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Vale quanto pesa? A influência das eleições de governador sobre a composição da Câmara dos Deputados no Brasil (1994-2018)

Is it worth its weight? The influence of gubernatorial elections on the composition of Brazil’s Chamber of Deputies (1994-2018)

¿Vale lo que pesa? La influencia de las elecciones de gobernador en la composición de la Cámara de Diputados en Brasil (1994-2018)

Le jeu en vaut-il la chandelle ? L'influence des élections des gouverneurs sur la composition de la Chambre des Députés au Brésil (1994-2018)

Por mais de duas décadas, dois partidos protagonizaram a competição presidencial no Brasil, o que levou parte da literatura a considerar que o sistema partidário nacional estaria centrado na corrida presidencial. Estudos recentes, porém, têm destacado a influência do arranjo federativo e de eleições subnacionais para o entendimento do sistema político brasileiro. Este artigo emprega um modelo de regressão binomial negativo para examinar dados eleitorais de 1994 a 2018 e testar a hipótese de que as eleições para governador são mais influentes do que a corrida presidencial na distribuição de assentos na Câmara dos Deputados. Destacam-se os seguintes resultados: (i) liderar uma coligação presidencial não acresce o número de cadeiras conquistadas na Câmara; (ii) lançar candidatos a governador amplia a quantidade de deputados federais eleitos por cada partido.

partidos políticos; eleições legislativas; efeito; coattails; sistema partidário; política brasileira


Abstract

For over two decades, two political parties played the leading role in the Brazilian presidential elections, which led some scholars to consider that the national party system is focused on the presidential race. However, recent studies highlight the significant influence of statewide elections on understanding the Brazilian party system. This paper applies a negative binomial regression model to examine electoral data from 1994 to 2018 and tests the hypothesis that gubernatorial elections are more influential than the presidential campaign in the allocation of seats in the Chamber of Deputies. We highlight the following findings: (i) leading a presidential coalition does not increase the number of seats in the Lower House; (ii) launching gubernatorial candidates raises the number of national representatives elected by each party.

political parties; legislative elections; coattails effect; party system; Brazilian politics

Resumen

Durante más de dos décadas, dos partidos lideraron las elecciones presidenciales en Brasil, lo que llevó a que parte de la literatura considerara que el sistema nacional de partidos se centraría en la competencia presidencial. Sin embargo, estudios recientes han destacado la influencia de las elecciones regionales en la formación del sistema brasileño. Este artículo emplea un modelo de regresión binomial negativo para examinar datos electorales de 1994 a 2018 y probar la hipótesis de que las elecciones para gobernador son más influyentes que la carrera presidencial en la distribución de escaños en la Cámara de Diputados. Se destacan los siguientes resultados: (i) liderar una coalición presidencial no aumenta el número de escaños obtenidos en la Cámara; (ii) el lanzamiento de candidatos a gobernador aumenta el número de diputados federales elegidos por cada partido.

partidos políticos; elecciones legislativas; efecto coattail del gobernador; sistema de partidos; política brasileña

Résumé

Pendant plus de deux décennies, deux partis politiques ont mené la compétition présidentielle au Brésil, ce qui a conduit un volet de la littérature à considérer que le système national de partis serait centré sur la course présidentiell. Des études récentes ont toutefois mis en évidence l’influence du système fédératif et des élections infranationales dans la formation du système brésilien. Cet article utilise un modèle de régression binomiale négative pour examiner les données électorales de 1994 à 2018 et tester l'hypothèse selon laquelle les élections au poste de gouverneur ont plus d'influence que la course présidentielle dans la répartition des sièges à la Chambre des Députés. Les résultats suivants ressortent : (i) diriger une coalition présidentielle n'augmente pas le nombre de sièges remportés à la Chambre ; (ii) le lancement de candidats au poste de gouverneur fait augmenter le nombre de députés fédéraux élus par chaque parti.

partis politiques; élections législatives; coattail effect; système de partis; politique brésilienne

Introdução2 2 O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, da FAPDF - Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal e da FAPESP -Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processos 2020/14153-7 e 2023/05985-7).

Não é novidade que o sistema político brasileiro convive com um número bastante alto de partidos políticos, contabilizando, atualmente, vinte e nove legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral3 3 Partidos políticos registrados no TSE. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse. Acesso em: 06 dez. 2023. . A literatura em Ciência Política, nos últimos anos, tem se empenhado na tentativa de entendimento do modo de organização do sistema partidário brasileiro. Algumas interpretações se destacaram na busca por uma perspectiva explicativa sobre nosso sistema de partidos, embora seja evidente alguma dose de discordância entre elas (Samuels, 2000Samuels, D. “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, nº 1, p. 240–253, 2000.; Anastasia; Nunes; Meira, 2010; Carreirão; Nascimento, 2010Carreirão, Y. S.; Nascimento, F. “As coligações nas eleições para os cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual no Brasil (1986/2006)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 75–104, 2010.; Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Avelino; Biderman; Barone, 2012; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.; Carreirão, 2014Carreirão, Y. S. “O sistema partidário brasileiro: um debate com a literatura recente”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 14, p. 255–295, 2014.; Soares, 2013Soares, M. M. “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados brasileira (1994-2010)”. Dados, vol. 56, nº 2, p. 413–437, 2013.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Borges; Turgeon, 2019Borges, A.; Turgeon, M. “Presidential coattails in coalitional presidentialism”. Party Politics, vol. 25, nº 2, p. 192–202, 2019.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.).

Com a unificação do calendário eleitoral em 19944 4 As eleições de 1994 para os cargos de presidente, governador, senador, deputados federal, estadual e distrital foram organizadas em data simultânea pela Lei Nº 8.713, de 30 de setembro de 1993, combinada com a Resolução-TSE n° 14.427, de 21.7.1994, que regia as eleições daquele ano. A disposição sobre a coincidência da data dos pleitos entra de forma definitiva para o ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei Nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas gerais para as eleições. , as eleições presidenciais passaram a ser realizadas simultaneamente aos pleitos para escolha de governadores, senadores, deputados estaduais e deputados federais. O ano eleitoral em questão também pode ser destacado como o momento inicial de surgimento de uma rivalidade na corrida presidencial entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Os dois partidos mantiveram-se como os principais competidores pela chefia do Executivo nacional por duas décadas, quando o PSDB não reuniu votos suficientes para disputar o segundo turno das eleições de 2018. É provável que o longo período de protagonismo dessas legendas na competição presidencial tenha feito com que parte da literatura enxergasse, talvez com algum otimismo, que as eleições para presidente pudessem servir como sustentáculo para a competição política e para o sistema partidário no Brasil (Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.). Sob essa perspectiva, a coordenação dos partidos em torno da disputa pela chefia do Executivo federal seria capaz de oferecer balizas que orientariam a estrutura do sistema partidário nacional.

De modo contrário, parte da literatura tem destacado evidências que sugerem a importância de competições subnacionais para o entendimento de dinâmicas relevantes à evolução do sistema partidário brasileiro (Samuels, 2000Samuels, D. “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, nº 1, p. 240–253, 2000.; Ribeiro, 2005; Anastasia; Nunes; Meira, 2010; Carreirão; Nascimento, 2010Carreirão, Y. S.; Nascimento, F. “As coligações nas eleições para os cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual no Brasil (1986/2006)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 75–104, 2010.; Miguel; Machado, 2010Miguel, L. F.; Machado, C. De partido de esquerda a partido do governo. O PT e suas coligações para prefeito (2000 a 2008). In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Peixoto, 2010Peixoto, V. Coligações eleitorais nos municípios brasileiros: competição e estratégia. In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Avelino; Biderman; Barone, 2012; Soares, 2013Soares, M. M. “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados brasileira (1994-2010)”. Dados, vol. 56, nº 2, p. 413–437, 2013.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Borges; Turgeon, 2019Borges, A.; Turgeon, M. “Presidential coattails in coalitional presidentialism”. Party Politics, vol. 25, nº 2, p. 192–202, 2019.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.; Lavareda; Alves, 2022Lavareda, A.; Alves, V. S. Eleições municipais como barômetros ideológicos e a ciclicalidade eleitoral da Nova República. In: Lavareda, A.; Telles, H. (Eds.). Eleições municipais na pandemia. 1ª edição. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2022.).

Logo, existem alguns indícios que nos levam a enxergar, com cautela, o argumento de que a eleição presidencial atua fortemente na organização do sistema partidário brasileiro. Com efeito, apesar de PT e PSDB terem se consolidado como os maiores competidores na corrida presidencial, as suas respectivas bancadas na Câmara dos Deputados não evoluíram proporcionalmente desde 1994, nem mesmo o número de governadores eleitos por cada legenda desde então. Considerando-se, ainda, o crescente número de partidos que têm conquistado assentos no Legislativo, é razoável argumentar que há elementos negligenciados nos estudos sobre a organização do sistema partidário no Brasil que merecem atenção.

