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ASSALTANDO A POBREZA: POLÍTICA E DOUTRINA ECONÔMICA NA HISTÓRIA DO BANCO MUNDIAL (1944-2014)

ASSAULTING POVERTY: POLITICS AND ECONOMIC DOCTRINE IN THE HISTORY OF THE WORLD BANK (1944 - 2014)

Resumo

O artigo discute como o Banco Mundial vinculou o debate e as práticas de desenvolvimento econômico à ideia de pobreza. Para isso, analisa a história da instituição levando em consideração a economia política internacional em que operou e sua interface com o pensamento econômico. Nele, explica-se quando e como surgiu a política de "assalto à pobreza extrema", que instrumentos o Banco Mundial utilizou para levá-la adiante, que argumentos lhe deram sustentação e que limites enfrentou nos anos 1970. Argumenta-se que essa política foi retomada e adaptada no final dos anos 1980, no bojo dos programas de ajuste estrutural, culminando na consolidação de um novo modelo de política social ao longo dos anos 1990, sintonizado com a liberalização econômica e baseado na quantificação da pobreza e na prestação de mínimos sociais. Depois do 11 de setembro de 2001, o Banco Mundial combinou liberalização econômica e combate à pobreza com a guerra contra o terrorismo e a construção e reconstrução de Estados.

Palavras-chave:
Banco Mundial; liberalismo econômico; redução da pobreza

Abstract

The article discusses how the World Bank linked the debate and practices of economic development to the idea of poverty. For this, analyzes the history of the institution taking into account the international political economy in which operated and its interface with the economic thinking. Besides, it explains when and how emerged the "assault on extreme poverty" policy, which instruments the Bank used to take it forward, which arguments that gave him support and which limits it faced in the 1970s. It's argued that this policy was resumed and adapted in the late 1980s in the wake of structural adjustment programs, culminating in the consolidation of a new social policy model over the years 1990, attuned to economic liberalization and based on the measurement of poverty and provision of social minimum. After the September 11, 2001, the World Bank has combined economic liberalization and combating poverty to the war on terrorism and the construction and reconstruction of states.

Keywords:
World Bank; economic liberalism; poverty reduction

Todas las teorías son legítimas y ninguna tiene importancia.

Lo que importa es lo que se hace con ellas.

Jorge Luis Borges

"Nosso sonho é um mundo livre da pobreza." A mensagem estampada no saguão de entrada da imponente sede do Banco Mundial em Washington, DC, indica a importância do tema "pobreza" no vocabulário e nas práticas da entidade. Nem sempre foi assim. O presente artigo discute por que e como a instituição - que completou 70 anos em 2014 - vinculou o debate e as práticas de desenvolvimento econômico à ideia de pobreza. Para isso, analisa a história do banco considerando a economia política internacional em que operou e sua interface com o pensamento econômico. O banco é abordado como um ator político, intelectual e financeiro, ancorado na condição singular de emprestador, articulador de políticas e indutor de ideias e prescrições em matéria de desenvolvimento capitalista, em clave anglo-saxônica.

O texto está organizado em cinco seções. A primeira discute a trajetória da entidade entre 1944 e 1960, e destaca os principais fatores que modelaram seu perfil operacional, como a dependência em relação ao mercado financeiro americano e as convenções econômicas a respeito do desenvolvimento. A segunda abrange o período de 1960 a 1968 e analisa os fatores que levaram à criação da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID) - a agência do banco voltada para os países mais pobres - e as mudanças em sua política de crédito, como dar peso maior à agricultura e passar a oferecer empréstimos para fins "sociais" (até então considerados não financiáveis). A terceira seção aborda a gestão McNamara (1968-1981) e a forma pela qual a "luta contra a pobreza" foi construída institucional e politicamente. Discutem-se as razões, os instrumentos e as implicações desse processo, com ênfase na gênese de uma espécie de ciência da pobreza, baseada na quantificação e na singularização do fenômeno. A quarta seção analisa as razões do esvaziamento e do retorno posterior do "combate à pobreza" na agenda do banco durante os anos 1980 e 1990, levando em conta a questão da governabilidade dos programas de ajustamento estrutural. Argumenta-se que o Banco Mundial assumiu uma posição de liderança política e intelectual não apenas do ajuste macroeconômico, mas também da neoliberalização das políticas sociais, prescrevendo aos Estados clientes programas de alívio focalizado da pobreza como instrumentos preferenciais de política pública. Evidencia-se como marca principal da agenda do banco na década de 1990 a reiterada confiança no "efeito derrame" e uma concepção de política social baseada na singularização conceitual da pobreza e na prestação de mínimos sociais. Por fim, a quinta seção discute a atuação do banco após os atentados de 11 de setembro de 2001, com destaque para a progressiva securitização de sua agenda de desenvolvimento e a diversificação dos instrumentos de combate à pobreza apregoados pela entidade, em sintonia com a liberalização econômica e a reforma dos Estados nacionais.

De Bretton Woods a 1960

Em julho de 1944, em meio à guerra, o governo Roosevelt patrocinou a realização da conferência de Bretton Woods, cujo resultado materializou a hegemonia americana na reorganização do capitalismo internacional pós-1945. Criaram-se instituições financeiras multilaterais de novo tipo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), cuja estrutura de funcionamento expressava e reproduzia a desigualdade de poder configurada no sistema internacional.1 1 KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005; PANITCH, Leo e GINDIN, Sam. The making of global capitalism: the political economy of American Empire. Londres: Verso, 2013. Àquela altura, Estados Unidos e União Soviética eram aliados.

Com o anúncio da doutrina Truman em março de 1947, a guerra fria começou. Para Washington, tornou-se prioridade de segurança nacional disseminar instituições americanas no exterior, administrar politicamente o mundo não comunista e conter o comunismo dentro de suas próprias fronteiras. O principal instrumento utilizado foi a ajuda econômica bilateral direcionada a aliados estratégicos, e a maior ação da época foi o Plano Marshall.2 2 BANDEIRA, Luiz A. M. Formação do império americano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006; FONTANA, Josep. Por el bien del imperio: una historia del mundo desde 1945. Barcelona: Pasado & Presente, 2011. Na esteira dessa iniciativa, os Estados Unidos criaram uma ampla infraestrutura institucional de assistência externa financeira, militar, técnica e científica.3 3 Cf. LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007; KRIGE, John. American Hegemony and the Postwar Reconstruction of Science in Europe. Cambridge/Londres: MIT Press, 2006; ROBIN, Ron. The making of the cold war enemy: culture and politics in the military-intellectual complex. Princeton: Princeton University Press, 2001.

Paralelamente, Washington buscou instrumentalizar as instituições de Bretton Woods. Forjado como parte da infraestrutura de poder global dos Estados Unidos erguida no pós-guerra, o Bird - logo chamado de Banco Mundial - ficou ensombrecido diante da magnitude financeira do Plano Marshall, razão pela qual a instituição acabou tendo papel menor na reconstrução. Essa contingência forçou a entidade a se inclinar cada vez mais para a promoção do desenvolvimento do chamado Terceiro Mundo, algo inteiramente novo para o saber econômico e a política internacional na época.4 4 Cf. ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Bogotá: Editorial Norma, 1996; RIST, Gilbert. El desarrollo: historia de una creencia occidental. Madri: Catarata, 2002.

O banco concedia empréstimos a programas e, sobretudo, projetos. No primeiro caso, as operações tinham o objetivo de financiar importações ou aliviar desequilíbrios no balanço de pagamentos e eram autorizadas em circunstâncias especiais para clientes considerados mais solventes e politicamente estratégicos para os Estados Unidos, como os países europeus. No segundo caso, as operações se destinavam ao financiamento de projetos produtivos específicos, autorizados para clientes considerados menos solventes, como países de renda média.5 5 Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 129; KIRK, Jason. India and the World Bank. Londres: Anthem, 2010, p. 7; KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005, p. 21.

O financiamento a projetos "produtivos", definidos de forma bastante restrita, era na prática uma exigência dos banqueiros americanos, simbolizados por Wall Street.6 6 Cf. MASON, Edward e ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 24; KOLKO, Gabriel. The politics of war: the world and United States foreign policy, 1943-45. 2nd edition. Nova York: Pantheon, 1990, p. 257. Dependente do mercado de capitais dos Estados Unidos para se viabilizar financeiramente, o banco tinha de atrair investidores interessados na compra de seus títulos, e a forma considerada mais adequada de fazer isso era adotar uma política de crédito pautada em projetos de fácil seguimento. Segundo essa visão, investimentos em infraestrutura podiam demonstrar para onde ia e como era empregado o dinheiro, o que, por sua vez, era usado como elemento de propaganda junto a investidores privados.

Desse modo, de 1947 até 1962, o Bird financiou para fins de desenvolvimento projetos voltados para a construção de grandes barragens e usinas termoelétricas, vias de transporte, telecomunicações e, minoritariamente, compra de máquinas agrícolas e irrigação para exportação. Nesse período, o Bird não autorizou nenhum empréstimo para a área "social", como saúde, fornecimento de água potável, habitação e educação.7 7 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 119. Os projetos elegíveis para financiamento tinham de ser lucrativos e efetuar os gastos predominantemente em dólar. Naquele tempo, projetos para fins "sociais" não atendiam a tais exigências.8 8 ALACEVICH, Michele. The political economy of the world bank: the early uears. Palo Alto/Washington, DC: Stanford University Press/The World Bank, 2009, p. 129-136.

Com esse perfil, o Bird se diferenciou das agências americanas de ajuda econômica bilateral - vinculadas ao Programa Ponto IV9 9 Lançado por Truman em 1949, o Ponto IV tinha como objetivo prestar assistência técnica e financeira a países considerados subdesenvolvidos em diversas áreas da atividade econômica, político-administrativa, educacional, cultural e científica, com vista a aumentar o crescimento econômico, elevar os padrões de vida da população e massificar a ideologia do "mundo livre". Enfatizando a ligação entre os interesses de segurança dos Estados Unidos e o desenvolvimento do Terceiro Mundo, o programa marcou o começo de gastos mais substanciais no campo da ajuda externa a países não europeus. Cf. BUTTERFIELD, Samuel. U.S. Development aid - an historic first. Westport: Praeger, 2004; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. A vinculação entre o Banco e o Ponto IV pode ser constatada em BIRD. Fourth Annual Report. Washington, DC, 1949, p. 7. - e de outras organizações multilaterais (como a Unesco e a OMS), para as quais educação e saúde eram setores estratégicos. Por adotar uma política de crédito baseada na rentabilidade comercial com foco em projetos de infraestrutura e energia, não havia subsídio em suas operações nem financiamento a setores considerados não lucrativos.10 10 MASON, Edward & ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 407; KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. Washington, DC: Brookings Institution Press, v. 1, 1997, p. 188. Na verdade, isso não impediu que a instituição, por influência do Departamento de Estado ou do Tesouro, concedesse ou negasse empréstimos a clientes por razões políticas, nem evitou que as condições impostas para a autorização de empréstimos variassem de acordo com critérios políticos.11 11 KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005, p.7-28; GARCÉS, Joan. Soberanos e intervenidos: estrategias globales, americanos y españoles. Madri: Siglo XXI, 3ª ed., 2008, p.106; GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al. (ed.). The World Bank: its first half century - perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 195-274. Igualmente, quando questões políticas prementes estavam em jogo, o Bird camuflava créditos para aliviar crises em balanços de pagamentos como se fossem empréstimos para projetos.12 12 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 123. Todavia, a preferência de Washington por conduzir operações visivelmente políticas mais por canais bilaterais do que multilaterais deu margem para que o Bird se consolidasse como um ator financeiro fortemente ligado à Wall Street e aparentasse certa distância da guerra fria, forjando uma (auto)imagem de excelência e neutralidade técnica.

