (a) na proteção da ocupação contra a reintegração de posse e (b) na elaboração conjunta dos dois protocolados projetos de lei. O GT Jurídico assumiu, assim, um papel complexo e múltiplo: atuar tecnicamente no que se referia à manutenção da ocupação, à neutralização de qualquer pedido de reintegração de posse por parte da direção da Câmara, à neutralização das eventuais violências, às repressões por parte do poder estatal e a qualquer criminalização; de outro lado, também era sua a tarefa da construção, junto à comissão do Bloco - a comissão mais política e que conduzia a ocupação -, da construção dos objetivos políticos da ocupação, incluídos aí os dois projetos de lei. Um momento decisivo e tenso foi a visita dos Oficiais de Justiça dentro da ocupação, com o intuito de abordarem a reintegração de posse. Um momento que gerou tensões no seio do Bloco porque nem todos eram favoráveis a deixar os Oficiais ingressarem. Foi um exemplo de atrito, sem ruptura, entre os movimentos sociais e o GT Jurídico , solucionado em tempo de a visita acontecer “algumas organizações não queriam que isso acontecesse porque consideraram que era dar inspeção ao judiciário da ocupação, o que era um equívoco... e daí tivemos um trabalho duro de convencimento e aconteceu a 26 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz visita, e essa visita foi o decisivo porque foi o relato desses Oficiais de Justiça que possibilitou com que a gente derrubasse a reintegração de posse” (RÉGIS 2016). No debate para a elaboração dos dois projetos de Lei, como relatam vários entrevistados, houve um interessante debate político sobre o que significava transporte público, estatização ou municipalização do transporte. Também foi abordada a questão da transparência das contas das empresas envolvidas no transporte urbano. Daí se originou o primeiro projeto; o segundo, por seu turno, propunha o passe livre nos transportes públicos urbanos municipais para alguns segmentos da população: estudantes, quilombolas, indígenas, idosos e desempregados 7. Rafaela recorda que o legitimado para a propositura de projetos com tais objetos é o Prefeito, visto que a demanda toca em questões orçamentárias e, também, que houve várias polêmicas sobre a iniciativa popular e a eventual participação de partidos nesse trâmite: Não adiantaria sequer um projeto de lei de iniciativa popular sobre esse assunto. A gente não poderia fazer nada, só ele poderia propor, então... só que isso a gente só veio, ou a assembleia, ou os militantes , só vieram a saber depois dessa questão jurídica e aí alguns sequer compreenderam. Mas o fato é que a gente redigiu esse projeto que era o projeto do Passe Livre e o máximo que a gente pôde fazer com ele foi encaminhar. Acho até que foi pela via do judiciário, na audiência que teve esse projeto, foi encaminhado para o prefeito da cidade. Se ele tivesse interesse ele poderia propor ao legislativo. No caso, ele nunca teve interesse. Isso ficou na gaveta dele, ou ele sei lá...queimou na lareira, não sei. O outro era um projeto de lei em...Passe Livre e...acho que o outro era relativo à transparência das contas públicas, das, das empresas. E aí a gente redigiu, e também teve uma outra polêmica pra propor na Câmara, porque um projeto de lei iniciativa popular tem que ter um quórum senão me engano é de 5% […] A gente chegou a coletar essas assinaturas e nessa parte, isso aconteceu bem depois da Câmara, já tava meio decepcionada com o Bloco e eu não participei disso, mas a gente começou a coletar assinaturas e depois que elas foram, começaram a ser coletadas, as pessoas começaram a criticar muito esse projeto que eu acredito que não era mais o mesmo projeto ou projeto originário que saiu lá da Câmara, eu acho que ele foi modificado [...] E eu acho que a parte mais polêmica é que ele estabelecia um prazo de dez anos pra encampação do transporte pra ele ser integralmente público, não mais por meio de concessão […] Mas eu acho também que na época que a gente tava lá, chegou a se cogitar que alguns partidos políticos, como a gente não tinha as assinaturas pra a gente falar ele de...iniciativa popular, alguns partidos políticos iriam propor. (RAFAELA, 2015) 7 Na mídia: http://www.sul21.com.br/jornal/manifestantes-finalizam-redacao-de-projetos-de-lei-na-ocupacao-dacamara-de-porto-alegre/. 