Neste sentido, o principal objetivo deste artigo é comparar como a estrutura de competição em torno das eleições para presidente e governador influencia a disputa por assentos na Câmara dos Deputados5 5 Este artigo chama atenção para um exame comparado acerca da influência das entradas dos partidos nas eleições de governador e presidente sobre a conquista de cadeiras na Câmara dos Deputados. Portanto, propõe-se uma interpretação do sistema partidário brasileiro a partir do influxo exercido pela estrutura da competição em torno dos Executivos federal e estadual sobre o acesso a assentos na Câmara dos Deputados. Para estudos que se concentram especificamente no exame da formação e congruência de coligações partidárias para cargos majoritários e proporcionais, determinantes de voto e desempenho nas eleições de deputado federal, ver, entre outros: Pereira e Rennó (2007, 2001), 2001); Leoni, Pereira e Rennó (2003); Mizuca (2007); Guarnieri (2011); Miranda (2013); Borges e Sanches Filho (2016); Mesquita (2016); Meireles (2019); Borges (2019). , buscando contribuir para o entendimento do sistema partidário nacional. Argumenta-se, ao examinar os efeitos do posicionamento dos partidos em torno das disputas pelo Executivo federal e estadual sobre a ocupação de cadeiras na câmara baixa, que é possível contribuir para a identificação de raízes que condicionam a estrutura e o desenvolvimento do sistema partidário brasileiro, considerando o arranjo federativo característico do desenho institucional do país e suas implicações (Lima Junior, 1983, 1997a, 1997b; Carneiro; Almeida, 2008Carneiro, L. P.; Almeida, M. H. T. “Definindo a arena política local: sistemas partidários municipais na Federação Brasileira”. Dados, vol. 51, nº 2, p. 403–432, 2008.).

Especificamente, o seguinte problema de pesquisa é enfrentado: como os diferentes arranjos e estratégias de entrada dos partidos na competição pelo Executivo federal e estadual têm afetado seu desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados? Tem-se por hipótese que a estratégia de lançamento de candidatos a governador oferece mais ganhos em termos de cadeiras no Legislativo nacional do que a presença em eleições presidenciais. Sendo assim, as eleições para governador seriam mais influentes sobre a composição da câmara baixa do que a competição presidencial. Dessa forma, os pleitos para o Executivo estadual desempenhariam papel essencial para o entendimento do sistema partidário nacional, especialmente por evidenciarem como uma maior presença nas competições pelos governos estaduais está associada a um maior número de assentos conquistados por um partido na Câmara dos Deputados.

Para os testes de hipótese, foram coletados dados referentes aos pleitos de deputado federal, governador e presidente, entre 1994 e 2018. A análise utilizou-se de um modelo de regressão binomial negativo cuja variável dependente é o número de deputados federais eleitos, em cada ano, pelos partidos políticos que competiram por assentos na Câmara dos Deputados durante o período mencionado. A opção por essa abordagem empírica justifica-se, pois o desempenho das legendas nos pleitos para a câmara baixa e a própria composição dessa casa são reconhecidos pela literatura como elementos centrais no debate sobre a organização de um sistema de partidos.

Muito embora a literatura que afirma a centralidade da eleição presidencial não discuta diretamente uma conexão entre esta e a corrida por assentos na Câmara dos Deputados, é razoável considerar que um sistema de partidos fortemente orientado pela corrida presidencial teria como externalidade plausível a influência dessa disputa sobre seu formato. Enquanto a competição presidencial em torno de dois partidos assumia uma dinâmica razoavelmente previsível por duas décadas, a quantidade crescente de legendas que acessavam a câmara baixa chamava atenção para possíveis dissonâncias sobre o entendimento da evolução do sistema partidário nacional. Vale destacar, ainda, que a composição da Câmara condiciona o acesso a recursos que viabilizam a existência e continuidade das legendas no caso brasileiro, o que corrobora uma investigação em torno dos fatores que favorecem o desenvolvimento do nosso sistema de partidos.

Dentre os principais resultados, destaca-se que a estratégia de liderar uma coligação em disputa pela presidência não está associada a ganhos adicionais em cadeiras no Legislativo nacional, ao passo que a maior presença nas eleições para governador está ligada a um melhor desempenho dos partidos na disputa por cadeiras na Câmara dos Deputados. Além disso, nota-se que algumas estratégias de coordenação partidária em torno da competição presidencial produzem resultados distintos. Observa-se, por exemplo, um desempenho favorável das legendas que pegam carona na corrida presidencial – aquelas que não encabeçam, mas participam de uma coligação em disputa pelo Executivo nacional –, diferentemente da experiência dos partidos que lançam candidaturas presidenciais isoladas.

O artigo está organizado da seguinte forma: após a introdução, apresentam-se os principais achados e reflexões teóricas que contribuem para o debate sobre efeito coattails de presidente e governador, além das interpretações mais influentes sobre a organização do sistema partidário brasileiro. Na seção subsequente, são detalhados os procedimentos metodológicos de coleta e análise dos dados e, na seguinte, apresentados e discutidos os resultados. Por fim, nas “Considerações finais”, apresenta-se uma síntese dos resultados e das contribuições oferecidas para o debate sobre o tema.

Interpretações sobre o sistema partidário brasileiro

A organização e consolidação de um sistema partidário são elementos centrais para o debate sobre a continuidade e estabilidade de sistemas democráticos. Existe um consenso na literatura em torno da noção de que não há democracias sem a presença de um sistema com partidos minimamente organizados, com padrões que viabilizem a continuidade de processos políticos centrais ao funcionamento de governos democráticos.

E como podemos identificar quando um sistema partidário favorece a estabilidade de democracias? Inicialmente, a literatura concentrou-se no enraizamento dos partidos na sociedade e na estabilidade dos padrões de votação por eles recebidos em pleitos sucessivos (Mainwaring; Torcal, 2005Mainwaring, S.; Torcal, M. “Teoria e institucionalização dos sistemas partidários após a terceira onda de democratização”. Opinião Pública, Campinas, vol. 11, nº. 2, p. 249–286, out. 2005.). Nesse primeiro momento, a discussão sobre institucionalização6 6 A literatura, hoje, reconhece severas limitações para o enquadramento analítico de sistemas partidários nos termos propostos pelo conceito de institucionalização de Mainwaring e Scully (1995), em especial para democracias mais jovens. O rigor demandado pelos autores para a definição de um sistema institucionalizado, que envolve sobretudo a estabilidade das votações e laços estreitos entre eleitores e partidos, acaba por limitar o bom uso do conceito. Isso porque dele escapa a realidade de diversos sistemas democráticos, inclusive de democracias tradicionais, que passaram por transformações importantes em seus sistemas de partidos nas últimas décadas, sobretudo com o arrefecimento dos laços entre eleitores e organizações partidárias, motivados por percepções sobre a ilegitimidade de partidos políticos (Katz; Mair, 1995; Ignazi, 2014, 2018), 2018). de um sistema partidário, de acordo com Wolinetz (2006)Wolinetz, S. Party systems and party system types. In: Katz, R. S.; Crotty, W. (Eds.). Handbook of Party Politics. London: Sage Publications, 2006., privilegiava a análise dos vínculos entre eleitores e partidos, subestimando a importância de um aspecto relacional ou de interação entre os elementos de um sistema para a discussão das condições propícias à estabilidade democrática.

Para Mainwaring e Scully (1995)Mainwaring, S.; Scully, T. Building Democratic Institutions: party systems in Latin America. Stanford: Stanford University Press, 1995., o sistema institucionalizado seria aquele com partidos fortemente organizados e estabelecidos a partir de vínculos com grupos na sociedade, reconhecidos como atores essenciais e legítimos para o funcionamento de processos democráticos. Nesse sentido, o debate sobre institucionalização envolvia, por via reflexa, a observação de alguma estabilidade nos padrões de votação recebidos pelos partidos em pleitos sucessivos.

A discussão que se concentrava sobretudo na continuidade e robustez dos laços entre a sociedade e as organizações partidárias oferecia obstáculos consideráveis para o enquadramento analítico de democracias mais recentes, como é o caso das democracias na América Latina. Em vista disso, Luna e Altman (2011)Luna, J. P.; Altman, D. “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, vol. 53, nº 2, p. 1–28, jan. 2011. destacam que uma das limitações do conceito de institucionalização se deve ao fato de que os sistemas políticos não poderiam ser adequadamente examinados a partir de uma perspectiva unidimensional, em que todos os elementos integrantes da definição de sistema institucionalizado caminhassem no mesmo sentido.

As limitações podem ser mais bem percebidas ao considerarmos que a estabilidade do desempenho eleitoral de alguns partidos não necessariamente está associada ao estreitamento dos seus vínculos com eleitores, conforme aponta Melo (2018)Melo, C. R. Os partidos nas democracias: passado, presente e futuro. In: Mendonça, R. F.; Cunha, E. S. M. (Eds.). Introdução à teoria democrática: conceitos, histórias, instituições e questões transversais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018. sobre os casos brasileiro e chileno. Vale destacar, ainda, que até mesmo obstáculos de natureza empírica dificultavam a utilização do enquadramento teórico proposto por Mainwaring e Scully (1995)Mainwaring, S.; Scully, T. Building Democratic Institutions: party systems in Latin America. Stanford: Stanford University Press, 1995., tendo em vista a demanda por surveys e estudos de painel para a aferição dos níveis de identificação partidária ao longo do tempo, elemento tido como central para a estabilidade de preferências dos eleitores.

Partindo de uma abordagem analítica considerada mais apropriada ao exame de democracias contemporâneas, em outro momento marcante na agenda, Mair (2006)Mair, P. Party system change. In: Katz, R.; Crotty, W. J. (Eds.). Handbook of Party Politics. London: Sage Publications, 2006. enuncia que a estrutura da competição pelo Executivo constitui o núcleo de organização de um sistema partidário7 7 Ao analisar a estrutura da competição a partir da interação entre os partidos e o formato adquirido pela disputa pelo Executivo, Mair (1996, 2006), 2006) sugere que um cenário inicial de imprevisibilidade pode ganhar contornos de estabilidade por meio da consolidação de alguns arranjos que evidenciam certa continuidade nos padrões de competição entre os partidos. Neste sentido, Mainwaring, Bizzarro e Petrova (2018) recentemente reconhecem que a estabilidade nos padrões de competição eleitoral caracteriza-se como o elemento central para o debate sobre a consolidação de um sistema partidário. Dessa forma, entende-se que os pleitos para presidente e governador podem imprimir padrões de acesso à câmara baixa, contribuindo para a interpretação das raízes e estruturas que condicionam o desenvolvimento do sistema partidário brasileiro. . Como alternativa para contornar os empecilhos analíticos decorrentes do conceito de institucionalização, a proposta de investigação de padrões de disputa pelo Executivo ofereceu um instrumental adequado para o entendimento dos sistemas partidários da atualidade, sobretudo por não atrelar a estabilidade de um sistema político à existência de vínculos robustos entre partidos e eleitores.