O perfil da carteira do banco encontrava respaldo intelectual em teorias do desenvolvimento em voga na academia anglo-americana. Baseadas em uma visão etnocêntrica, que extrapolava a experiência histórica dos países capitalistas industrializados para o então chamado Terceiro Mundo, tais teorias entendiam desenvolvimento como crescimento do PIB e função direta do investimento em infraestrutura.13 13 Ver FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick & PACKARD, Randall (ed.). International development and the social sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 207; ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Bogotá: Editorial Norma, 1996. A crença no poder da tecnologia e da ciência era amplamente compartilhada e estava na base dos modelos de crescimento e conceitos mais difundidos, como big push e take-off, os quais serviam para sintonizar e harmonizar a doutrina econômica com a pregação de Washington para que os países do Terceiro Mundo absorvessem mais ajuda financeira e capital estrangeiro.14 14 Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 146-148; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66-67. Parte da academia americana, normalmente em associação com grandes fundações filantrópicas, produzia análises, teorias e quadros para fomentar esse tipo de visão. Destacou-se, por exemplo, o Centro de Estudos Internacionais do Massachusetts Institute of Technology (MIT), criado em 1952 com fundos da Central Intelligence Agency (CIA) por iniciativa de W. W. Rostow, assessor de segurança nacional do governo Kennedy e autor de obras divulgadas mundialmente.15 15 Cf. LATHAM, Michael. Modernization as Ideology: american social science and "nation building" in the Kennedy era. Chapel Hill/Londres: The University of Carolina Press, 2000, p. 53-57.

Além dessa visão mais geral, duas coordenadas intelectuais predominavam entre os economistas do banco.16 16 Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 116-117; STERN, Nicholas e FERREIRA, Francisco. The World Bank as "intellectual actor". In: KAPUR, Devesh et al. (ed.). The World Bank: its first half century - perspectives. v. 2. Washington, DC: Brookings Institution Press,1997, p. 530-532. Não é demais ressaltar que o estruturalismo latino-americano, cujo epicentro era a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), fundada em 1948, advogava teses opostas àquelas veiculadas pelo banco. Para um amplo panorama dessa escola de pensamento, ver RODRÍGUEZ, Octavio. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Cepal, 2009. A primeira afirmava que a distribuição de renda se concentrava nos estágios iniciais do ciclo econômico e se desconcentrava nos estágios finais, de tal maneira que, após uma fase ascendente e sustentada de crescimento econômico, ocorreria o "efeito derrame" (trickle-down), isto é, o gotejamento gradual da renda para os estratos mais baixos da estrutura social. Quanto tempo esse processo duraria e qual a intensidade e o alcance do derrame acabaram se tornando questões secundárias naquele período diante da crença no próprio derrame. A segunda coordenada supunha a existência de trade-offs entre eficiência e distribuição, razão pela qual políticas distributivas eram vistas como prejudiciais ao crescimento.

Da criação da AID ao fim da gestão Woods (1960-1968)

O Bird, mesmo solidamente estabelecido como instituição de crédito, não estava imune às turbulências e pressões da economia política internacional. De fato, durante a segunda metade dos anos 1950, alguns fatores concorreram para que o banco mudasse e adaptasse sua estrutura institucional e seu modus operandi.

O primeiro estava relacionado à dinâmica mais ampla da guerra fria, alargada pelos processos de independência das colônias europeias na África e na Ásia - e a possibilidade de que nacionalismo e socialismo convergissem nos Estados pós-coloniais - e pela revolução cubana, encarada por Washington como um caso de metástase do comunismo na América Latina. Em paralelo, o movimento dos países não alinhados, ainda que politicamente bastante heterogêneo e dividido, condenava com veemência o colonialismo e reclamava o "desenvolvimento" de seus países, dando visibilidade à crescente tensão Norte-Sul em torno da desigualdade de riqueza e poder entre os Estados e dentro das organizações multilaterais.

O segundo fator consistia no questionamento crescente do papel do Bird como agência de financiamento do desenvolvimento. Para ganhar a confiança de Wall Street, o banco havia se fechado aos países pobres, considerados insolventes. Na prática, isso significava que a vasta maioria dos Estados pós-coloniais não tinha acesso à principal fonte multilateral de crédito, e pelas mesmas razões também encontrava dificuldade de captar empréstimos de fontes privadas. Por outro lado, diversos governos de países de renda média - maiores clientes do banco depois da Índia - se queixavam de que as condições de empréstimo do Bird eram onerosas e criticavam a ausência, para eles, de crédito sob condições concessionárias, como havia ocorrido com o Plano Marshall. Além disso, dois dos maiores clientes do Bird (Índia e Paquistão) enfrentavam problemas crescentes de solvência e estavam perto do estrangulamento financeiro, e para ambos a União Soviética acenava com assistência técnica e ajuda econômica e militar.17 17 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history, v.1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 1.126; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66.

A terceira pressão consistia no fortalecimento da campanha em prol da aprovação do Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico (Special United Nations Fund for Economic Development, Sunfed). Protagonizada por Índia, Chile e Iugoslávia, o objetivo era criar uma agência da ONU especializada em prover ajuda financeira em termos concessionários que operasse segundo o princípio da paridade de voto. Proposto em 1949, o projeto foi aprovado em 1952 pela Assembleia Geral da ONU, a despeito da oposição do governo dos Estados Unidos e seus principais aliados europeus.18 18 MASON, Edward e ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 382-386.

O governo Eisenhower (1953-61) era contrário ao financiamento concessionário ao Terceiro Mundo e mais ainda que isso se desse por meio de uma agência da ONU.19 19 GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al. (eds.) The World Bank: its first half century - perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 205-206. Em um contexto de saída acelerada de empresas americanas ou instalação de filiais nos países do Terceiro Mundo,20 20 MAGDOFF, Harry. A era do imperialismo: a economia da política externa dos Estados Unidos. São Paulo: Hucitec, 1978. esse governo passou a insistir na primazia do capital privado no financiamento do desenvolvimento, em particular para os países latino-americanos, esvaziando o Ponto IV. Porém, a escalada da guerra fria e as tentativas soviéticas de explorar o debate dentro da ONU entre países desenvolvidos e em desenvolvimento preocupavam os círculos dirigentes de Washington. Era preciso dar alguma resposta àquela situação e a medida mais barata e politicamente segura a tomar consistia em criar um novo ramo do Bird voltado à concessão de empréstimos para empresas privadas. Por isso, o governo lançou em 1954 uma primeira proposta, que se materializou dois anos depois na criação da Corporação Financeira Internacional (CFI).

Apesar da manobra, os Estados Unidos e seus principais aliados não conseguiram frear a campanha pela criação de uma nova agência de ajuda concessionária. Assim, em outubro de 1958, a ONU habilitou o Sunfed para financiar pré-investimentos em países em desenvolvimento.21 21 MASON, Edward & ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods, op. cit., p. 386; WOODS, Ngaire. The globalizers, op. cit., p. 44. Para derrotá-lo politicamente, o Tesouro americano propôs, em meados de 1959, a criação da Associação Internacional de Desenvolvimento (AID).

Fundada em 1960, a AID era o oposto do Sunfed. Vinculada ao Bird, regia-se pelo mesmo sistema desigual de distribuição de voto. Ademais, suas atividades seriam financiadas por doações periódicas oriundas do jogo de interesses entre poucos Estados doadores. Seus créditos, ofertados em condições altamente facilitadas, aliviariam a pressão para que o Bird emprestasse a países pobres.22 22 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 170. Como previsto, a Índia e o Paquistão - dois países estratégicos para a diplomacia americana na Ásia - imediatamente se tornaram seus maiores clientes.23 23 KIRK, Jason. India and the World Bank. Londres: Anthem, 2010.

Com a criação da AID, o governo americano e seus principais aliados europeus não apenas conseguiram esvaziar o Sunfed, como passaram a contar com mais um instrumento de ajuda externa sob seu controle, em um período de acirramento das tensões políticas na periferia do capitalismo. Ao mesmo tempo, a vinculação da AID ao Bird foi importante para evitar sua associação direta com a política externa americana e suas agências de ajuda internacional.24 24 A ajuda bilateral americana estava dispersa em diversas agências e sujeita a mudanças organizacionais contínuas. No geral, foi largamente econômica entre 1946 e 1951, militar entre 1952 e 1956 e cada vez mais novamente econômica entre 1957 e 1968. Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 150-151. A mais notável delas foi a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), criada por Kennedy em 1961 a partir da unificação de duas agências (o Development Loan Fund e a International Cooperation Agency, que era parte do Departamento de Estado e responsável pela ajuda técnica). A assistência prestada pela Usaid era condicionada ao fato de o Estado receptor ter um plano de desenvolvimento de longo prazo para o país. Esse foi o começo de um processo de programação por país (em contraste com financiamentos ad hoc), no qual um conjunto de necessidades seria considerado nas decisões sobre como, onde e o que financiar. Para detalhes, cf. LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 71-76. Ademais, a criação da AID forneceu aos Estados Unidos um meio adicional de compartilhamento da carga financeira da ajuda ao desenvolvimento com as demais potências capitalistas, no bojo do processo mais amplo de multilateralização crescente da ajuda externa, por meio do qual diversas instituições bilaterais e multilaterais foram criadas entre 1957 e 1966.25 25 Por exemplo, em 1957-58, a criação do Fundo de Empréstimo ao Desenvolvimento (Development Loan Fund) dos Estados Unidos, o Fundo de Desenvolvimento Europeu (European Development Fund), a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (United Nations Economic Commission for África) e o primeiro consórcio internacional de assistência à Índia, sob coordenação do Bird. Em 1960 surgiram a AID e a Associação Canadense de Desenvolvimento Internacional (Canadian International Development Association); em 1961, o segundo consórcio internacional de ajuda (para o Paquistão), o Ministério da Cooperação na França e na Alemanha, o serviço de cooperação da Suíça, o Fundo de Cooperação Econômica Exterior do Japão (Japan's Overseas Economic Cooperation Fund) e o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso; em 1962, as organizações de ajuda bilateral da Bélgica, Dinamarca e Noruega; em 1964, o Banco de Desenvolvimento Africano e, em 1966, o Banco de Desenvolvimento Asiático. Na perspectiva do governo americano, mais do que nunca a ajuda, assistência técnica e econômica bilateral e multilateral deveria ser ampliada, a fim de impedir a gravitação soviética e evitar a emergência de governos que, mesmo não alinhados à União Soviética, pudessem de algum modo adotar uma posição hostil aos Estados Unidos.26 26 GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (eds.) The World Bank: Its First Half Century - Perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 207-208; DEZALAY, Yves e GARTH, Bryant. La internacionalización de las luchas por el poder. México, DF: UNAM, 2005, p. 101-110.

A ênfase cada vez maior no desenvolvimento de longo prazo converteu a ajuda externa de um expediente temporário voltado à reconstrução europeia em um mecanismo permanente da diplomacia americana. Um dos promotores da ideia de usar a ajuda externa para isso foi Rostow. Sua teoria do desenvolvimento e da modernização era simples, acessível a policy makers e crível. Sem desenvolvimento e modernização, dizia ele, o descontentamento e o desespero podiam levar ao apoio de doutrinas radicais. Mesmo onde a modernização ocorresse, o impacto provocado por mudanças sociais e econômicas podia também tornar mais atrativas tais ideologias. Daí a necessidade de ajuda externa para estimular o desenvolvimento e amenizar o stress a ele associado.27 27 LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66-67.