27 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 Apesar da elaboração e da construção coletiva dos projetos, o fato é que eles ficaram engavetados. Como verificar o sucesso e o fracasso da ocupação então? É suficiente que os projetos não tenham seguido seu rito para dizer que a repercussão da ocupação foi pífia? A hipótese deste artigo é a de que a ocupação do espaço político tradicional (a Câmara de Vereadores) para o desenvolvimento de assembleias e de plenárias entre todos os participantes, para sua organização em comissões e para o trabalho do GT Jurídico, é prova de seu sucesso. Veja-se: houve o indeferimento da reintegração de posse e a elaboração de projetos de interesse do bem comum e, em alguma medida, o desenrolar da ocupação da Câmara de Vereadores por oito dias rompeu com o tradicional cenário da disputa política local, como declarou o Bloco de Luta em uma nota publica: Na véspera da greve geral do dia 11 de julho, ocupamos a Câmara de Vereadores e elaboramos projetos de lei que buscam garantir a transparência nas contas do transporte público e o passe-livre para estudantes, trabalhadores desempregados, indígenas e quilombolas, sem aumento da tarifa para os demais usuários. Durante a ocupação, também demonstramos na prática que outro tipo de organização social, autogestionária e sem relações de exploração, é viável e desejável, e contamos com a solidariedade de sindicatos e indivíduos. Porém, até hoje, o projeto de abertura de contas não foi votado, em descumprimento, pelos vereadores, do acordo judicial firmado para a desocupação, e tampouco o projeto de passe livre foi enviado à Câmara pelo prefeito.Sabemos que a memória da ocupação e a existência destes projetos, bem como o fato de que os estudantes e trabalhadores sabem, a cada vez que andam de ônibus, que a redução da tarifa se deu pela mobilização popular, contra a vontade do prefeito e dos empresários, causam profundo desconforto no empresariado e nos governos, já que materializam uma ameaça ao seu arranjo de poder. Tudo isso tornou o Bloco de Luta uma força política real e temida por aqueles beneficiados pelo atual arranjo econômico e social, no Estado e no empresariado (BLOCO DE LUTA, s.d.). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre em julho de 2013 pode ser considerada um dos marcos dos protestos daquele ano na cidade. A ocupação de um espaço normalmente dedicado às formas de política tradicional de administração com o desenvolvimento de debates horizontais e de autogestão desse mesmo espaço confere a Porto Alegre de 2013 características parecidas com as grandes ocupações dos espaços públicos na Espanha de 2011, na Turquia de 2011 e nos EUA de 2013. 28 Fiammetta Bonfigli e Germano Schwartz Reforce-se, contudo, que os movimentos presentes nas ruas brasileiras em 2013 podem - e devem - ser lidos também a partir de uma perspectiva latino-americana, recordando-se a crise geral dos governos progressistas na região. Nesse sentido, são os protestos de 2001 e 2002 na Argentina, o movimento estudantil do Chile e a crise do modelo progressista e (neo)desenvolvimentista dos governos Lula e Dilma no Brasil. Os protestos não necessariamente se enquadram em uma pauta identitária, estudantil, trabalhista, indígena, feminista, entre outras. Juntam, entretanto, nas mesmas ruas e nos mesmos espaços, reivindicações históricas e uma indignação que, desde vários pontos, estava em ebulição na sociedade brasileira. Nesse contexto, o Direito e os juristas que acompanharam os protestos -a ocupação da Câmara de Vereadores em particular-, tiveram um papel fundamental: proteger a ocupação, e, com ela, o desenvolvimento de uma “outra forma de fazer política” por meio do indeferimento da reintegração de posse. Também auxiliaram sobremaneira a traduzir as pautas políticas da ocupação em dois projetos de lei: passe livre e transparência das contas das empresas envolvidas no transporte urbano público municipal. Não se olvide de que, como abordado neste trabalho, o campo jurídico possui limitações na sua relação com os movimentos políticos: o limite do Estado como horizonte da vitória ou da falência da ação política. Lembre-se de que os juristas são atores fundamentais da construção do Estado e da sua ação. Desse modo, a crítica política, pautada no campo do Direito, enfrenta, necessariamente, essa contradição. Nessa linha de raciocínio, a pauta política, traduzida em texto normativo, possui uma linguagem específica e própria dos juristas, criando uma barreira invisível - mas palpável entre quem é “profissional” da Lei e quem não domina as mesmas técnicas discursivas. Por fim, podem os juristas e os advogados pautar juridicamente o âmbito político? A conclusão deste artigo é positiva. O Direito é um ator fundamental nos avanços dos movimentos sociais; ao mesmo tempo, referida relação possui contradições e limitações que ainda não foram resolvidas e que precisam ser estudadas, debatidas e aprofundadas a fim de que se possam realizar movimentos políticos que sejam “com” e “além” do Direito, e, na mesma esteira, juristas que possam trabalhar “com” e “para” os movimentos sociais. 29 Revista Brasileira de Sociologia do Direito, v. 7, n. 2, maio/ago. 2020 ■■■ REFERÊNCIAS ABREU, Mateus Barbosa Gomes. Direito à Democracia: uma releitura a partir dos movimentos de protesto de 2011. Redes- Revista Eletrônica Direito e Sociedade, v. 1 , n. 1, p. 103-120, nov. 2013. ALMEIDA DA COSTA, Renata; FLECK SOARES BRANDÃO, Alexandre; DOEDERLEIN SCHWARTZ, Germano. As respostas do direito e da política às jornadas de junho: uma análise da judicialização e do processo de criminalização na Cidade de Porto Alegre. Revista Brasileira de Ciências Criminais IBCCRIM, n. 115, p.187-202, 2015. 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