Assim, diante de fenômenos como a cartelização (Katz; Mair, 1995Katz, R. S.; Mair, P. “Changing models of party organization and party democracy”. Party Politics, vol. 1, nº 1, p. 5–28, 30 jan. 1995.) e outras transformações importantes pelas quais passaram as organizações partidárias nas últimas décadas, que expõem a fragilidade dos vínculos entre eleitores e partidos e as percepções de ilegitimidade dos partidos políticos (Katz; Mair, 1995Katz, R. S.; Mair, P. “Changing models of party organization and party democracy”. Party Politics, vol. 1, nº 1, p. 5–28, 30 jan. 1995.; Ignazi, 2014Ignazi, P. “Power and the (il)legitimacy of political parties” . Party Politics, vol. 20, nº 2, p. 160–169, 23 mar. 2014., 2018Ignazi, P. “The four knights of intra-party democracy: A rescue for party delegitimation”. Party Politics, vol. 26, nº 1, p. 9–20, 2018.), entende-se, de acordo com Melo (2018)Melo, C. R. Os partidos nas democracias: passado, presente e futuro. In: Mendonça, R. F.; Cunha, E. S. M. (Eds.). Introdução à teoria democrática: conceitos, histórias, instituições e questões transversais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018., que o enquadramento proposto por Mair (2006)Mair, P. Party system change. In: Katz, R.; Crotty, W. J. (Eds.). Handbook of Party Politics. London: Sage Publications, 2006. oferece um instrumental analítico mais adequado para o exame das dinâmicas de disputa entre partidos políticos em democracias contemporâneas.

O conceito de estrutura da competição, desse modo, caracteriza-se como uma abordagem que propõe uma investigação acerca dos padrões de interação exibidos pelos partidos nas disputas pelo Executivo. A competição entre os partidos pelo controle do Executivo atuaria, neste sentido, como ponto de organização capaz de oferecer estabilidade a um sistema partidário (Mair, 2006Mair, P. Party system change. In: Katz, R.; Crotty, W. J. (Eds.). Handbook of Party Politics. London: Sage Publications, 2006.).

No caso brasileiro, é preciso reconhecer que a disputa em torno da presidência da República, notadamente entre 1994 e 2014, demonstrou considerável grau de previsibilidade entre os postulantes e seu desempenho eleitoral, quando apenas dois partidos, PT e PSDB, protagonizaram a corrida presidencial. Para além do exame da influência das disputas em torno do Executivo federal, argumenta-se que as competições pelos governos estaduais desempenham um papel fundamental na organização do sistema partidário nacional. Assim sendo, a interação entre os partidos na corrida presidencial não seria suficiente para o debate sobre a organização do sistema partidário nacional, especialmente em países que se organizam institucionalmente sob um arranjo federativo, que historicamente evidencia o influxo da arena estadual sobre a política nacional (Lavareda, 1991Lavareda, A. A democracia nas urnas: o processo partidário-eleitoral brasileiro (1945-1964). Rio de Janeiro: IUPERJ, 1991.; Abrucio, 1994Abrucio, F. L. “Os barões da federação”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 33, p. 165–183, 1994.; Abrucio; Samuels, 1997Abrucio, F. L.; Samuels, D. “A nova política dos governadores”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 40–41, p. 137–166, ago. 1997.; Ferreira, 2002Ferreira, D. P. PFL x PMDB: Marchas e contramarchas (1982-2000). Goiânia: Editora Alternativa, 2002.; Mizuca, 2007Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.; Carneiro; Almeida, 2008Carneiro, L. P.; Almeida, M. H. T. “Definindo a arena política local: sistemas partidários municipais na Federação Brasileira”. Dados, vol. 51, nº 2, p. 403–432, 2008.; Leal, 2012Leal, V. N. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.).

O presente artigo dialoga parcialmente com os achados de Carneiro e Almeida (2008)Carneiro, L. P.; Almeida, M. H. T. “Definindo a arena política local: sistemas partidários municipais na Federação Brasileira”. Dados, vol. 51, nº 2, p. 403–432, 2008., que identificam uma articulação do sistema partidário brasileiro a partir do desempenho das legendas nas competições que ocorrem em diferentes estratos da federação. Em seu trabalho, os autores privilegiam uma explicação centrada em um elemento temporal das votações, ao qual denominam fator diacrônico das competições majoritárias e proporcionais. Segundo Carneiro e Almeida (2008)Carneiro, L. P.; Almeida, M. H. T. “Definindo a arena política local: sistemas partidários municipais na Federação Brasileira”. Dados, vol. 51, nº 2, p. 403–432, 2008., a votação recebida pelos partidos em eleições anteriores seria a principal variável explicativa para o entendimento do seu desempenho nas eleições subsequentes para esses mesmos cargos. No entanto, os autores afirmam não ter encontrado elementos conclusivos acerca da influência das disputas majoritárias sobre os pleitos proporcionais, ponto de investigação sobre o qual se dedica este artigo.

De acordo com Melo (2007)Melo, C. R. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: elementos para uma análise do sistema partidário brasileiro. In: Melo, C. R. (Ed.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., considera-se relevante destacar que:

os recursos disponíveis nos planos estaduais e municipais possibilitam o surgimento de dinâmicas partidárias relativamente autônomas e o florescimento de carreiras políticas locais. Além de favorecer o surgimento de partidos descentralizados e dotados de clivagens territoriais internas, a existência de dinâmicas políticas subnacionais, acopladas à disponibilidade de recursos, é capaz de garantir a sobrevivência de organizações partidárias que, de outro modo, não resistiriam à competição nacional (Melo, 2007Melo, C. R. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: elementos para uma análise do sistema partidário brasileiro. In: Melo, C. R. (Ed.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., p. 243).

Dessa forma, o presente artigo avalia a possibilidade de as arenas estaduais servirem como eixos de organização da competição entre os partidos brasileiros. Em especial, investiga ainda em que medida as disputas pelos Executivos estadual e federal atuam como dimensões capazes de imprimir traços marcantes para o desenvolvimento do sistema partidário nacional.

A discussão aqui proposta chama atenção para a composição da câmara baixa por compartilhar do entendimento de que ela sinaliza a presença ou ausência de características fundamentais para a estabilidade de um sistema partidário. Vale mencionar que a literatura tradicionalmente destaca a análise da composição das câmaras baixas como elemento que corrobora interpretações sobre a organização e o desenvolvimento de um sistema de partidos (Laakso; Taagepera, 1979Laakso, M.; Taagepera, R. “’Effective’ number of parties: a measure with application to West Europe”. Comparative Political Studies, vol. 12, nº 1, p. 3-27, 1979.; Mair, 1996Mair, P. Party systems and structures of competition. In: Leduc, L.; Niemi, R. G.; Norris, P. (Eds.). Comparing Democracies: elections and voting in global perspective. London: Sage Publications, 1996.; Paiva; Batista; Stabile, 2008; Braga, 2010Braga, M. D. S. S. “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 43–73, 2010.; Golosov, 2010Golosov, G. V. “The effective number of parties: A new approach”. Party Politics, vol. 16, nº 2, p. 171-192, 2010.; Nicolau, 2017Nicolau, J. “Os quatro fundamentos da competição política no Brasil (1994-2014)”. Journal of Democracy em Português, vol. 6, nº 01, p. 83-106, 2017.). Por essas razões, o artigo compara como a coordenação entre as legendas nas eleições para presidente e governador influencia seu desempenho nos pleitos para deputado federal, buscando contribuir para o entendimento de um sistema multipartidário em contexto federativo.

Investigar os elementos que condicionam a estrutura da competição por cadeiras na Câmara dos Deputados pode nos fornecer pistas sobre as possibilidades de arranjo entre os partidos e, em última instância, apontar o horizonte de estabilidade ou de obstáculos ao desenvolvimento do sistema político nacional. Nessa ordem de ideias, emerge o questionamento sobre onde podemos encontrar as raízes da organização do sistema partidário brasileiro.

A literatura internacional sobre sistemas presidencialistas assim como a literatura especializada em política brasileira têm destacado a influência das disputas pelo Executivo nacional e estadual sobre o desempenho dos partidos nas eleições para deputado federal (Samuels, 2000Samuels, D. “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, nº 1, p. 240–253, 2000.; Golder, 2006Golder, M. “Presidential Coattails and Legislative Fragmentation”. American Journal of Political Science, vol. 50, nº 1, p. 34–48, 2006.; Melo, 2007Melo, C. R. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: elementos para uma análise do sistema partidário brasileiro. In: Melo, C. R. (Ed.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., 2010Melo, C. R. “Eleições presidenciais, jogos aninhados e sistema partidário no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 13–41, 2010.; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.; Braga, 2010Braga, M. D. S. S. “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 43–73, 2010.; Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.). No entanto, a literatura que se dedica ao estudo dos efeitos das eleições presidenciais sobre a organização do sistema partidário brasileiro apresenta inferências, em certa medida, divergentes. A rivalidade nas interpretações reside, fundamentalmente, na importância atribuída à eleição presidencial como elemento organizador do cenário político no país e até mesmo sobre as conclusões apresentadas a respeito do nível de consolidação do sistema partidário.