Em meio então à necessidade de atender ao aumento de Estados clientes da África e da Ásia puxados pela AID, ampliar sua gravitação financeira em países de renda média, enfrentar a concorrência de outras instituições bilaterais e multilaterais de crédito e promover a assistência ao desenvolvimento em clave anglo-saxônica, o banco, durante a gestão Woods (1963-68), abrandou seus critérios de solvência e iniciou mudanças na alocação setorial dos empréstimos. Resultado: entre 1961 e 1969, os empréstimos aumentaram 10% ao ano e a instituição iniciou operações em 50 novos países, a maior parte na África.28 28 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 187-188. Além disso, o financiamento para a agricultura cresceu e setores que até então não eram elegíveis a empréstimos, como educação, abastecimento de água potável e saneamento básico, passaram a ser.

Proporcionalmente, os empréstimos para agricultura foram os que mais aumentaram durante a gestão Woods, e o principal fator que empurrou o Bird nessa direção foi a "revolução verde". Sob o patrocínio da Fundação Rockefeller, desenvolveram-se sementes híbridas de trigo cuja alta produtividade dependia de condições ótimas de irrigação e do uso intensivo de pesticidas, fertilizantes químicos e máquinas agrícolas produzidos por empresas americanas e europeias. Logo vieram experimentos similares com sementes de milho e arroz.29 29 PERKINS, John H. Geopolitics and the Green Revolution: Wheat, Genes, and the Cold War. Nova York: Oxford University Press, 1997. Nos anos 1950, a Fundação Rockefeller se associou à Fundação Ford com o propósito de formar técnicos especializados para difundir as novas variedades na Índia, patrocinando a criação de centros de pesquisa agrícola em diversos países na década seguinte. No mesmo período, grandes empresas de fertilizantes começaram a pressionar o governo americano e o Banco Mundial para que financiassem a difusão do pacote tecnológico da revolução verde pelo mundo.30 30 BURBACH, Roger & FLYNN, Barbara. Agroindústria nas Américas. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 122. A produção das novas variedades dependia de irrigação e da utilização de insumos industriais cuja eficiência máxima se dava a partir de certa escala de produção, o que tendia a beneficiar os produtores mais ricos, mais instruídos e detentores das maiores e melhores terras.31 31 LAPPÉ, Frances M. & COLLINS, Joseph. Comer és primero: más allá del mito de la escasez. México, DF: Siglo XXI, 1982, p. 115-122; SHIVA, Vandana. The Violence of Green Revolution. Londres: Zed Books, 1991, p. 171-194.

Além da dimensão econômica, o aumento da produção agrícola era visto como questão politicamente urgente para Washington e o banco. Estava em voga nesse circuito o neomalthusianismo e o temor de uma "crise alimentar", provocada pelo aumento acelerado da população vis-à-vis a produção de alimentos no Terceiro Mundo, em particular no sul da Ásia, com todas as consequências políticas e sociais que isso poderia gerar. Associada a essa ideia ganhou força junto ao staff do banco a tese de Schultz32 32 SCHULTZ, Theodor. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. de que os agricultores "tradicionais" eram receptivos a incentivos econômicos e predispostos à otimização da produção segundo critérios de rentabilidade comercial, o que deu racionalidade à elaboração de projetos voltados para a modernização técnica de frações do campesinato.33 33 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 386; OLIVER, Robert. George Woods and the World Bank. Boulder: Lynne Rienner, 1995, p. 165.

A "pobreza" começou a ser usada fracamente como critério interno para justificar a autorização de empréstimos "sociais". Assim, projetos para agropecuária, educação e abastecimento de água, ainda que modestos e incipientes, acabavam carregando a tensão entre sua natureza supostamente não lucrativa e a regra de que todos os empréstimos deviam maximizar o crescimento econômico e gerar lucro.34 34 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 197.

McNamara e o "assalto à pobreza" (1968-1981)

A chegada de Robert McNamara à presidência do Banco Mundial marcou profundamente a história da instituição.35 35 Ex-aluno da Harvard Business School e ex-presidente da Ford Motor Company, McNamara ocupava o cargo de secretário de Defesa dos Estados Unidos desde 1961, quando foi guindado pela Casa Branca para a presidência do Banco Mundial em abril de 1968. Ele foi o primeiro presidente da instituição não oriundo de Wall Street, mas sim do aparato político e de segurança do Estado. Evocando a conexão entre segurança e desenvolvimento, McNamara afirmou que o atraso econômico e as contradições da modernização capitalista abriam as portas para ideologias radicais e extremismo político.36 36 McNAMARA, Robert. A essência da segurança. São Paulo: Ibrasa, 1968.

Ao assumir o novo cargo, McNamara fez um balanço negativo do desenvolvimento internacional no decênio anterior, ao afirmar que a desigualdade de renda entre as nações havia aumentado e que a maior parte da população mundial permanecia em condições de pobreza, apesar do crescimento econômico no Terceiro Mundo.37 37 McNAMARA, Robert. A imposição do desenvolvimento. In: Idem. Cem países, dois bilhões de seres: a dimensão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 3-16. Ele reconhecia, assim, que o estilo de desenvolvimento dominante havia falhado e que o "efeito derrame" não tinha ocorrido. Para McNamara, já não era mais válido considerar que o crescimento econômico levasse necessariamente à redução da pobreza.38 38 O que, diga-se de passagem, economistas como Celso Furtado e Albert Hirschman já afirmavam desde o final dos anos 1950 e, com mais intensidade, ao longo da década seguinte. Era preciso distingui-los analiticamente, o que abria espaço para que ambos pudessem ser abordados de maneira separada e direta. Por outro lado, McNamara jamais admitiu que a diminuição da pobreza pudesse ocorrer à custa do crescimento, como afirmava a imensa maioria dos economistas naquela época (dentro e fora do Bird), e durante toda sua gestão insistiu na centralidade do crescimento econômico.39 39 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 217.

Enquanto questão teórica, até então a pobreza era assunto praticamente desconsiderado pela literatura econômica dominante, figurando de modo vago e pejorativo, frequentemente associado à beneficência e ao assistencialismo.40 40 FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick &PACKARD, Randall (ed.) International Development and the Social Sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 207; KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 247. A própria palavra não fazia parte do vocabulário corrente do staff do banco. Tanto que o assunto não foi objeto de declaração alguma nos anos 1950 e apareceu apenas timidamente durante a maior parte dos anos 1960.

Lançada para o quinquênio 1968-1973, a consigna da redução "direta" da pobreza demandava mudanças na distribuição setorial da carteira do banco, algumas das quais já iniciadas pela gestão Woods. A agropecuária seria o setor com maior expansão dentro do portfólio. Também cresceriam os projetos para fins "sociais", como educação, fornecimento de água, saneamento, nutrição, saúde primária, habitação e planejamento familiar. Em termos regionais, além de mais desembolsos para a Ásia, seriam priorizadas a África e a América Latina.41 41 McNAMARA, Robert. A imposição do desenvolvimento. In: Idem. Cem países, dois bilhões de seres: a dimensão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 8-9.

Em paralelo, estruturou-se o departamento de pesquisa econômica, com a criação do cargo de economista-chefe em 1971, para o qual foi nomeado Hollis Chenery com a missão de estabelecer uma base sólida de dados e conceitos para a formulação mais abrangente de políticas e programas econômicos e, assim, apoiar a expansão das operações financeiras. Cabia a ele também a tarefa de coordenar esforços para encontrar os meios necessários à operacionalização de projetos "sociais".

Com raízes na guerra fria e enxertada no banco a partir de Washington, a "luta contra a pobreza" careceu, naqueles anos, de dois elementos importantes: um enfoque que desse suporte e racionalidade e um instrumento operacional que permitisse sua replicação em escala considerável. O banco não tinha uma abordagem que conferisse coerência, para fora e para dentro, aos projetos que a instituição já vinha executando em agricultura, educação e desenvolvimento urbano. Também não tinha um instrumento que permitisse a mensuração de resultados. Ou seja, não havia uma teoria nem um meio passível de replicação e avaliação.

Ambos surgiram somente no biênio 1973-1974, com a definição da "pobreza rural absoluta" como alvo principal da intervenção do banco por meio dos novos projetos de desenvolvimento rural integrado (DRI), e com a publicação do livro organizado por Chenery.42 42 CHENERY, Hollis et al. Redistribución con crecimiento. Madri: Tecnos, 1976. Assim, nasceu o enfoque "orientado à pobreza".

Além da macropolítica da guerra fria e da necessidade, segundo os policy makers de Washington, de prevenir ou desativar o ativismo social dos camponeses no Terceiro Mundo,43 43 HUNTINGTON, Samuel. Political Order in Changing Societies. Londres: Yale University Press, 1968, p. 302. a construção desse enfoque seria impensável sem o questionamento ao "efeito derrame" por dentro do próprio mainstream econômico.44 44 FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick & PACKARD, Randall (ed.) International Development and the Social Sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 208. Diversos dados apoiavam esse ceticismo, ligados ao aumento demográfico acelerado, à piora na distribuição de renda e, em particular, ao crescimento limitado do emprego industrial. Alguns dos modelos em voga levavam à conclusão de que crescimento e desigualdade eram inseparáveis e, apesar da crença de que a desigualdade depois diminuiria, à medida que o desenvolvimento ocorresse, crescia o debate sobre a possibilidade de a desigualdade aumentar a ponto de minar a redução da pobreza.45 45 KANBUR, Ravi & VINES, David. The World Bank and poverty reduction: past, present and future. In: GILBERT, Christopher & VINES, David (ed.) The World Bank: Structure and Policies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 88-92.

O debate sobre a geração de empregos teve particular influência sobre o Banco Mundial.46 46 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 251. Liderado e difundido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o Institute for Development Studies (IDS) da Universidade de Sussex, teve como marco constitutivo o lançamento do Programa Mundial de Emprego em 1969, a partir do qual a OIT e o IDS conduziram sete estudos de caso (Colômbia, Sri Lanka, Quênia, Irã, Filipinas, Sudão e República Dominicana) entre 1970 e 1975. Tendo à frente economistas de renome como Dudley Seers e Hans Singer, os relatórios evidenciaram que, mesmo com taxas maiores ou menores de crescimento econômico, a desigualdade não estava diminuindo naqueles países, o que trazia para o primeiro plano a questão da equidade e da distribuição.

As críticas, de fato, avolumavam-se. Em 1970, por exemplo, durante a Sétima Conferência sobre Desenvolvimento de Cambridge, David Morse (diretor geral da OIT) denominou a perda de confiança no crescimento econômico nacional como meio suficiente para reduzir a pobreza como "a derrocada do PIB", expressão que rapidamente se popularizou. Por outro lado, em clave ambiental, ganharam relevo as críticas do Clube de Roma, publicadas em 1972-1974, sobre os "limites" do crescimento econômico.

Também é preciso levar em conta a mudança na política de ajuda externa dos Estados Unidos. As críticas acadêmicas se somavam àquelas veiculadas pelo Congresso sobre a condução da política externa, centrada na guerra do Vietnã. Daí a aprovação, em 1973, do Foreign Assistance Act.47 47 AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 9. Pautada pela ideia de "necessidades básicas", a nova diretriz tinha como foco a redução da "pobreza extrema" mediante a concessão de crédito para o aumento da produtividade de "pequenos agricultores". Tais diretrizes repercutiram na busca, pela gestão McNamara, de maior coerência entre sua retórica pro-poor e a qualidade da carteira de projetos do banco voltados para esse fim.