De um lado, parte da literatura argumenta que a continuidade da disputa presidencial entre PT e PSDB, iniciada em 1994, criou um ambiente favorável à organização da competição para outros cargos eletivos em torno do pleito para a escolha do chefe do Executivo nacional (Braga, 2010Braga, M. D. S. S. “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 43–73, 2010.; Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Melo, 2007Melo, C. R. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: elementos para uma análise do sistema partidário brasileiro. In: Melo, C. R. (Ed.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., 2010Melo, C. R. “Eleições presidenciais, jogos aninhados e sistema partidário no Brasil”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 13–41, 2010.; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.). Essa espécie de força centrípeta exercida pelas eleições presidenciais contribuiria para a organização da competição política e do sistema partidário brasileiro.

Sobre a extensão da influência da corrida presidencial, existem diferentes conclusões. Melo e Câmara (2012)Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012., utilizando a perspectiva analítica de Mair (1996)Mair, P. Party systems and structures of competition. In: Leduc, L.; Niemi, R. G.; Norris, P. (Eds.). Comparing Democracies: elections and voting in global perspective. London: Sage Publications, 1996., entendem que houve uma mudança no sistema partidário nacional orientada pelo surgimento de um padrão de interação entre as legendas que competem pela presidência. Apesar de admitirem que o sistema partidário brasileiro emite sinais contraditórios e que é razoável ter certa cautela antes de elogiá-lo, afirmam que “a dinâmica adquirida na competição pela Presidência representou um importante ganho em termos de estruturação do sistema” (Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012., p. 104).

No mesmo sentido, Limongi e Cortez (2010)Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010. sugeriram que a continuidade da disputa presidencial entre PT e PSDB, iniciada em 1994 e sem a ameaça consistente de uma terceira força (quadro que se manteve até as eleições de 2018), tem irradiado efeitos para o plano subnacional. O estudo aponta que a eleição presidencial induziu a uma simplificação do quadro partidário, o que teria reorganizado, inclusive, as disputas pelos governos estaduais. De acordo com Limongi e Cortez (2010)Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010., seriam poucos os partidos que realmente importam no sistema político brasileiro, sobretudo porque enxergam que a clivagem verificada no plano nacional seria reproduzida no plano subnacional.

Outra importante perspectiva sobre o sistema partidário brasileiro é oferecida por Paiva, Batista e Stabile (2008), que, a partir de uma análise de dados sobre a idade dos partidos, o número de partidos efetivos em cada ano eleitoral e o percentual de votos recebidos pelas legendas nas eleições de deputados federal e estadual, senador e governador, apontam para a estabilidade e consolidação do sistema. Bohn e Paiva (2009)Bohn, S.; Paiva, D. “A volatilidade eleitoral nos estados: sistema partidário e democracia no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, vol. 17, nº 33, p. 187–208, 2009. bem como Tarouco (2010)Tarouco, G. “Institucionalização partidária no Brasil (1982- 2006)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 169–186, 2010. reforçam também essa ideia.

Ainda sobre o tema, Braga (2010)Braga, M. D. S. S. “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 43–73, 2010. afirma que o sistema partidário brasileiro tem experimentado uma rota gradativa de institucionalização. A autora sustenta seus achados na análise dos níveis de volatilidade eleitoral e ideológica observados para os partidos com representação na Câmara dos Deputados. Além disso, examina a estrutura da competição partidária e presidencial, assim como a influência desta no processo de formação de governos, para concluir que o sistema político nacional caminha no sentido de um estreitamento na estrutura de competição.

Esse estreitamento decorreria da presença constante de alguns partidos na arena eleitoral nacional. A continuidade da disputa entre atores recorrentes faria, então, com que os partidos políticos construíssem bases de apoio em alguns setores da sociedade, o que viabilizaria a calcificação de algumas preferências no eleitorado (Mainwaring; Scully, 1995Mainwaring, S.; Scully, T. Building Democratic Institutions: party systems in Latin America. Stanford: Stanford University Press, 1995.; Mainwaring, 1999Mainwaring, S. Rethinking party systems in the third wave of democratization: the case of Brazil. Palo Alto: Stanford University Press, 1999.; Braga; Kinzo, 2007). Ademais, a organização da competição política em torno das eleições presidenciais seria um aspecto fundamental para garantir a governabilidade em sistemas presidencialistas, o que tem sido explorado pela literatura sobre o chamado efeito coattails.

A teoria original sobre o coattails presidencial sustenta que, em um cenário de eleições simultâneas para cargos do Executivo e Legislativo com poucos candidatos efetivos ao Executivo nacional, os partidos políticos buscariam se coordenar em torno da disputa presidencial (Golder, 2006Golder, M. “Presidential Coattails and Legislative Fragmentation”. American Journal of Political Science, vol. 50, nº 1, p. 34–48, 2006.). Esse movimento dos partidos teria como objetivo amplificar sua visibilidade e capacidade de angariar recursos para impulsionar seu sucesso nas eleições legislativas. Como resultado, teríamos um efeito redutor do número de partidos no nível dos distritos, o que contribuiria para a redução da fragmentação partidária em âmbito nacional e facilitaria a gestão da coalizão pelo presidente.

Apesar de o Brasil atender às condições necessárias de simultaneidade de eleições e poucos candidatos efetivos à Presidência, observa-se, ao longo dos anos, o efeito oposto ao previsto por esse enquadramento teórico. Alguns trabalhos evidenciam que as dinâmicas de competição subnacional não espelham a disputa federal, que a fragmentação na Câmara dos Deputados tem crescido e, por conta disso, a gestão da coalizão nacional se mostra cada vez mais custosa (Ribeiro, 2005; Anastasia; Nunes; Meira, 2010; Carreirão; Nascimento, 2010Carreirão, Y. S.; Nascimento, F. “As coligações nas eleições para os cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual no Brasil (1986/2006)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 75–104, 2010.; Miguel; Machado, 2010Miguel, L. F.; Machado, C. De partido de esquerda a partido do governo. O PT e suas coligações para prefeito (2000 a 2008). In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Peixoto, 2010Peixoto, V. Coligações eleitorais nos municípios brasileiros: competição e estratégia. In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.). A Tabela 1 ilustra esse processo de fragmentação do Legislativo nacional.

Tabela 1
Percentual de cadeiras (%) e número absoluto (N) de partidos na Câmara dos Deputados entre 1994 e 2018

Essa desconexão deu início a um segundo momento na literatura sobre a estruturação do sistema partidário brasileiro, que tenta matizar a centralidade das eleições presidenciais, apontando para outros caminhos explicativos. Em sentido oposto às interpretações iniciais, alguns estudos sugerem que a polarização da disputa presidencial entre os dois partidos protagonistas entre 1994 e 2014 não serviu como ponto de amarração do sistema (Carreirão, 2014Carreirão, Y. S. “O sistema partidário brasileiro: um debate com a literatura recente”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 14, p. 255–295, 2014.). Para esse segmento teórico, a influência das disputas eleitorais subnacionais explicaria a imprecisão do coattails presidencial para o caso brasileiro como elemento organizador do Legislativo nacional (Samuels, 2000Samuels, D. “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, nº 1, p. 240–253, 2000.; Ribeiro, 2005; Mizuca, 2007Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.; Anastasia; Nunes; Meira, 2010; Carreirão; Nascimento, 2010Carreirão, Y. S.; Nascimento, F. “As coligações nas eleições para os cargos de governador, senador, deputado federal e deputado estadual no Brasil (1986/2006)”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4, p. 75–104, 2010.; Miguel; Machado, 2010Miguel, L. F.; Machado, C. De partido de esquerda a partido do governo. O PT e suas coligações para prefeito (2000 a 2008). In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Peixoto, 2010Peixoto, V. Coligações eleitorais nos municípios brasileiros: competição e estratégia. In: Krause, S.; Dantas, H.; Miguel, L. F. (Eds.). Coligações eleitorais na nova democracia brasileira: perfis e tendências. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2010.; Avelino; Biderman; Barone, 2012; Soares, 2013Soares, M. M. “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados brasileira (1994-2010)”. Dados, vol. 56, nº 2, p. 413–437, 2013.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Borges; Turgeon, 2019Borges, A.; Turgeon, M. “Presidential coattails in coalitional presidentialism”. Party Politics, vol. 25, nº 2, p. 192–202, 2019.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.).

Sobre a integração das disputas nacionais e subnacionais, um importante apontamento da literatura é que o aumento da fragmentação dependeria também do grau de nacionalização dos partidos e de sua capacidade de coordenação8 8 Neste artigo, examinamos o efeito das disputas em torno do Executivo federal e estadual para o entendimento do sistema partidário nacional, tendo como locus de análise a composição da câmara baixa. Para um exame detalhado acerca da congruência das coligações que se estabelecem entre os partidos nos diferentes níveis da federação, ver Mizuca (2007). O autor destaca que as coligações entre os partidos para as eleições do Executivo no nível municipal são influenciadas pela disputa da arena estadual, sendo esta mais relevante para o entendimento da configuração do arranjo entre as legendas do que a disputa presidencial no recorte histórico analisado. Para um exame da conexão entre as interações entre partidos nas arenas municipal, estadual e nacional, ver Carneiro e Almeida (2008). entre distritos (Cox, 1997Cox, G. W. Making votes count: strategic coordination in the world's electoral systems. New York: Cambridge University Press, 1997.). Se considerarmos um cenário hipotético de grande coordenação e partidos nacionalizados, teríamos um panorama em que a configuração do sistema partidário nacional refletiria a média de partidos efetivos no nível local. No entanto, os distritos eleitorais no Brasil são bastante diversos e muitas legendas não são nacionalizadas, o que faz com que o número efetivo de partidos em âmbito nacional seja superior à média dos distritos, em consonância com o argumento teórico proposto por Lima Junior (1983, 1997a, 1997b).