A emergência do nacionalismo em países da periferia e as tensões entre organizações multilaterais dedicadas ao desenvolvimento é outro fator que se deve levar em conta. Para instituições como a Cepal e a Unctad, a solução dos dilemas do desenvolvimento (concentração de renda, pauperização e desigualdade entre as nações) passava por alguma redistribuição de recursos do Norte para o Sul. A Unctad, em particular, pressionava os países ricos para que aumentassem a ajuda financeira concessionária e apoiassem a estabilização dos preços das commodities e dos acordos comerciais que minimizassem a deterioração dos termos de intercâmbio. Como resultado de pressões diversas e na esteira do choque do petróleo de 1973, a proposta de uma "nova ordem econômica internacional" acabou sendo encampada pela Assembleia Geral da ONU em 1974, incluindo demandas pela soberania do Terceiro Mundo sobre recursos naturais, aumento da ajuda ao desenvolvimento, alívio da dívida externa e aumento da voz no FMI e nos BMDs.48 48 BABB, Sarah. Behind the Development Banks: Washington Politics, World Poverty, and the Wealthy of Nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 55; GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (ed.) The World Bank: Its First Half Century - Perspectives, vol 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 216. Diante de tais reclames, a "luta contra a pobreza" de McNamara configurava um tipo de resposta muitíssimo limitada e conservadora.

Internamente, um passo decisivo para a construção do enfoque foi a definição da "pobreza absoluta" como unidade de análise e critério operacional.49 49 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 239-240. A novidade dava suporte operacional à identificação de "focos de pobreza" no meio rural, nos quais deveriam incidir projetos de "desenvolvimento rural" voltados ao aumento da produtividade de camponeses que financiassem a aquisição e aplicação de pacotes tecnológicos. Ou seja, tratava-se de implantar uma espécie de "pequena revolução verde" em parcelas do campesinato.50 50 FEDER, Ernest. La pequena revolución verde de McNamara. Comercio Exterior, v. 26 (7), 1976, p. 793-803. A concentração da propriedade da terra -fator determinante da pobreza e das desigualdades sociais - foi tomada como um dado ao qual os projetos deviam se acomodar.51 51 AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 104.

Publicado em 1974, Redistribuição com crescimento deu ao banco um argumento teórico que permitiu disseminar com mais eficácia seu novo produto, ao instituir a pobreza absoluta e os grupos-alvos como categorias operacionais viáveis e legítimas para as políticas públicas. A rigor, o livro prescrevia uma estratégia distributiva de tipo incremental, na medida em que se limitava a distribuir parte do crescimento econômico (rendas e ativos novos) mediante projetos e programas financiados por meio de captação de impostos e endividamento externo. Em tese, tais ações fomentariam o aumento da "produtividade dos mais pobres", de tal forma que, por meio da inserção atomizada no mercado, sua renda aumentaria. O estoque de riqueza permaneceria intocável.

Em termos mais amplos, o livro lançou as bases para a cientifização da pobreza - uma pobretologia -, pautada pela centralidade da pobreza como categoria de análise e foco da ajuda ao desenvolvimento. O engajamento do banco na produção, compilação e disseminação de indicadores econômicos, análises de inputs-outputs e de custo-benefício contribuiu para afirmar e amalgamar ideias e práticas em torno da pobreza como fenômeno singularizável, quantificável e tratável isoladamente. Ao mesmo tempo, a instituição se articulou com agências nacionais e multilaterais de pesquisa e planejamento, difundindo a sua expertise e, assim, forjando gradativamente os termos legítimos do debate internacional sobre o tema.

A tese de que a superação da pobreza rural ocorreria pelo aumento da "produtividade dos pobres" pressupunha que vivia na pobreza apenas quem não estivesse inserido em atividades produtivas e rentáveis. Assim, a pobreza era tomada como um fenômeno inteligível em si mesmo e como produto da exclusão do desenvolvimento econômico, e não como um dos seus resultados. Posta dessa maneira, a "luta contra a pobreza" parecia autotexplicativa e legítima por si própria.

Entre 1976 e 1979, o Banco Mundial também se envolveu no debate sobre "necessidades básicas". A discussão havia sido lançada pela OIT na Conferência Mundial sobre Emprego e prometia definir um conjunto de "necessidades" que deveria servir de critério para o desenho de programas nacionais e internacionais. Além da busca de uma visão mais complexa e integrada sobre o desenvolvimento, o novo enfoque dava ênfase a aspectos como administração descentralizada de recursos, participação dos beneficiários na gestão e degradação dos recursos ambientais. Apesar do avanço no debate, o novo enfoque insistia no fomento a atividades intensivas em força de trabalho, o que poderia inibir a transformação estrutural rumo a atividades mais intensivas em capital e conhecimento e, assim, perpetuar a especialização produtiva dos países primário-exportadores.52 52 BUSTELO, Pablo. Teorías contemporáneas del desarrollo económico. Madri: Sintesis, 1999, p. 155. Por seu turno, a gestão McNamara debateu quais necessidades seriam de fato "básicas", como justificá-las em termos de custo-benefício e como saber se o crescimento não seria mesmo prejudicado.53 53 AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 85-89. Afinal, McNamara insistia em negar trade-offs entre crescimento econômico e redução da pobreza. O debate não chegou a lugar nenhum e pouco se traduziu em projetos.54 54 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 265-267. A rigor, o objetivo do novo enfoque não era negar a teoria do derrame, que, na verdade, nunca saíra de cena como referência para os economistas do Banco.55 55 STREETEN, Paul et al. Lo primero es lo primero. Madri: Tecnos/Banco Mundial, 1986, p. 95-105. Ademais, a satisfação de necessidades básicas também era tomada como um objeto isolado do conjunto das relações sociais e da política econômica, eludindo a questão do desemprego e dos baixos salários.

Desse debate, o banco acabou por consagrar saúde e educação primárias como áreas abertas ao investimento nos países da periferia, ligando-as ao alívio da pobreza extrema e à reconfiguração das políticas sociais. No final de 1979, a instituição começou a autorizar empréstimos exclusivamente para a saúde. Enquanto isso, o conceito de capital humano era entronizado tardiamente na agenda educacional da entidade, em função do prestígio acadêmico de Theodor Schultz, que havia acabado de receber o Nobel de Economia, e da pressão dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, que empurraram a ênfase na educação básica para dentro do banco. Em 1980, o Relatório sobre Desenvolvimento Mundial (RDM)56 56 O RDM é a publicação anual mais importante do BM e a mais cara do gênero. Editado desde 1978, é um documento político que transmite a mensagem principal da instituição sobre assuntos-chave, porém sob a aparência da melhor pesquisa técnica. chancelou as duas novas prioridades na área social. Desenhavam-se, então, as coordenadas de um modelo de política social que se tornaria hegemônico uma década depois, centrado na formação de capital humano e na prestação de mínimos sociais.

Ajuste macroeconômico e neoliberalização das políticas sociais (1980-2001)

Ao longo da década de 1970, uma série de eventos modificou sensivelmente a economia política mundial. Desde o final dos anos 1960, as contradições do sistema monetário internacional tornavam a manutenção da convertibilidade do dólar em ouro cada vez mais difícil para os Estados Unidos. Como resposta, o governo dos Estados Unidos rompeu unilateralmente com o regime monetário de Bretton Woods que o próprio poder americano havia criado em 1944, mediante uma série de medidas praticadas entre 1971 e 1974. Por sua vez, em 1979, com o segundo choque internacional do petróleo, o Tesouro aumentou brusca e agudamente a taxa de juros dos Estados Unidos, a fim de conter a inflação doméstica e impulsionar a retomada da supremacia do dólar no sistema monetário internacional. Combinada à liberalização do fluxo de capitais, a medida forçou a sobrevalorização do dólar e redirecionou a liquidez internacional para os Estados Unidos, submetendo a política econômica de todos os demais países capitalistas, concorrentes e aliados, a um ajuste recessivo sincronizado com a política americana.57 57 GOWAN, Peter, op. cit., p. 45-50; BRENNER, Robert. O boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 67-73; DUMÉNIL, Gérard & LÉVY, Dominique. Crisis y salida de la crisis: orden y desorden neoliberales. México, DF: FCE, 2007. Em pouco tempo, a flutuação das taxas de juros e câmbio voltou a ficar atrelada ao dólar e, por meio dela, o movimento da liquidez internacional foi subordinado à política econômica americana. Os títulos da dívida pública dos Estados Unidos tornaram-se o ativo líquido por excelência da economia internacional, obrigando os detentores de excedentes financeiros a adquiri-los. Estava em marcha, assim, a "diplomacia do dólar forte".58 58 TAVARES, Maria da Conceição. A retomada da hegemonia norte-americana. In: TAVARES, Maria da Conceição & e FIORI, José Luís (org.) Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 27-53.

A consigna do "assalto à pobreza" deixou de figurar no centro do discurso público de McNamara no final da sua gestão. A partir de 1979, o banco passou a concentrar ainda mais sua carteira em operações que apoiassem o balanço de pagamentos e o aumento das exportações, a fim de manter a espiral de endividamento de seus principais clientes.59 59 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 324. Nesse contexto, não havia mais espaço para projetos "sociais".

Em 1980, o banco pôs em prática um novo instrumento, o empréstimo de ajuste estrutural. Orientado para políticas, e não para projetos, continha uma série de condicionalidades aos Estados clientes cujo cumprimento visava adequar a economia doméstica ao novo ambiente internacional e manter o pagamento do serviço da dívida externa. Além disso, no âmbito da administração pública e das políticas sociais, as condicionalidades priorizavam a redução do déficit fiscal (mediante corte de gastos com pessoal e custeio), de subsídios ao consumo e do custo per capita dos programas, além da reorientação da política social para saúde e educação primárias, por meio da focalização na extrema pobreza.60 60 Esse conjunto de prescrições figurou nos RDMs de 1978 a 1982.

Entre 1980 e 1982, o banco atuou no sentido de firmar o ajustamento estrutural como meio necessário para adaptar os países endividados às novas condições da economia internacional, seguindo de perto a divisão de trabalho entre "Estado" e "mercado" que emergia como expressão da política neoliberal encabeçada pelos governos Thatcher e Reagan e da mudança mais geral na correlação de forças entre capital e trabalho.

Com o início da crise da dívida externa dos países latino-americanos no final de 1982, os empréstimos do banco foram dirigidos pelo Tesouro americano e pelo Federal Reserve para disciplinar a política econômica dos Estados devedores.61 61 GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (ed.) The World Bank: its first half century - Perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 236. Nenhum mecanismo de proteção ou compensação a grupos sociais mais vulneráveis ao ajuste foi cogitado. Na verdade, a bandeira da redução da pobreza, já desgastada politicamente dentro e fora do banco, foi abandonada.62 62 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 331-340.

Como evidência de que o jogo tinha mudado, logo vieram a substituição de alguns expoentes da velha geração da economia do desenvolvimento por nomes associados à monoeconomia neoclássica, de aparência técnica e supostamente "desideologizada", como Bela Balassa, Jagdish Bragwati e, destacamente, Anne Krueger, nomeada economista-chefe do banco no lugar de Hollis Chenery. Assim, em plena era Reagan-Thatcher, a pesquisa do banco foi redirecionada para os defeitos do Estado e a eficiência dos mercados e para a contraposição entre equidade e eficiência.63 63 Para detalhes, ver GEORGE, Susan & SABELLI, Fabrizio. La religión del crédito: el Banco Mundial y su imperio secular. 2ª edición. Barcelona: Intermón, 1996, p. 163-175; e também BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 82-84. O centro doutrinário e operacional passou a ser a liberalização econômica radical, ao estilo "terapia de choque".