Salienta-se, igualmente, que o grau de nacionalização partidária pode ser influenciado pelo grau de centralização política e econômica de um Estado (Chhibber; Kollman, 1998Chhibber, P.; Kollman, K. “Party Aggregation and the Number of Parties in India and the United States”. The American Political Science Review, vol. 92, nº 2, p. 329–342, 1998.; Harbers, 2010Harbers, I. “Decentralization and the Development of Nationalized Party Systems in New Democracies: Evidence from Latin America”. Comparative Political Studies, vol. 43, nº 5, p. 606–627, 2010.). Especificamente sobre o Brasil, muito embora se observe uma forte centralização fiscal pelo governo federal, o protagonismo do nível estadual é expresso pela alta descentralização político-administrativa e considerável descentralização fiscal.

Nesse ponto, vale destacar porque as competições pelos Executivos estaduais seriam tão influentes para a configuração do sistema partidário nacional. Entre os principais vetores que auxiliam o entendimento do fenômeno, ressaltam-se o peso histórico de lideranças estaduais, a delimitação dos distritos eleitorais e a influência dos diretórios estaduais na organização das listas.

Ainda que seja possível observar diferenças entre as unidades da federação no que tange ao seu grau de autonomia em relação ao governo federal, é importante reconhecer que a arena estadual mobiliza recursos e viabiliza o surgimento de lideranças historicamente influentes sobre processos políticos distintos da política nacional, como evidenciam os trabalhos de Leal (2012)Leal, V. N. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., Abrucio (1994)Abrucio, F. L. “Os barões da federação”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 33, p. 165–183, 1994. e Abrucio e Samuels (1997)Abrucio, F. L.; Samuels, D. “A nova política dos governadores”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 40–41, p. 137–166, ago. 1997.. A partir desses elementos, os governadores são capazes de mobilizar recursos que exercem influxo sobre a dinâmica eleitoral, não se observando uma dependência absoluta em relação ao cenário eleitoral federal, ponto em consonância com os achados de Mizuca (2007)Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.. As regras eleitorais e a definição de distritos a partir dos estados também corroboram para estreitar a conexão entre lideranças políticas influentes em cada unidade da federação.

Observa-se também, no caso brasileiro, significativa autonomia das lideranças partidárias estaduais nas principais decisões e estratégias eleitorais, como na organização de listas de candidatos a deputado federal (Samuels, 2003). Embora possamos discutir a respeito das variações nos níveis de autonomia ou centralização de processos decisórios intrapartidários (Assis et al., 2023Assis, P. P., et al. "Nem formal, nem informal: a diversidade das práticas nas organizações partidárias brasileiras". Revista de Sociologia e Política, vol. 31, p. e007, 2023.), o protagonismo de diretórios estaduais na condução de etapas relevantes para a competição eleitoral amplia as oportunidades de influência de lideranças estaduais. Este é outro aspecto que fortalece a regionalização partidária, tendo em vista que decisões de impacto na esfera nacional são tomadas no nível estadual.

Nesse contexto, reverberando trabalhos clássicos que evidenciam a influência do plano subnacional para a configuração do sistema político brasileiro (Lima Junior, 1983, 1997a, 1997b; Lavareda, 1991Lavareda, A. A democracia nas urnas: o processo partidário-eleitoral brasileiro (1945-1964). Rio de Janeiro: IUPERJ, 1991.; Abrucio, 1994Abrucio, F. L. “Os barões da federação”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 33, p. 165–183, 1994.; Abrucio; Samuels, 1997Abrucio, F. L.; Samuels, D. “A nova política dos governadores”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, nº 40–41, p. 137–166, ago. 1997.; Ferreira, 2002Ferreira, D. P. PFL x PMDB: Marchas e contramarchas (1982-2000). Goiânia: Editora Alternativa, 2002.; Leal, 2012Leal, V. N. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.), argumenta-se que as eleições para o cargo de governador desempenham papel estruturante na organização e desenvolvimento do sistema partidário nacional (Samuels, 2000Samuels, D. “The gubernatorial coattails effect: federalism and congressional elections in Brazil”. The Journal of Politics, vol. 62, nº 1, p. 240–253, 2000.; Soares, 2013Soares, M. M. “Influência majoritária em eleições proporcionais: os efeitos presidenciais e governatoriais sobre as eleições para a Câmara dos Deputados brasileira (1994-2010)”. Dados, vol. 56, nº 2, p. 413–437, 2013.; Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.), ainda que a dimensão dessa influência encontre-se, hoje, parcialmente ofuscada por interpretações que privilegiam a centralidade da corrida presidencial (Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.).

Ao dissertarem sobre as diferenças que se verificam na extensão do efeito coattails das eleições presidenciais no Chile e no Brasil, Borges e Turgeon (2019)Borges, A.; Turgeon, M. “Presidential coattails in coalitional presidentialism”. Party Politics, vol. 25, nº 2, p. 192–202, 2019. apontam três principais fatores explicativos: a magnitude dos distritos; a maior relevância que ideologia tem na competição eleitoral do Chile; e um forte efeito coattails dos governadores no Brasil.

De acordo com Borges (2015)Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015., muito embora não se negue que a eleição presidencial possa oferecer contornos de racionalidade ao sistema político, é preciso considerar que “as instituições federativas e o caráter coalicional do presidencialismo brasileiro possibilitam a sobrevivência de partidos que adotam estratégias nacionais e estaduais fracamente integradas” (Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015., p. 678). Ao discorrer sobre as distintas estratégias de competição dos partidos (presidencialização e provincialização), o autor destaca a importância das eleições para governador sobre o desempenho das legendas nos pleitos para o Legislativo nacional.

No mesmo sentido, Limongi e Vasselai (2018)Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018. identificam um processo de especialização dos partidos em relação à competição eleitoral, ao apontarem, como resultado dessa dinâmica, a diminuição do número de competidores nas eleições para governador e o aumento da oferta nas disputas por cadeiras na Câmara dos Deputados. A coordenação partidária em torno das eleições de governador poderia evidenciar, desse modo, dois grupos de partidos: aqueles que são competitivos nas eleições majoritárias e os que somente almejam a disputa de cadeiras no Legislativo (Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.).

Apesar dessas importantes contribuições, a literatura ainda carece de uma comparação sistematizada acerca da magnitude da influência das eleições para os Executivos federal e subnacional na organização do sistema partidário brasileiro. Destacamos, em especial, que ainda não há conclusões robustas sobre os ganhos em termos de representação no Legislativo nacional resultantes das decisões de entrada e dos arranjos entre partidos nas disputas para presidente e governador.

Com o objetivo de acrescentar uma dimensão relevante ao debate sobre os elementos condicionantes da estrutura de competição entre os partidos no Brasil, este artigo chama atenção para uma análise inferencial em perspectiva histórica, que permite a comparação da influência das eleições de governador e de presidente sobre a distribuição de cadeiras no Legislativo nacional. Assim, busca-se esclarecer como os posicionamentos dos partidos em torno das disputas para o Executivo em arenas distintas da federação brasileira estão associados à maior presença das legendas na Câmara dos Deputados.

Investiga-se, em especial, como a coordenação partidária em torno das eleições para os Executivos nacional e estadual contribui para o número de assentos conquistados por um partido nas eleições para o Legislativo federal. Desse modo, o artigo almeja contribuir para a discussão acerca da influência das eleições para presidente e governador sobre a organização da competição político-partidária no Brasil, por meio de uma abordagem empírica com potencial comparativo para outros países que adotam semelhante arranjo federativo. As estratégias analíticas empregadas para enfrentar o problema de pesquisa proposto são detalhadas na próxima seção.

Metodologia

Tendo em vista os objetivos propostos, o artigo analisa dados referentes aos pleitos de presidente, governador e deputado federal ocorridos de 1994 a 2018. O ano de 1994 marca o início da coleta dos dados em virtude da unificação do calendário eleitoral no Brasil, momento a partir do qual passam a ser realizadas simultaneamente as eleições para senador, deputado estadual, presidente, governador e deputado federal. Considerando-se que nos interessa especialmente a investigação do elo entre a disputa para esses três últimos cargos e que a coincidência de eleições favorece a manifestação do efeito coattails, justifica-se o recorte temporal a partir de 1994.

Os dados desta pesquisa foram coletados junto aos sítios eletrônicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)9 9 Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais. Acesso em: 15 fev. 2020. e tratados no software Stata10 10 A base de dados (excel) e o script do Stata estão disponíveis no site do Cesop, na seção Revista Opinião Pública, na página deste artigo: <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica. . Tem-se como unidade de análise os partidos políticos por ano eleitoral11 11 A estratégia de adotar como unidade de análise os partidos nacionalmente considerados busca contornar um impasse analítico, além de viabilizar a comparação do efeito que as disputas pelos Executivos federal e estadual exercem sobre o acesso a cadeiras no Legislativo nacional –, considerando-se que os pleitos ocorrem em distritos eleitorais geograficamente distintos (estados, no caso da disputa pelos governos e acesso à câmara baixa; e União, no caso da corrida presidencial). . A base de dados inclui também observações correspondentes aos partidos que não conquistaram nenhuma cadeira em determinado pleito, a fim de não reduzirmos o data generating process apenas aos vencedores na corrida por assentos, o que viabiliza uma compreensão mais precisa do fenômeno.