À medida que os efeitos recessivos provocados pelos programas de ajuste macroeconômico foram aparecendo em diversos países, emergiu a preocupação com a sustentabilidade política do processo em curso. Até então, o discurso oficial tinha sido de que o ajuste simplesmente era "bom para os pobres", pois os beneficiaria diretamente - e não apenas indiretamente, pela via do "derrame".64 64 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 353. Esse discurso mudou em meados de 1980, quando o banco começou a admitir a ocorrência de "custos sociais".65 65 BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 161.

A mudança de discurso do banco estava relacionada às pressões sofridas de todos os lados. Um célebre relatório do Unicef, por exemplo, advogou um "ajuste com rosto humano".66 66 CORNIA, Giovanni et al. (ed.) Adjustment with a human face. Washington, DC: Oxford University Press, 1987. Economistas do Bird se apressaram em refutá-lo, alegando a necessidade de distinguir entre os custos sociais decorrentes das medidas de ajuste e os custos gerados pelo desequilíbrio macroeconômico per si. Por outro lado, em setembro de 1987, ONGs e entidades filantrópicas americanas apresentaram à imprensa uma carta ao Bird assinada por 153 congressistas dos Estados Unidos, exigindo mais atenção para a pobreza.67 67 KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 367.

Ou seja, pressionados por forças diversas, a partir de então, os altos expoentes do banco deixaram de dizer em público que o ajuste simplesmente era "bom para os pobres". Na verdade, daí em diante, o ajuste passou a requerer programas de compensação social para aliviar, de maneira seletiva e no curto prazo, o impacto regressivo sobre parcelas da população mais golpeadas ou suscetíveis a apoiar a oposição. Tais operações passaram a ser organizadas por meio de fundos sociais de emergência.

A primeira operação desse tipo ocorreu na Bolívia no final de 1986 e, desde então, o banco promove a criação de fundos sociais em inúmeros países, mediante empréstimos e assistência técnica. Criados para operar como instrumentos de ação transitória e de curto prazo, em poucos anos se tornaram veículos de um novo modelo de política social cujo princípio básico é o da substituição da oferta universal de bens e serviços públicos pelo atendimento a demandas.68 68 SANAHUJA, José Antonio. Altruismo, mercado y poder: el Banco Mundial y la lucha contra la pobreza. Barcelona: Intermón Oxfam, 2001, p. 131; STAHL, Karin. Política social en América Latina: la privatización de la crisis. Nueva Sociedad, n. 131, 1994, p. 54-58. Por isso, orientam-se pela focalização dos recursos em grupos-alvos, selecionados de acordo com a vulnerabilidade aos impactos do ajuste macroeconômico. A identificação e execução de projetos ficam a cargo de ONGs, associações locais, prefeituras e empresas privadas, ou de consórcios que envolvem todos esses atores.

No final de 1989, representantes das principais forças que impulsionavam a liberalização econômica na América Latina realizaram nos Estados Unidos um balanço geral da situação. Registrou-se entre eles o acordo amplo sobre as reformas de política econômica em curso na região. O receituário tomou a forma de um decálogo de prescrições e foi batizado de Consenso de Washington.69 69 O CW prescrevia dez medidas de reforma econômica: privatização de empresas públicas; liberalização comercial; desregulação da economia; liberalização do investimento externo direto; disciplina fiscal; reorientação do gasto público para infraestrutura, saúde primária e educação básica; taxa de juros definida pelo mercado; taxa de câmbio competitiva, definida pelo mercado; reforma tributária, com ampliação de impostos básicos e moderação de impostos marginais; garantia dos direitos de propriedade. Cf. WILLIAMSON, John. What Washington means by policy reform. In: Idem (org.). Latin American Adjustment: how much has happened. Washington, DC: IIE, 1990, p. 5-20. Elaborado sobre os escombros do muro de Berlim e embalado pelo discurso da vitória final do capitalismo e da democracia liberal, o decálogo foi apresentado como produto da suposta "convergência universal" em torno da condução da política econômica entre "todos os economistas sérios",70 70 WILLIAMSON, John. Democracy and the 'Washington Consensus'. World Development, v. 21 (8), 1993, p. 1334. servindo para enquadrar os governos dos países da periferia a um programa centrado na liberalização da economia e na reorientação do Estado como provedor de regras que garantissem a segurança e a rentabilidade dos negócios privados. Não se tratava de uma teoria acadêmica, mas de um paradigma político internacional liderado pelo Banco Mundial e pelas demais instituições financeiras multilaterais e moldado por forças políticas, econômicas e intelectuais.71 71 BABB, Sarah. The Washington Consensus as transnational policy paradigm: Its origins, trajectory and likely successor. Review of International Political Economy, 20 (2), 2013, p. 268-297.

No RDM de 1990, o banco voltou a enfatizar o investimento em "capital humano" (saúde e educação básicas), com base em premissas neoclássicas, e prescreveu um modelo de alívio da pobreza que se consolidaria como marco de referência para a reforma das políticas sociais. Voltando a enfatizar a relação entre desigualdade internacional, pauperização e instabilidade política - recorrente no discurso de McNamara -, o RDM separava radicalmente política social e política econômica. Ancorado na categoria de pobreza absoluta, deixava de lado a questão da concentração de renda e riqueza e propunha uma estratégia dual, que combinava programas de compensação focalizados no curto prazo com a confiança renovada nas virtudes redentoras do crescimento econômico e do efeito derrame, os quais só poderiam ser alcançados mediante políticas pró-mercado. Não por acaso, o conflito em torno da produção e apropriação da riqueza era desconsiderado, o que permitia ao banco propor a ideia de que o alívio da pobreza dependia tão somente da distribuição de parte dos resultados do crescimento, sem envolver a redistribuição do estoque de ativos patrimoniais e financeiros. O banco começava então a voltar ao tema da pobreza, mas em um caminho coerente com a liberalização econômica.

Sempre subordinada aos imperativos do ajuste fiscal, a política social foi reconfigurada em três dimensões.72 72 VILAS, Carlos M. De ambulancias, bomberos y policías: la política social del neoliberalismo (notas para una perspectiva macro). Desarrollo Económico, v. 36 (144), p. 931-952, 1997. Na primeira, deixou de ser pensada como um insumo necessário ao investimento privado e passou a ser vista como gasto. Na segunda, em vez de incorporar os estratos mais pobres da população em condições satisfatórias de emprego e renda, visava impedir uma deterioração ainda maior de suas condições de vida, assumindo um caráter assistencialista. Na terceira, foi redefinida como algo transitório, porque se supunha que o ajuste macroeconômico produzia crescimento sem inflação, a partir do qual viria o gotejamento para baixo.

A remodelagem da política social se alimentou da ideia de que a eficácia da gestão pública dependia da parceria entre agências estatais e organizações da "sociedade civil", tomada como sinônimo de associações voluntárias, fundações e, sobretudo, ONGs.73 73 BANCO MUNDIAL. Sub-Saharan Africa: from crisis to sustainable growth. Washington, DC, 1989; BANCO MUNDIAL. Informe sobre el desarrollo mundial - la pobreza. Washington, DC, 1990; BANCO MUNDIAL. World Development Report - the challenge of development. Washington, DC, 1991; BANCO MUNDIAL. Governance and Development. Washington, DC, 1992.

A incorporação de ONGs no ciclo de projetos do banco cresceu ao longo dos anos 1980. Em larga medida, esse processo decorreu da imbricação crescente de ONGs na rede (pública e privada) de ajuda internacional ao desenvolvimento, por meio da qual são canalizados anualmente bilhões de dólares. Com efeito, à medida que a institucionalização e a profissionalização se impunham como imperativos da concorrência no campo da ajuda ao desenvolvimento, ativistas se convertiam em especialistas em leis e gestão de projetos sociais diversos, buscando credenciais para negociar com círculos políticos e empresariais a captação de fundos, prática que crescia à medida que avançavam o ajuste fiscal e a reestruturação das políticas sociais nacionais.74 74 DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 83; DEZALAY, Yves & GARTH, Bryant. La internacionalización de las luchas por el poder. México, DF: UNAM, 2005, p. 288; GUILHOT, Nicolas. The democracy makers: human rights and the politics of global order. Nova York: Columbia University Press, 2005, p. 215-217.

A exaltação da "sociedade civil" vinculou-se à promoção das "democracias de mercado", impulsionada pelo governo americano.75 75 Cf. KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997, p. 960; WADE, Robert Hunter. Making the WDR 2000: attacking poverty. World Development, 29 (8), 2001, p. 114. Rapidamente, tal categoria foi tomada pela "comunidade internacional" como condição de reconhecimento e parâmetro de avaliação da qualidade do regime político e da engenharia institucional dos países da periferia. Por ironia, enquanto grande parte da literatura sobre a transição democrática na América Latina exaltava a restrição das atribuições do Poder Executivo em favor do Legislativo e do Judiciário, a prosaica construção das "democracias de mercado" exigia alto grau de concentração do poder (insulation) na cúpula governamental e em órgãos estratégicos do Estado.76 76 VILAS, Carlos M. ¿Más allá del 'Consenso de Washington'? Un enfoque desde la política de algunas propuestas del Banco Mundial sobre la reforma institucional. América Latina Hoy, 26, 2000, p. 23. Desse ponto de vista, o manejo da liberalização econômica e das privatizações em cada Estado cliente deveria ficar a cargo de equipes técnicas impermeabilizadas contra pressões sindicais, político-partidárias e demandas "populistas" (corporativas, protecionistas) de frações do empresariado doméstico. Assim, o ajuste estrutural impulsionado pelo banco na primeira metade dos anos 1990 combinava dois vetores: por um lado, a colaboração entre Estado, setor privado, ONGs e instituições multilaterais para a gestão de best practices de combate à pobreza; por outro, o insulamento da política macroeconômica e da política de privatizações contra o debate democrático e reivindicações populares.

O avanço da liberalização econômica parecia inexorável até a irrupção da crise financeira do México em 1995. A partir de então, o banco passou a advogar um novo estágio de reformas, centrado na consolidação do ajuste macroeconômico, na reforma do Estado e no alívio da pobreza, mantendo a centralidade do crescimento e a promessa do efeito derrame.77 77 BANCO MUNDIAL. World Development Report - The evolving role of the state. Washington, DC, 1997; BURKI, Shahid J. e PERRY, Guillermo. The Long March: a reform agenda for latin america and the caribbean in the next decade. Washington, DC: The World Bank, 1997; BURKI, Shahid J. & PERRY, Guillermo. Más allá del Consenso de Washington: la hora de la reforma institucional. Washington, DC: Banco Mundial, 1998.

A associação entre baixo crescimento econômico, aumento do desemprego e do subemprego, queda de salários e irrupção de crises financeiras nos principais "mercados emergentes" entre 1997 e 2000 (sudeste asiático, Rússia, Brasil, África do Sul etc.) alimentou a onda de insatisfação contra as políticas de liberalização e o ceticismo diante das receitas clichês do FMI e do Banco Mundial. Iniciou-se uma troca de acusações no interior do establishment oficial e privado americano, avolumando-se as críticas ao fundamentalismo de mercado dentro de sua própria base de sustentação.78 78 STIGLITZ, Joseph. Más instrumentos y metas más amplias para el desarrollo. Hacia el consenso post-Washington. Instituciones & Desarrollo, octubre, p. 13-57, 1998; NAÍM, Moisés. Washington Consensus or Washington confusion? Foreign Policy, n. 118, 2000, p. 86-103.

Por sua vez, por dentro do mainstream econômico, diversas convenções dos anos 1980 começaram a implodir, como a de que bastava a liberalização para restaurar o crescimento, ou a de que o crescimento era a única medida do sucesso. Fissuras se abriram e novas tendências ganharam prestígio, disputando espaço dentro do debate econômico e da indústria da ajuda ao desenvolvimento. Usando ferramentas da microeconomia neoclássica, a economia da informação de Joseph Stiglitz,79 79 STIGLITZ, Joseph. Economics of the public sector. Nova York: W. W. Norton & Company, 2000; STIGLITZ, Joseph. Más instrumentos y metas más amplias para el desarrollo. Hacia el Consenso Post-Washington. Instituciones & Desarrollo, octubre, p. 13-57. por exemplo, afirmava a tese de que os mercados não funcionavam perfeitamente porque não havia informação completa disponível para os atores, razão pela qual os Estados tinham de compensar isso por meio de regulação institucional. Por sua vez, a abordagem de Amartya Sen80 80 SEN, Amartya. Development as freedom. Nova York: Anchor, 2000. recolocou o debate sobre desenvolvimento econômico e a redução da pobreza como ampliação das liberdades dos indivíduos. Enfim, o tom quase monocórdio do debate econômico dominante nos anos 1980 cedia lugar a certa pluralidade e renovação de ideias.

Foi nesse contexto que a "luta contra a pobreza" foi tema do RDM 2000-2001. Refletindo as tensões políticas e os embates no interior do pensamento econômico dominante, a versão preliminar do informe, apresentada em janeiro de 2000, continha algumas ideias heterodoxas: em parte, responsabilizava a liberalização acelerada das contas de capital pela crise financeira no sudeste asiático, aceitava o controle de capitais adotado pelos governos do Chile e da Malásia como instrumentos válidos de política econômica, recomendava a criação de políticas compensatórias antes da liberalização. O Tesouro americano pressionou a direção do banco para que depurasse o relatório, e assim foi feito.81 81 WADE, Robert H. US hegemony and the World Bank: the fight over people and ideas. Review of International Political Economy, 9 (2), 2002, p. 215-243. Reafirmou-se o crescimento econômico como precondição e meio principal para a redução da pobreza. Em lugar da criação de redes de proteção antes da liberalização, prescreveu-se seu estabelecimento simultâneo. A parte sobre o controle de capitais foi desidratada e afirmou-se que, em qualquer caso, a regulação da conta capital constitui medida meramente transitória para a liberalização dos mercados financeiros.

Aparadas essas arestas, todo o resto do RDM seguiu a mesma direção política impulsionada desde 1990, mas com algumas novidades. Advogando um conceito multidimensional de pobreza que levasse em consideração outras variáveis além da renda monetária, o relatório prescreveu uma agenda de combate à pobreza que englobava a promoção de "oportunidades", "autonomia" e "segurança". No primeiro âmbito, insistia que o ajuste era "bom para os pobres", desde que corretamente operado pelos governos, e preconizava medidas como o investimento em saúde e educação básicas, a oferta de serviços públicos por meio de ONGs e empresas e a legalização dos bens imobiliários dos "pobres" para que servissem de garantia para a obtenção de empréstimos bancários - na linha proposta por De Soto.82 82 Assessor principal do presidente Alberto Fujimori para a implementação das reformas neoliberais no Peru, Hernando de Soto fundou o Instituto para Liberdade e Democracia (ILD), a partir do qual presta assessoria a governos do mundo interessados na implantação da sua principal proposta: a privatização de terras comunais e públicas e a formalização dos bens imobiliários em poder dos "pobres" (barracos, posse de terra urbana ou rural etc.) como mecanismos de expansão da economia capitalista. Seus livros foram traduzidos para mais de dez idiomas. A sua principal obra é The mystery of Capital: why capitalism triumphs in the west and fails everywhere else. Nova York: Basic Books, 2000. Para uma crítica à aplicação de suas propostas para o meio urbano, ver DAVIS, Mike. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

No âmbito da "autonomia", prescrevia-se o fomento à mobilização dos "pobres" em organizações locais para que fiscalizassem as instituições públicas, participassem do processo decisório local e, assim, colaborassem para "assegurar o primado da lei na vida diária".83 83 BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. Washington, DC, 2001, p. 39. Isso, por sua vez, implicaria a remoção de barreiras, em geral associadas a imigrantes ou a relações de gênero ou étnicas, que impedem certos grupos sociais de "ingressar efetivamente nos mercados"84 84 Ibid, ibdem. - isto é, de servirem de força de trabalho livremente explorável.

Por fim, melhorar a "segurança dos pobres" significava reduzir sua vulnerabilidade a riscos, como doenças, choques econômicos e catástrofes naturais, e habilitá-los a enfrentar tais riscos. Como? Primeiro, criando um ambiente favorável aos negócios, mediante o ajuste macroeconômico e institucional. Segundo, apoiando "o conjunto de recursos dos pobres (humanos, naturais, físicos, financeiros e sociais)" para que pudessem se dedicar a atividades mercantis de maior risco e rendimento "capazes de extraí-los da pobreza", seja como vendedores de sua força de trabalho, seja como produtores diretos. Terceiro, instituindo uma abordagem de "gestão de risco" que alternasse o uso dos instrumentos de política social - como seguro de saúde, assistência e pensões para idosos, seguro-desemprego, frentes temporárias de trabalho, fundos sociais, microcrédito e transferências de dinheiro - de acordo com os riscos peculiares de cada grupo social e indivíduo, a fim de garantir portas de saída permanentes que assegurassem a exposição de cada um aos imperativos de mercado.85 85 Ibid, p. 40.

Securitização do desenvolvimento e "neoliberalismo inclusivo" (2001-2014)

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, o governo americano empurrou o binômio segurança e humanitarismo para o centro da agenda do Banco Mundial, colando "pobreza" à "instabilidade global". O resultado foi uma síntese entre a agenda de liberalização econômica, o combate à pobreza e a guerra contra o terrorismo. Expressão desse movimento tem sido o engajamento cada vez maior do banco na reconstrução de Estados "falidos" e na securitização do desenvolvimento. Tais Estados se caracterizam por alta instabilidade política, conflitos internos ou transfronteiriços graves e paralisação ou colapso da autoridade pública e do sistema de tomada de decisões.86 86 Banco Mundial. World Development Report - Conflict, security, and development. Washington, DC, 2011. Assim, depois de haver atuado na Bósnia, na Faixa de Gaza, em Ruanda e Moçambique nos anos 1990, o banco passou a operar em países como Sudão, Libéria, Serra Leoa, República Democrática do Congo, Burundi, Costa do Marfim, Angola, Timor-Leste, Papua Nova-Guiné, Afeganistão, Haiti, entre outros. Por mediar e catalisar iniciativas entre doadores bilaterais e multilaterais, fundações empresarial-filantrópicas e ONGs, o banco se tornou uma das forças mais proeminentes no negócio da construção e reconstrução de Estados.87 87 Cf. HARRISON, Graham. The World Bank and Africa. Londres: Routledge, 2004; EASTERLY, William. The white man's burden. Nova York: Penguin, 2007; WILLIAMS, David. The World Bank and social transformation in international politics. Londres: Routledge, 2008; BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009; LATHAM, Michael. The right kind of revolution: modernization, development, and U.S. Foreign policy from the cold war to the present. Ithaca: Cornell University Press, 2011.

Outra dimensão importante da agenda de combate à pobreza pós-2001 tem sido a diversificação de instrumentos preconizados. Os mais recentes são os Documentos Estratégicos de Redução da Pobreza (Poverty Reduction Strategy Papers, ou PRSPs), aplicados em países pobres altamente endividados. Cada PRSP deve resultar de um processo amplo de "participação social" que demarque a "luta contra a pobreza" como prioridade nacional. Tem de conter metas claras, definidas a partir da disciplina fiscal e de um roteiro de reformas estruturais considerado crível. É com base nessas premissas que programas focalizados de redução da pobreza devem ser elaborados. Cabe ao Banco e ao FMI assessorar os governos nesse processo de concertação social, de tal maneira que cada Estado assuma a autoria do "seu" PRSP.

A elaboração dos PRSPs tem apresentado resultados politicamente favoráveis ao banco, por várias razões. A primeira é que, por meio deles, o banco assumiu a coordenação de toda a cooperação multilateral ao desenvolvimento nesses países. A segunda razão é que os PRSPs contribuíram para impor ou reforçar um modelo de política social centrado na privatização de serviços básicos (para os que podem pagar) e em transferências monetárias condicionadas e transitórias (para os que ainda não podem fazê-lo), fornecendo ao banco e à indústria da ajuda internacional uma ferramenta adicional de construção política nos países pobres mais endividados que incide nas condições gerais de reprodução social.88 88 Cf. RÜCKERT, Arne. A decade of poverty reduction strategies in Latin America: empowering or disciplining the poor? Labour, Capital and Society, 42 (1 & 2), 2009, p. 57-81; RÜCKERT, Arne. The forgotten dimension of social reproduction: the World Bank and the poverty reduction strategy paradigma. Review of International Political Economy, 17 (5), 2010, p. 816-839; THIRKELL-WHITE, Ben. Poverty reduction in Indonesia: why pro-poor growth requires more than 'getting institutions right'. Labour, Capital and Society, 42 (1 & 2), 2009, p. 141-166; CRAWFORD, Gordon & ABDULAI, Abdul-Gafaru. The World Bank and Ghana's poverty reduction strategies: strengthening the state or consolidating neoliberalism? Labour, capital and society, 42 (1 & 2), 2009, p. 83-115; CARROLL, Toby. Delusions of development: The world bank and the post-Washington consensus in southeast asia. Nova York: Palgrave, 2010; VELTMEYER, Henry & TETREAULT, Darcy (ed.) Poverty and development in latin america: public policies and development pathways. Sterling: Kumarian Press, 2013. Vendidos como uma nova geração de programas sociais por terem melhor focalização, custos administrativos mais baixos e combaterem as causas da transmissão intergeracional da pobreza, os programas de transferências monetárias condicionadas, por princípio transitórios, tornaram-se bastante usuais em inúmeros países pobres e de renda média desde o início dos anos 2000, e o banco teve papel importante nessa difusão. No Brasil, por exemplo, o Bolsa Família contou com o assessoramento e financiamento do banco e é por ele considerado exemplar.89 89 BANCO MUNDIAL. Conditional cash transfers: reducing present and future poverty. Washington, DC, 2009. Assim, a política de transferência monetária condicionada cumpre o papel de inserir crescentemente os mais pobres no consumo, com base na ideia de que cabe ao Estado desempenhar papel ativo no fortalecimento do mercado, configurando o que alguns denominam de "neoliberalismo inclusivo".90 90 CRAIG, David e PORTER, Doug. Development beyond neoliberalism? Governance, poverty reduction and political economy. Nova York: Routledge, 2006.

Conclusão

Durante o período examinado, a trajetória ascendente do Banco Mundial como organização internacional foi sinuosa, mas contínua. Sobre os escombros da guerra e em um contexto de colapso da economia europeia, a dependência em relação ao mercado financeiro americano impôs ao Bird a necessidade de conquistar a confiança de Wall Street para se viabilizar como ator financeiro. Isso modelou fortemente a trajetória da entidade em seus primeiros vinte anos de funcionamento, plasmando um perfil operacional bastante singular em relação ao das demais organizações multilaterais criadas entre 1945 e 1950, voltadas para fins "sociais".