A base totalizou 205 observações, correspondentes aos partidos políticos aptos a apresentar candidatos a deputado federal no período em exame, tendo conquistado ou não assentos na Câmara dos Deputados. As limitações decorrentes das características da amostra são discutidas ao final da seção “Resultados e discussão”.

A variável dependente do modelo de regressão consiste no número de deputados federais eleitos pela legenda, em cada ano eleitoral, entre 1994 e 2018. Esta caracteriza-se como uma variável de contagem por assumir valores inteiros não negativos, que se apresentam sob a forma de uma distribuição de probabilidade binomial negativa, associada à ocorrência de eventos com baixas frequências (Wooldridge, 2010Wooldridge, J. M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. 2nd ed. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010.; Fox, 2016Fox, J. Applied Regression Analysis and Generalized Linear Models. Third edition. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2016.). No conjunto de explicativas, temos as variáveis descritas abaixo:

  • Coeficiente de candidatura a governador (elegov): indica a intensidade da presença do partido nas eleições para governador em cada ano, ponderada pelo tamanho do eleitorado de cada unidade da federação na qual lançou candidato ao Executivo estadual. O coeficiente é utilizado com o objetivo de aferir a presença de cada partido nas disputas pela chefia do Executivo estadual. O indicador varia de 0 a 1, sendo 1 correspondente à situação hipotética em que uma legenda esteve presente, em um determinado ano eleitoral, em todas as unidades da federação, disputando o cargo de governador. Para a construção do coeficiente, em um primeiro momento, identificamos se o partido lançou ou não candidato a governador em cada estado. Em seguida, a partir de uma média ponderada que leva em conta o tamanho do eleitorado de cada unidade da federação, calculamos o índice correspondente ao partido. Sendo assim, quanto maior for o número de candidaturas e a proporção de eleitores no(s) estado(s) em que lançou candidato, maior será sua pontuação12 12 A variável elegov indica o agregado das entradas de um partido nas disputas por governos estaduais em todo o território nacional. A construção desse indicador nos termos apresentados cumpre o propósito de viabilizar a comparação da influência exercida pelas disputas presidenciais e governatoriais, que ocorrem em distritos geograficamente diversos, sobre a composição da Câmara dos Deputados – dimensão de análise destacada no artigo como fonte de interpretações sobre o desenvolvimento e organização do sistema partidário nacional. Ressaltamos novamente que a variável em discussão é construída em duas etapas. Na primeira, contabilizamos, de forma binária, se um partido lançou (1) ou não (0) candidato a governador em cada um dos estados e, em seguida, multiplicamos esses valores pelo percentual do eleitorado correspondente à cada unidade da federação. Sendo assim, a construção do indicador, ao levar em consideração o tamanho do eleitorado, assume que o lançamento de candidato a governador em um estado populoso pode exercer maior peso que a decisão de concorrer em um estado pequeno – ressaltando que, em geral, os estados com maiores colégios eleitorais são aqueles com maior quantidade de cadeiras na Câmara dos Deputados. Desse modo, a construção da variável elegov considera que a disputa por governos estaduais em estados mais populosos pode favorecer a obtenção de um número maior de cadeiras no Legislativo nacional, razão pela qual ponderamos a decisão do partido de lançar ou não candidato pelo tamanho do eleitorado de cada unidade da federação. .

  • A estratégia adotada pelo partido em relação à competição presidencial: conjunto de variáveis binárias que resumem todas as possíveis formas de entrada na competição presidencial. As variáveis dicotômicas viabilizam a comparação dos efeitos de cada uma das estratégias adotadas pelos partidos em torno da corrida presidencial sobre o seu desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. Portanto, esse grupo diz respeito às seguintes variáveis dummies:
    • Candidatura presidencial em coligação (cand_pres_colig): indica se a legenda apresentou candidato presidencial próprio, encabeçando uma coligação de partidos;

    • Partido em coligação presidencial (part_colig_pres): indica se o partido esteve presente ou não em uma coligação presidencial liderada por outro partido;

    • Candidatura presidencial isolada (candisolada): indica se o partido lançou ou não candidatura própria à presidência sem apoio de outros partidos;

    • Ausente da competição presidencial: indica se o partido esteve alheio à competição presidencial, não tendo adotado nenhuma das estratégias anteriores. A estratégia de ausência da competição presidencial não integra os modelos inferenciais. Assim, interpretamos o efeito das demais em relação a esta.

  • Potencial de vitória em nível estadual (forte_est): variável binária que indica se o partido pertence ao grupo dos grandes vencedores nas disputas pelo Executivo estadual no período examinado. As legendas que conseguiram eleger um número de governadores acima da média do período foram codificadas como 1. Com essa variável, controlam-se os efeitos decorrentes da grande heterogeneidade entre os partidos que decidem disputar o Executivo estadual com maior frequência – examinados na seção “Resultados e discussão”. Se o partido superou a média de vitórias em eleições para o Executivo estadual, calculada levando-se em consideração as disputas ocorridas entre 1994 e 2018, entende-se que existem boas chances de que ele possa também estar entre os partidos que historicamente ocupam um número maior de cadeiras na câmara baixa. A variável atua como importante controle para uma melhor interpretação dos resultados do modelo, ao expressar a potencial capilaridade dos partidos em nível subnacional de forma agregada. A presença dessa variável no modelo controla, portanto, os efeitos da influência dos maiores vencedores nas eleições para governador. Assim, os estimadores ganham precisão, uma vez que o modelo processa dados referentes ao seu grau de presença (entrada) nas disputas para governador e histórico de competitividade nas eleições que integram a amostra.

  • Classificação ideológica do partido (ideologia): indica se o partido é classificado pela literatura como centro ou direita13 13 Foram utilizadas as classificações apresentadas nos anexos do livro Coligações e Disputas Eleitorais na Nova República (Miguel; Krause; Machado, 2017). Em virtude da ausência de classificação ideológica dos partidos para a eleição de 2018, foram utilizadas as classificações obtidas para o pleito de 2014. Todas as demais classificações se referem aos anos eleitorais correspondentes. . A opção pelo tratamento binário da variável ligada à classificação ideológica tem o intuito de testar se o desempenho das legendas de esquerda (0) tende a ser inferior ao das legendas de centro ou direita (1) no período observado. Parte-se da noção de que o conservadorismo ocupa espaço de destaque no eleitorado brasileiro, o que criaria um obstáculo adicional para os partidos localizados à esquerda do espectro ideológico na conquista de cadeiras na Câmara dos Deputados (Zucco Jr., 2011). Dessa forma, a variável busca incluir no modelo aspectos sociológicos, para além dos institucionais apresentados anteriormente, servindo como proxy para controlar o efeito da dispersão do eleitorado brasileiro em torno de pautas conservadoras.

Considerando as características da distribuição da variável dependente, utiliza-se de um modelo de regressão binomial negativo, capaz de tratar adequadamente a superdispersão identificada na amostra, comum a dados dessa natureza14 14 O modelo de regressão binomial negativo justifica-se, tendo em vista que a regressão de Poisson não oferece estimadores confiáveis diante da superdispersão identificada no exame dos dados (Fox, 2016). Não utilizamos um modelo zero-truncated negative binomial para a análise empírica especialmente porque o data generating process permite a ocorrência do valor zero, situação que descreve o evento, não raro, em que um partido não conseguiu conquistar nenhuma cadeira na Câmara dos Deputados em uma determinada eleição. . As expectativas de natureza teórica a favor da adoção de um modelo de regressão binomial negativo são corroboradas pelas análises e testes apresentados na seção “Resultados e discussão” e nos Anexos Anexos Uma análise descritiva da variável dependente sugere a presença de superdispersão na amostra, fenômeno ocasionado pela ausência de correspondência entre média e variância (Wooldridge, 2010; Fox, 2016). Na Tabela 6, nota-se a diferença observada entre a média – 17,51 – e desvio-padrão – 24,92, indicativos da presença de uma superdispersão que inviabiliza a estimação de coeficientes precisos por meio de um modelo de Poisson (Fox, 2016, p. 434). Assim, a distribuição binomial negativa revela-se mais adequada. Tabela 6 Descrição da variável dependente (num_eleitos) Variável N Média Desvio-padrão Mín. Máx. num eleitos 205 17,517 24,92 0 107 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE. O Gráfico 2 compara a distribuição da variável dependente e as projeções hipotéticas obtidas pelas distribuições de Poisson e binomial negativa, corroborando a adoção do modelo proposto. Gráfico 2 Comparação da distribuição da variável dependente com as projeções estimadas a partir de Poisson Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE. Na sequência, comparamos com a Tabela 7 os coeficientes e os resíduos estimados, respectivamente, pelos modelos de Poisson, Quasi-Poisson – que, diferentemente do primeiro, não assume como premissa a equivalência entre média e variância, minimizando os resíduos – e o modelo binomial negativo. Salienta-se que o segundo modelo mencionado adota uma abordagem mais flexível, quando comparado aos modelos lineares generalizados, e assume proporcionalidade entre média e variância para acomodar superdispersão nos dados18. Tabela 7 Comparação entre os coeficientes e resíduos estimados por modelos de Poisson, Quasi-Poisson (overdisp) e binomial negativo (nbreg) Variável poisson overdisp nbreg num_eleitos elegov 1,421 1,421 1,783 0,094 0,396 0,589 cand_pres_~g 0,351 0,351 0,604 0,058 0,244 0,389 part_colig~s 0,595 0,595 0,826 0,047 0,197 0,242 candisolada -1,073 -1,073 -0,769 0,089 0,375 0,303 ideologia 0,346 0,346 0,445 0,040 0,167 0,214 forte_est 0,941 0,941 0,953 0,053 0,224 0,366 _cons 1,742 1,742 1,369 0,054 0,227 0,265 /lnalpha 0,591 0,111 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE. Destaca-se que a comparação dos coeficientes e dos resíduos estimados pelos três modelos, levando em consideração que o primeiro não é adequado para lidar com a superdispersão da amostra, justifica a adoção do modelo negative binomial. Os testes de log likelihood reportados abaixo nos permitem concluir no mesmo sentido. A Tabela 8, com os resultados de Poisson para um modelo vazio – que inclui apenas a constante como preditor – e do modelo sobre o qual interpretamos os resultados indica que o modelo negative binomial é o que melhor respeita a distribuição da variável dependente. Tabela 8Testes de log likelihood para modelos: de Poisson, restrito (constant-only model) e binomial negativo (full model) Poisson model: Iteration 0: log likelihood = -2141,832 Iteration 1: log likelihood = -1834,5437 Iteration 2: log likelihood = -1832,3235 Iteration 3: log likelihood = -1832,3227 Iteration 4: log likelihood = -1832,3227 Constant-only model: Iteration 0: log likelihood = -797,69424 Iteration 1: log likelihood = -738,17991 Iteration 2: log likelihood = -737,77011 Iteration 3: log likelihood = -737,76984 Iteration 4: log likelihood = -737,76984 Full model: Iteration 0: log likelihood = -712,44327 Iteration 1: log likelihood = -699,6305 Iteration 2: log likelihood = -699,25402 Iteration 3: log likelihood = -699,25351 Iteration 4: log likelihood = -699,25351 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do TSE.anexo .