Em resposta a pressões econômicas e políticas que se acumulavam ao longo dos anos 1950, os Estados Unidos e seus principais aliados patrocinaram a criação da AID, estendendo o alcance do Banco Mundial para as regiões mais pobres do planeta. O terreno social de atuação da AID, combinado com o deslanche da revolução verde e a preocupação com a inclinação política de grupos camponeses, empurraram o banco durante os anos 1960 para o financiamento crescente à agricultura e a projetos "sociais". Com a gestão McNamara, a carteira de empréstimos para tais setores foi ampliada consideravelmente, transformando o banco em agência de desenvolvimento. Sob McNamara, o banco estenderia sua gravitação a toda a periferia capitalista, na condição de principal financiador multilateral da revolução verde e paladino intelectual e político do combate à pobreza no mundo.

As convenções econômicas vigentes na academia anglo-americana entre 1945 e final dos anos 1960 concebiam a redução da pobreza como produto do crescimento econômico e do efeito derrame. Ao longo dos anos 1970, esse dogma foi questionado e o ceticismo aumentou. O banco, operando na interface entre os campos econômico, político e intelectual, continuou a apostar nas virtudes redentoras do crescimento, mas começou a tratar a pobreza como um fenômeno inteligível em si mesmo e passível de tratamento específico e direto, sem conexão causal com a produção e a apropriação desigual da riqueza social. Em nome da segurança do "mundo livre", o Banco Mundial patrocinou, respaldou e disseminou a construção de uma espécie da ciência da pobreza, lastreada na singularização e na quantificação do fenômeno.

Durante a década de 1980, liberalizar, desregular e privatizar se tornaram o novo mantra da instituição. Engajado na promoção do credo neoliberal na política internacional e no pensamento econômico, o banco abandonou os temas da pobreza e do desenvolvimento, centrando-se no ajuste macroeconômico e nas privatizações. Segundo a pregação de seus economistas, o ajuste era "bom para os pobres", pois os beneficiaria diretamente - e não apenas indiretamente, pela via do derrame.

No final dos anos 1980 e, com mais intensidade, a partir de 1990, o tema da pobreza foi retomado pela instituição, mas de forma subordinada ao ajuste fiscal e à reestruturação dos Estados e das políticas sociais. Sobre os alicerces herdados da gestão McNamara, a ciência da pobreza se combinou com a agenda neoliberal, resultando na disseminação de políticas sociais focalizadas e transitórias, projetadas para aliviar no curto prazo os impactos regressivos do ajustamento macroeconômico sobre grupos sociais específicos. A ação do banco foi decisiva para institucionalizar, na arena internacional, uma maneira de pensar e fazer política social, baseada na separação teórica entre produção da pobreza e produção da riqueza e na noção de mínimos sociais. Em outras palavras, a necessidade de ajustar a política social a uma função "bombeira" de amortecimento de conflitos sociais se combinou com a oportunidade de reconfigurar o uso e os fins do fundo público, a fim de rebaixar o patamar de direitos sociais - arduamente conquistados por décadas de pressão do mundo do trabalho - e abrir a própria política social (saúde, educação etc.) ao capital privado.

A obsessão com o livre mercado e o efeito derrame deu o tom das prescrições do banco até o final da década de 1990, quando crises econômicas nos principais "mercados emergentes" pauperizaram velozmente milhões de trabalhadores e o ceticismo sobre as receitas clichês da instituição aumentou, agudizando as pressões sobre o banco vindas de todos os lados - inclusive de dentro dele próprio.

Depois de 11 de setembro de 2001, o banco enfatizou a relação entre segurança e humanitarismo, em sintonia com a doutrina da guerra preventiva e a promoção de democracias de mercado patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos. Seja por esse novo vetor, seja pelo seu engajamento na neoliberalização das políticas sociais, o "combate à pobreza" foi plenamente incorporado pela instituição, abarcando desde programas de alívio compensatório até transferências de renda condicionadas e transitórias, concebidos como mecanismos auxiliares da desregulação e privatização das economias nacionais.

Setenta anos depois de sua criação, o banco havia se transformado radicalmente e parte substantiva dessa mutação era decorrência das formas pelas quais a "pobreza" havia sido abordada pela instituição, em função de fatores políticos, econômicos e intelectuais.