Resultados e discussão

Na Tabela 2, é possível observar um efeito positivo decorrente do lançamento de candidaturas a governador sobre a corrida por assentos na Câmara dos Deputados, mesmo entre os partidos que protagonizaram a disputa presidencial entre 1994 e 2014 – e que, portanto, tinham sua marca nacionalmente difundida de forma mais expressiva que as demais legendas.

Tabela 2
Percentual médio de cadeiras na Câmara dos Deputados (%), conquistadas por PT e PSDB, nos estados em que lançaram ou não candidato a governador (1994- 2014)

A tabela indica que PT e PSDB, partidos que se notabilizaram na corrida presidencial, obtiveram resultados melhores em unidades da federação nas quais competiram também pelos governos estaduais. Os dados evidenciam, ainda, que a variável elegov é apropriada para o exame proposto, pois não promove o embaralhamento de efeitos de candidaturas entre diferentes estados15 15 Sobre os riscos de um possível embaralhamento dos efeitos da candidatura para governador em estados diferentes, algo que poderia colocar em xeque a validade da variável elegov por comprometer o mecanismo causal assumido a partir da lógica do efeito coattails de governador, destaca-se que, em termos teóricos, a possibilidade de manifestação de tal efeito demanda a mobilização de recursos. Como exemplo temos a disponibilidade de quadros com prestígio para encabeçamento de uma campanha para governador, tempo de propaganda, modos de utilização do endorsement do candidato a governador em favor dos candidatos ao Legislativo, entre outras questões que escapam do objeto deste artigo. Em termos práticos, essas questões estão intimamente relacionadas ao pleito que ocorre circunscrito ao distrito eleitoral, algo que, em consonância com os dados descritivos apresentados na tabela, sugere que faça pouco sentido imaginar que a candidatura de um partido em um estado possa transbordar efeitos para outro, favorecendo candidatos a deputado federal do mesmo partido em outro estado. , uma vez que o desempenho proporcional de partidos protagonistas da corrida presidencial é claramente favorável16 16 A única situação que destoa dessa tendência, por alguns poucos décimos, refere-se ao caso do PT em 1994. Isso ocorre em função do desempenho atípico a favor da legenda em Santa Catarina, Mato Grosso e Sergipe, estados nos quais o partido conseguiu 12,5% das cadeiras em disputa, o que contribuiu para que a média fosse sensivelmente acrescida de alguns pontos percentuais, sobretudo tendo em vista que o PT não conseguiu nenhuma cadeira em Alagoas e Amapá naquele ano. Sendo assim, os dados descritivos sugerem que a disputa pelo Executivo estadual incrementa as possibilidades de acesso à câmara baixa, inclusive para os partidos cuja marca já foi bastante difundida ao longo do território nacional por se notabilizarem na corrida presidencial, algo que corrobora a investigação do influxo desempenhado pela arena estadual na organização do sistema partidário brasileiro. aos partidos em estados onde lançam candidatos a governador.

A seguir, na Tabela 3, são apresentados os resultados do modelo de regressão binomial negativo. Para facilitar a interpretação dos coeficientes calculados pelo estimador de máximo de verossimilhança, que demandam transformação exponencial para a conversão em razão da taxa de incidência, incluímos na tabela o IRR (incidence rate ratios) de cada variável.

Tabela 3
Resultados do modelo de regressão binomial negativo

Os resultados dos preditores inseridos no modelo binomial negativo correspondem, em boa medida, às hipóteses que motivaram o estudo aqui apresentado. O incidence rate ratios – valor que corresponde ao exponencial dos coeficientes originalmente estimados pelo modelo negative binomial – indica o efeito da alteração de uma variável explicativa, em uma unidade, sobre a razão de chance em favor da ocorrência do evento.

A interpretação do IRR correspondente à variável ideologia indica que os partidos de centro ou direita, no Brasil, conquistaram em média, no período examinado, uma proporção de cadeiras 56% maior do que a ocupada por demais legendas. Esse resultado encontra-se de acordo com a expectativa de que o crescente conservadorismo no sistema político brasileiro tem prejudicado o desempenho de legendas de esquerda, que, em geral, reivindicam a defesa de pautas progressistas.

A variável que indica a força dos partidos nos estados também se mostrou positiva e estatisticamente associada ao resultado. Inserida no modelo como forma de controle da grande dispersão em torno da média associada a altos valores de elegov – causados pela heterogeneidade dos partidos mais presentes na competição pelos governos estaduais – essa variável dicotômica corrobora o principal argumento apresentado neste artigo: as eleições para o Executivo estadual exercem forte influência sobre a disputa por assentos na Câmara dos Deputados e, por via reflexa, na organização do sistema partidário brasileiro.

É importante destacar que o coeficiente de candidatura (elegov) indica apenas a decisão de concorrer ou não para o Executivo em diferentes estados enquanto a variável forte_est controla os efeitos decorrentes da competitividade das legendas em disputa. Ao inserirmos essa dummy no modelo, assumimos que os partidos tradicionalmente vencedores nas eleições de governador tendem a conquistar um número expressivo de cadeiras na Câmara – razão pela qual incluímos esse controle entre os preditores, que opera como uma espécie de proxy para a dimensão organizacional e competitividade das legendas entre as diferentes unidades da federação. A expectativa se confirma ao se observar que os partidos que mais venceram as disputas pelo Executivo estadual conquistaram mais do que o dobro dos assentos obtidos pelos demais partidos na Câmara dos Deputados durante o recorte histórico analisado. Em média, os partidos tradicionalmente vencedores nas eleições de governador obtiveram 2,59 vezes mais cadeiras na câmara baixa do que os outros.

Os resultados do modelo inferencial apresentados na Tabela 3 chamam especial atenção para a ausência de significância estatística da variável cand_pres_colig, o que nos permite afirmar que a estratégia de liderar uma coligação em disputa pela presidência da República não está associada a um maior número de cadeiras conquistadas por um partido na Câmara dos Deputados. Os resultados dialogam com o fato de que os partidos que mais se destacaram na disputa presidencial – como, por exemplo, PT e PSDB, no período examinado, não tiveram suas bancadas expandidas de maneira proporcional ao seu protagonismo na corrida pelo Executivo nacional, conforme indicado na Tabela 1.

Assim, diante desse cenário, considera-se razoável questionar a extensão da interpretação segundo a qual a corrida presidencial serve como ponto de amarração do sistema partidário nacional. Neste sentido, argumenta-se que a centralidade da corrida presidencial, nos termos apresentados pela literatura (Limongi; Cortez, 2010Limongi, F.; Cortez, R. “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos Cebrap, nº 88, p. 21–37, 2010.; Melo; Câmara, 2012Melo, C. R.; Câmara, R. “Estrutura da competição pela presidência e consolidação do sistema partidário no Brasil”. Dados, vol. 55, nº 1, p. 71–117, 2012.), deveria sinalizar alguma vantagem competitiva aos partidos que encabeçam a disputa pelo Executivo federal em sua busca por assentos na câmara baixa, algo que não se verifica diante dos resultados deste artigo.

O trabalho não ignora que a competição presidencial possa influenciar, em alguma medida, a definição de coligações para a disputa de outros cargos eletivos, proporcionais e majoritários, em outros níveis da federação (Borges, 2019Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019.; Miranda, 2013Miranda, G. “Coligações eleitorais: tendências e racionalidades nas eleições federais e majoritárias estaduais (1990-2010)”. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, nº 47, 2013.) – muito embora existam resultados que apontem para a centralidade das coligações em torno da disputa para governador (Mizuca, 2007Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.). Tais resultados, no entanto, corroboram a crítica sobre a extensão do argumento de que a competição presidencial serve como eixo de organização do sistema partidário nacional.

Se as legendas que protagonizaram a disputa presidencial no período analisado não puderam converter esse destaque em ganhos de cadeiras no Legislativo nacional – usado como parâmetro pela literatura em interpretações sobre um sistema de partidos –, é difícil sustentar o argumento de que o sistema partidário brasileiro esteja fortemente centrado na disputa presidencial. Isso se torna mais evidente se consideramos os efeitos de médio ou longo prazo da influência das eleições de governador sobre o acesso à câmara baixa (definidora da obtenção de recursos fundamentais para a existência e funcionamento dos partidos).