  • 1
    KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005; PANITCH, Leo e GINDIN, Sam. The making of global capitalism: the political economy of American Empire. Londres: Verso, 2013.
  • 2
    BANDEIRA, Luiz A. M. Formação do império americano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006; FONTANA, Josep. Por el bien del imperio: una historia del mundo desde 1945. Barcelona: Pasado & Presente, 2011.
  • 3
    Cf. LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007; KRIGE, John. American Hegemony and the Postwar Reconstruction of Science in Europe. Cambridge/Londres: MIT Press, 2006; ROBIN, Ron. The making of the cold war enemy: culture and politics in the military-intellectual complex. Princeton: Princeton University Press, 2001.
  • 4
    Cf. ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Bogotá: Editorial Norma, 1996; RIST, Gilbert. El desarrollo: historia de una creencia occidental. Madri: Catarata, 2002.
  • 5
    Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 129; KIRK, Jason. India and the World Bank. Londres: Anthem, 2010, p. 7; KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005, p. 21.
  • 6
    Cf. MASON, Edward e ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 24; KOLKO, Gabriel. The politics of war: the world and United States foreign policy, 1943-45. 2nd edition. Nova York: Pantheon, 1990, p. 257.
  • 7
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 119.
  • 8
    ALACEVICH, Michele. The political economy of the world bank: the early uears. Palo Alto/Washington, DC: Stanford University Press/The World Bank, 2009, p. 129-136.
  • 9
    Lançado por Truman em 1949, o Ponto IV tinha como objetivo prestar assistência técnica e financeira a países considerados subdesenvolvidos em diversas áreas da atividade econômica, político-administrativa, educacional, cultural e científica, com vista a aumentar o crescimento econômico, elevar os padrões de vida da população e massificar a ideologia do "mundo livre". Enfatizando a ligação entre os interesses de segurança dos Estados Unidos e o desenvolvimento do Terceiro Mundo, o programa marcou o começo de gastos mais substanciais no campo da ajuda externa a países não europeus. Cf. BUTTERFIELD, Samuel. U.S. Development aid - an historic first. Westport: Praeger, 2004; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. A vinculação entre o Banco e o Ponto IV pode ser constatada em BIRD. Fourth Annual Report. Washington, DC, 1949, p. 7.
  • 10
    MASON, Edward & ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 407; KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. Washington, DC: Brookings Institution Press, v. 1, 1997, p. 188.
  • 11
    KOFAS, Jon. Independence from America: global integration and inequality. Burlington: Ashgate, 2005, p.7-28; GARCÉS, Joan. Soberanos e intervenidos: estrategias globales, americanos y españoles. Madri: Siglo XXI, 3ª ed., 2008, p.106; GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al. (ed.). The World Bank: its first half century - perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 195-274.
  • 12
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 123.
  • 13
    Ver FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick & PACKARD, Randall (ed.). International development and the social sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 207; ESCOBAR, Arturo. La invención del Tercer Mundo: construcción y deconstrucción del desarrollo. Bogotá: Editorial Norma, 1996.
  • 14
    Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 146-148; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66-67.
  • 15
    Cf. LATHAM, Michael. Modernization as Ideology: american social science and "nation building" in the Kennedy era. Chapel Hill/Londres: The University of Carolina Press, 2000, p. 53-57.
  • 16
    Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history. v. 1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 116-117; STERN, Nicholas e FERREIRA, Francisco. The World Bank as "intellectual actor". In: KAPUR, Devesh et al. (ed.). The World Bank: its first half century - perspectives. v. 2. Washington, DC: Brookings Institution Press,1997, p. 530-532. Não é demais ressaltar que o estruturalismo latino-americano, cujo epicentro era a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), fundada em 1948, advogava teses opostas àquelas veiculadas pelo banco. Para um amplo panorama dessa escola de pensamento, ver RODRÍGUEZ, Octavio. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Cepal, 2009.
  • 17
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - history, v.1. Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 1.126; LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66.
  • 18
    MASON, Edward e ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods. Washington, DC: The Brookings Institution, 1973, p. 382-386.
  • 19
    GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al. (eds.) The World Bank: its first half century - perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 205-206.
  • 20
    MAGDOFF, Harry. A era do imperialismo: a economia da política externa dos Estados Unidos. São Paulo: Hucitec, 1978.
  • 21
    MASON, Edward & ASHER, Robert. The World Bank since Bretton Woods, op. cit., p. 386; WOODS, Ngaire. The globalizers, op. cit., p. 44.
  • 22
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 170.
  • 23
    KIRK, Jason. India and the World Bank. Londres: Anthem, 2010.
  • 24
    A ajuda bilateral americana estava dispersa em diversas agências e sujeita a mudanças organizacionais contínuas. No geral, foi largamente econômica entre 1946 e 1951, militar entre 1952 e 1956 e cada vez mais novamente econômica entre 1957 e 1968. Cf. KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 150-151. A mais notável delas foi a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), criada por Kennedy em 1961 a partir da unificação de duas agências (o Development Loan Fund e a International Cooperation Agency, que era parte do Departamento de Estado e responsável pela ajuda técnica). A assistência prestada pela Usaid era condicionada ao fato de o Estado receptor ter um plano de desenvolvimento de longo prazo para o país. Esse foi o começo de um processo de programação por país (em contraste com financiamentos ad hoc), no qual um conjunto de necessidades seria considerado nas decisões sobre como, onde e o que financiar. Para detalhes, cf. LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 71-76.
  • 25
    Por exemplo, em 1957-58, a criação do Fundo de Empréstimo ao Desenvolvimento (Development Loan Fund) dos Estados Unidos, o Fundo de Desenvolvimento Europeu (European Development Fund), a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (United Nations Economic Commission for África) e o primeiro consórcio internacional de assistência à Índia, sob coordenação do Bird. Em 1960 surgiram a AID e a Associação Canadense de Desenvolvimento Internacional (Canadian International Development Association); em 1961, o segundo consórcio internacional de ajuda (para o Paquistão), o Ministério da Cooperação na França e na Alemanha, o serviço de cooperação da Suíça, o Fundo de Cooperação Econômica Exterior do Japão (Japan's Overseas Economic Cooperation Fund) e o Comitê Interamericano da Aliança para o Progresso; em 1962, as organizações de ajuda bilateral da Bélgica, Dinamarca e Noruega; em 1964, o Banco de Desenvolvimento Africano e, em 1966, o Banco de Desenvolvimento Asiático.
  • 26
    GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (eds.) The World Bank: Its First Half Century - Perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 207-208; DEZALAY, Yves e GARTH, Bryant. La internacionalización de las luchas por el poder. México, DF: UNAM, 2005, p. 101-110.
  • 27
    LANCASTER, Carol. Foreign aid: diplomacy, development, domestic politics. Chicago: The University of Chicago Press, 2007, p. 66-67.
  • 28
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 187-188.
  • 29
    PERKINS, John H. Geopolitics and the Green Revolution: Wheat, Genes, and the Cold War. Nova York: Oxford University Press, 1997.
  • 30
    BURBACH, Roger & FLYNN, Barbara. Agroindústria nas Américas. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 122.
  • 31
    LAPPÉ, Frances M. & COLLINS, Joseph. Comer és primero: más allá del mito de la escasez. México, DF: Siglo XXI, 1982, p. 115-122; SHIVA, Vandana. The Violence of Green Revolution. Londres: Zed Books, 1991, p. 171-194.
  • 32
    SCHULTZ, Theodor. A transformação da agricultura tradicional. Rio de Janeiro: Zahar, 1965.
  • 33
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 386; OLIVER, Robert. George Woods and the World Bank. Boulder: Lynne Rienner, 1995, p. 165.
  • 34
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 197.
  • 35
    Ex-aluno da Harvard Business School e ex-presidente da Ford Motor Company, McNamara ocupava o cargo de secretário de Defesa dos Estados Unidos desde 1961, quando foi guindado pela Casa Branca para a presidência do Banco Mundial em abril de 1968. Ele foi o primeiro presidente da instituição não oriundo de Wall Street, mas sim do aparato político e de segurança do Estado.
  • 36
    McNAMARA, Robert. A essência da segurança. São Paulo: Ibrasa, 1968.
  • 37
    McNAMARA, Robert. A imposição do desenvolvimento. In: Idem. Cem países, dois bilhões de seres: a dimensão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 3-16.
  • 38
    O que, diga-se de passagem, economistas como Celso Furtado e Albert Hirschman já afirmavam desde o final dos anos 1950 e, com mais intensidade, ao longo da década seguinte.
  • 39
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 217.
  • 40
    FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick &PACKARD, Randall (ed.) International Development and the Social Sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 207; KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 247.
  • 41
    McNAMARA, Robert. A imposição do desenvolvimento. In: Idem. Cem países, dois bilhões de seres: a dimensão do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 8-9.
  • 42
    CHENERY, Hollis et al. Redistribución con crecimiento. Madri: Tecnos, 1976.
  • 43
    HUNTINGTON, Samuel. Political Order in Changing Societies. Londres: Yale University Press, 1968, p. 302.
  • 44
    FINNEMORE, Martha. Redefining development at the World Bank. In: COOPER, Frederick & PACKARD, Randall (ed.) International Development and the Social Sciences. Berkeley: University of California Press, 1997, p. 208.
  • 45
    KANBUR, Ravi & VINES, David. The World Bank and poverty reduction: past, present and future. In: GILBERT, Christopher & VINES, David (ed.) The World Bank: Structure and Policies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 88-92.
  • 46
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 251.
  • 47
    AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 9.
  • 48
    BABB, Sarah. Behind the Development Banks: Washington Politics, World Poverty, and the Wealthy of Nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 55; GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (ed.) The World Bank: Its First Half Century - Perspectives, vol 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 216.
  • 49
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 239-240.
  • 50
    FEDER, Ernest. La pequena revolución verde de McNamara. Comercio Exterior, v. 26 (7), 1976, p. 793-803.
  • 51
    AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 104.
  • 52
    BUSTELO, Pablo. Teorías contemporáneas del desarrollo económico. Madri: Sintesis, 1999, p. 155.
  • 53
    AYRES, Robert. Banking on the Poor: the World Bank and World Poverty. Londres: MIT Press, 1983, p. 85-89.
  • 54
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 265-267.
  • 55
    STREETEN, Paul et al. Lo primero es lo primero. Madri: Tecnos/Banco Mundial, 1986, p. 95-105.
  • 56
    O RDM é a publicação anual mais importante do BM e a mais cara do gênero. Editado desde 1978, é um documento político que transmite a mensagem principal da instituição sobre assuntos-chave, porém sob a aparência da melhor pesquisa técnica.
  • 57
    GOWAN, Peter, op. cit., p. 45-50; BRENNER, Robert. O boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 67-73; DUMÉNIL, Gérard & LÉVY, Dominique. Crisis y salida de la crisis: orden y desorden neoliberales. México, DF: FCE, 2007.
  • 58
    TAVARES, Maria da Conceição. A retomada da hegemonia norte-americana. In: TAVARES, Maria da Conceição & e FIORI, José Luís (org.) Poder e dinheiro: uma economia política da globalização. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 27-53.
  • 59
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 324.
  • 60
    Esse conjunto de prescrições figurou nos RDMs de 1978 a 1982.
  • 61
    GWIN, Catherine. U.S. relations with the World Bank, 1945-1992. In: KAPUR, Devesh et al (ed.) The World Bank: its first half century - Perspectives, v. 2, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 236.
  • 62
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 331-340.
  • 63
    Para detalhes, ver GEORGE, Susan & SABELLI, Fabrizio. La religión del crédito: el Banco Mundial y su imperio secular. 2ª edición. Barcelona: Intermón, 1996, p. 163-175; e também BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 82-84.
  • 64
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 353.
  • 65
    BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009, p. 161.
  • 66
    CORNIA, Giovanni et al. (ed.) Adjustment with a human face. Washington, DC: Oxford University Press, 1987.
  • 67
    KAPUR, Devesh et al. The World Bank: its first half century - History, v. 1, Washington, DC: Brookings Institution Press, 1997, p. 367.
  • 68
    SANAHUJA, José Antonio. Altruismo, mercado y poder: el Banco Mundial y la lucha contra la pobreza. Barcelona: Intermón Oxfam, 2001, p. 131; STAHL, Karin. Política social en América Latina: la privatización de la crisis. Nueva Sociedad, n. 131, 1994, p. 54-58.
  • 69
    O CW prescrevia dez medidas de reforma econômica: privatização de empresas públicas; liberalização comercial; desregulação da economia; liberalização do investimento externo direto; disciplina fiscal; reorientação do gasto público para infraestrutura, saúde primária e educação básica; taxa de juros definida pelo mercado; taxa de câmbio competitiva, definida pelo mercado; reforma tributária, com ampliação de impostos básicos e moderação de impostos marginais; garantia dos direitos de propriedade. Cf. WILLIAMSON, John. What Washington means by policy reform. In: Idem (org.). Latin American Adjustment: how much has happened. Washington, DC: IIE, 1990, p. 5-20.
  • 70
    WILLIAMSON, John. Democracy and the 'Washington Consensus'. World Development, v. 21 (8), 1993, p. 1334.
  • 71
    BABB, Sarah. The Washington Consensus as transnational policy paradigm: Its origins, trajectory and likely successor. Review of International Political Economy, 20 (2), 2013, p. 268-297.
  • 72
    VILAS, Carlos M. De ambulancias, bomberos y policías: la política social del neoliberalismo (notas para una perspectiva macro). Desarrollo Económico, v. 36 (144), p. 931-952, 1997.
  • 73
    BANCO MUNDIAL. Sub-Saharan Africa: from crisis to sustainable growth. Washington, DC, 1989; BANCO MUNDIAL. Informe sobre el desarrollo mundial - la pobreza. Washington, DC, 1990; BANCO MUNDIAL. World Development Report - the challenge of development. Washington, DC, 1991; BANCO MUNDIAL. Governance and Development. Washington, DC, 1992.
  • 74
    DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 83; DEZALAY, Yves & GARTH, Bryant. La internacionalización de las luchas por el poder. México, DF: UNAM, 2005, p. 288; GUILHOT, Nicolas. The democracy makers: human rights and the politics of global order. Nova York: Columbia University Press, 2005, p. 215-217.
  • 75
    Cf. KISSINGER, Henry. Diplomacia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997, p. 960; WADE, Robert Hunter. Making the WDR 2000: attacking poverty. World Development, 29 (8), 2001, p. 114.
  • 76
    VILAS, Carlos M. ¿Más allá del 'Consenso de Washington'? Un enfoque desde la política de algunas propuestas del Banco Mundial sobre la reforma institucional. América Latina Hoy, 26, 2000, p. 23.
  • 77
    BANCO MUNDIAL. World Development Report - The evolving role of the state. Washington, DC, 1997; BURKI, Shahid J. e PERRY, Guillermo. The Long March: a reform agenda for latin america and the caribbean in the next decade. Washington, DC: The World Bank, 1997; BURKI, Shahid J. & PERRY, Guillermo. Más allá del Consenso de Washington: la hora de la reforma institucional. Washington, DC: Banco Mundial, 1998.
  • 78
    STIGLITZ, Joseph. Más instrumentos y metas más amplias para el desarrollo. Hacia el consenso post-Washington. Instituciones & Desarrollo, octubre, p. 13-57, 1998; NAÍM, Moisés. Washington Consensus or Washington confusion? Foreign Policy, n. 118, 2000, p. 86-103.
  • 79
    STIGLITZ, Joseph. Economics of the public sector. Nova York: W. W. Norton & Company, 2000; STIGLITZ, Joseph. Más instrumentos y metas más amplias para el desarrollo. Hacia el Consenso Post-Washington. Instituciones & Desarrollo, octubre, p. 13-57.
  • 80
    SEN, Amartya. Development as freedom. Nova York: Anchor, 2000.
  • 81
    WADE, Robert H. US hegemony and the World Bank: the fight over people and ideas. Review of International Political Economy, 9 (2), 2002, p. 215-243.
  • 82
    Assessor principal do presidente Alberto Fujimori para a implementação das reformas neoliberais no Peru, Hernando de Soto fundou o Instituto para Liberdade e Democracia (ILD), a partir do qual presta assessoria a governos do mundo interessados na implantação da sua principal proposta: a privatização de terras comunais e públicas e a formalização dos bens imobiliários em poder dos "pobres" (barracos, posse de terra urbana ou rural etc.) como mecanismos de expansão da economia capitalista. Seus livros foram traduzidos para mais de dez idiomas. A sua principal obra é The mystery of Capital: why capitalism triumphs in the west and fails everywhere else. Nova York: Basic Books, 2000. Para uma crítica à aplicação de suas propostas para o meio urbano, ver DAVIS, Mike. Planeta favela. São Paulo: Boitempo, 2006.
  • 83
    BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. Washington, DC, 2001, p. 39.
  • 84
    Ibid, ibdem.
  • 85
    Ibid, p. 40.
  • 86
    Banco Mundial. World Development Report - Conflict, security, and development. Washington, DC, 2011.
  • 87
    Cf. HARRISON, Graham. The World Bank and Africa. Londres: Routledge, 2004; EASTERLY, William. The white man's burden. Nova York: Penguin, 2007; WILLIAMS, David. The World Bank and social transformation in international politics. Londres: Routledge, 2008; BABB, Sarah. Behind the development banks: Washington politics, world poverty, and the wealthy of nations. Chicago: The University of Chicago Press, 2009; LATHAM, Michael. The right kind of revolution: modernization, development, and U.S. Foreign policy from the cold war to the present. Ithaca: Cornell University Press, 2011.
  • 88
    Cf. RÜCKERT, Arne. A decade of poverty reduction strategies in Latin America: empowering or disciplining the poor? Labour, Capital and Society, 42 (1 & 2), 2009, p. 57-81; RÜCKERT, Arne. The forgotten dimension of social reproduction: the World Bank and the poverty reduction strategy paradigma. Review of International Political Economy, 17 (5), 2010, p. 816-839; THIRKELL-WHITE, Ben. Poverty reduction in Indonesia: why pro-poor growth requires more than 'getting institutions right'. Labour, Capital and Society, 42 (1 & 2), 2009, p. 141-166; CRAWFORD, Gordon & ABDULAI, Abdul-Gafaru. The World Bank and Ghana's poverty reduction strategies: strengthening the state or consolidating neoliberalism? Labour, capital and society, 42 (1 & 2), 2009, p. 83-115; CARROLL, Toby. Delusions of development: The world bank and the post-Washington consensus in southeast asia. Nova York: Palgrave, 2010; VELTMEYER, Henry & TETREAULT, Darcy (ed.) Poverty and development in latin america: public policies and development pathways. Sterling: Kumarian Press, 2013.
  • 89
    BANCO MUNDIAL. Conditional cash transfers: reducing present and future poverty. Washington, DC, 2009.
  • 90
    CRAIG, David e PORTER, Doug. Development beyond neoliberalism? Governance, poverty reduction and political economy. Nova York: Routledge, 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2015
  • Aceito
    31 Mar 2016
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