Matizando essa afirmação, identificamos que somente aqueles partidos que pegaram carona em disputas para presidente (part_colig_pres) tiveram o total de cadeiras na Câmara dos Deputados aumentado, em aproximadamente 2,3 vezes. Esse resultado está em consonância com os achados de Borges (2019)Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019., que sugere um efeito difuso do coattails presidencial, capaz de auxiliar no entendimento da fragmentação do sistema partidário brasileiro. O caso dos partidos que integraram coligações para presidente, sem liderá-las, sugere o alcance restrito da possibilidade de influência das disputas para presidente sobre a ocupação de cadeiras na câmara baixa. Especificamente, nota-se que apenas as legendas que se aproximaram dos protagonistas da corrida presidencial, mas não estes, puderam experimentar ganhos em seu desempenho nas eleições de deputado federal.

A decisão de competir isoladamente pelo Executivo federal, por sua vez, está associada a um decréscimo em torno de 54% na quantidade de cadeiras conquistadas na Câmara por essas legendas, em comparação com os partidos alheios à corrida presidencial. Certamente, o modelo traz limitações inerentes à natureza observacional dos dados em análise. É possível que os partidos que se lançam isoladamente na disputa pelo Executivo federal sejam os que tenham menos destaque ou estrutura organizacional para atrair aliados e, portanto, sejam menos competitivos na luta por assentos na câmara baixa. No entanto, os resultados das variáveis ligadas à coordenação partidária em torno da eleição presidencial, quando interpretados em conjunto com demais preditores e variáveis de controle inseridas no modelo, revelam os limites da disputa presidencial como ponto de amarração do sistema partidário brasileiro.

Por outro lado, complementando os resultados de Borges (2019)Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019., que identificou efeitos positivos difusos do coattails presidencial, mas não fez teste simultâneo para o de governador, o artigo ressalta a importância dos pleitos para os Executivos estaduais, ao destacar que o coeficiente de candidaturas a governador (elegov) está associado de maneira positiva e estatisticamente significativa ao número de assentos conquistados por um partido no Legislativo nacional. Ressalta-se que essa variável, organizada em uma escala de 0 a 1, sinaliza a presença do partido como cabeça de chapa nas competições para governador em diferentes unidades da federação. Os valores são ponderados pelo tamanho do eleitorado do estado em que os partidos lançam candidatos a governador, para não equalizarmos erroneamente os potenciais efeitos da exposição que uma candidatura tem em duas unidades da federação bastante distintas, inclusive no que diz respeito à correspondente quantidade de assentos reservados na Câmara dos Deputados.

Em relação ao impacto do coeficiente de candidatura (elegov), salienta-se que o aumento de 0,1 na escala produz, em média, um acréscimo de aproximadamente 59% no total de cadeiras conquistadas por um partido na câmara baixa. O resultado evidencia uma forte influência da decisão de concorrer pelo Executivo estadual sobre a quantidade de cadeiras obtidas por uma legenda na Câmara dos Deputados. Em um raciocínio contrafactual, no qual se compara a performance de um partido que não competiu em nenhum dos estados em relação ao seu desempenho caso competisse pelo Executivo em todos os estados da federação, seria possível observar uma conquista aproximadamente seis vezes maior no número de assentos em função de sua entrada nos pleitos estaduais.

Para entendermos melhor os efeitos que a decisão de competir nas eleições para governador exerce sobre a disputa de cadeiras na Câmara dos Deputados, apresentamos na Tabela 4 dados descritivos relacionados à variável elegov:

Tabela 4
Descrição da variável Coeficiente de candidatura a governador (elegov)

A variável elegov - expressa em uma escala de 0 a 1 – tem, aproximadamente, média de 0,24 e desvio-padrão de 0,26, o que sugere que os custos para entrar na disputa pelo Executivo estadual induzem os partidos a uma baixa presença nessas eleições. O Gráfico 1 corrobora essa afirmativa ao sinalizar que os valores mais baixos do índice elegov estão associados às maiores frequências presentes na amostra, enquanto os valores mais altos vão sendo cada vez menos expressivos na distribuição:

Gráfico 1
Percentual da distribuição amostral do coeficiente de candidaturas a governador (elegov)

É importante destacar que a decisão de um partido por concorrer ao governo estadual faz parte, em geral, de um processo complexo de alianças e de coordenação entre as legendas (Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.). Nesse sentido, observamos que uma parcela correspondente a mais de 1/3 das observações obtiveram escores menores que 0,1.

À medida em que avançamos para valores mais altos de elegov, indicativos de uma presença maior dos partidos em competições pelo Executivo estadual, nota-se uma redução consistente das frequências observadas na amostra. Destaca-se, assim, que os partidos enfrentam grandes obstáculos para apresentar candidatos ao governo estadual em muitas unidades da federação. A seguir, são exibidos os valores médios associados ao número de cadeiras conquistadas pelos partidos na Câmara dos Deputados em função da sua menor ou maior presença em disputas pelo Executivo estadual.

Os dados da Tabela 5 indicam que os valores preditos referentes ao número de cadeiras conquistadas vão se tornando menos precisos à medida que se observam valores mais altos no coeficiente de candidaturas aos governos estaduais. É preciso, no entanto, esclarecer dois pontos relevantes que conduzem a essa perda de precisão em valores mais altos de elegov, bem como discutir as possíveis limitações decorrentes.

Tabela 5
Efeitos marginais e valores médios preditos para a variável dependente (num_eleitos) em função da variação do coeficiente de candidaturas a governador (elegov)

Em primeiro lugar, destaca-se novamente que a distribuição da amostra evidencia um pequeno número de legendas que participam de forma mais intensa nas eleições de governador, fazendo com que as medidas de tendência e dispersão sejam muito sensíveis a cada observação. Além disso, ressalta-se que existe grande heterogeneidade entre os partidos que marcam presença mais intensa em competições estaduais. Em geral, observa-se que, no Brasil, há dois grupos de partidos que participam com maior frequência nas eleições de governador.

De um lado, estão os partidos mais tradicionais e competitivos, dispersos ao longo do território nacional de forma mais enraizada do que a média dos demais. De outro, encontram-se aquelas legendas que patrocinam candidaturas pouco competitivas ao Executivo estadual, mas fazem questão de apresentar candidatos para amplificar sua imagem junto ao eleitorado, na expectativa de divulgar sua plataforma ou obter ganhos indiretos em outros pleitos, seguindo a lógica de um coattail effect, por exemplo.

A desigualdade entre esses dois grupos faz com que haja grande dispersão em torno da média para valores mais altos do coeficiente. Isso ocorre basicamente porque os partidos do primeiro grupo estão entre os que mais conquistam quantidades expressivas de assentos na Câmara, enquanto o segundo grupo batalha para garantir alguns poucos assentos, inflando a variância para valores mais altos de elegov. Sendo assim, os resultados evidenciam que as disputas pelos governos estaduais contribuem substancialmente para entendermos a composição da câmara baixa, sobretudo tendo em vista que a maior parte das legendas apresenta valores baixos e médios de elegov, o que corrobora a adequação do modelo inferencial proposto. Portanto, o artigo apresenta evidências robustas de que a entrada como cabeça de chapa na competição pelo Executivo estadual, ao contrário do que ocorre com a eleição presidencial, está associada a um melhor desempenho na disputa por cadeiras na Câmara dos Deputados.

A respeito das limitações, um último ponto merece ser discutido. O artigo não questiona a tese da especialização dos partidos, segundo a qual a trajetória das legendas do sistema partidário brasileiro revela que algumas estão mais inclinadas a disputas por cargos eletivos majoritários ou proporcionais (Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.). Pelo contrário, o argumento da especialização, a rigor, enaltece a importância do exame da coordenação dos partidos em torno das candidaturas aos governos estaduais. Reconhece-se igualmente que existem negociações entre os partidos em troca de apoio para a disputa de cargos no Executivo e Legislativo (Borges, 2015Borges, A. “Nacionalização partidária e estratégias eleitorais no presidencialismo de coalizão”. Dados, vol. 58, nº 3, p. 239–275, 2015.; Limongi; Vasselai, 2018Limongi, F.; Vasselai, F. “Entries and withdrawals: electoral coordination across different offices and the Brazilian party systems”. Brazilian Political Science Review, vol. 12, nº 3, 2018.). No entanto, dado esse cenário, o artigo questiona a extensão do argumento de que a eleição presidencial atua como ponto de amarração do sistema partidário brasileiro.

Os resultados demonstram que os cabeças de chapa em eleições presidenciais não tiraram proveito dessa condição para expandir sua presença no Parlamento nacional, enquanto evidenciam que a entrada na competição para os governos estaduais favorece a conquista de cadeiras na câmara baixa. Tais resultados sinalizam, portanto, que a arena estadual desempenha papel central no entendimento da organização e desenvolvimento do sistema partidário nacional.

Considerações finais

O artigo comparou como a estrutura de competição em torno das eleições para os Executivos nacional e estadual influencia a composição da Câmara dos Deputados, chamando atenção para uma nova dimensão de análise na tentativa de contribuir para interpretações mais precisas sobre a organização e o desenvolvimento do sistema partidário brasileiro.

Entre os principais achados, ressalta-se que o lançamento de candidaturas a governador está diretamente associado a um acréscimo no número de deputados federais eleitos pelos partidos no período em exame. Destaca-se, em especial, o forte efeito da variável elegov sobre a quantidade de assentos conquistados por um partido na Câmara.

Por outro lado, observa-se que a disputa presidencial apresenta limitado potencial para compreendermos a composição do Legislativo nacional. Em consonância com a recente literatura (Borges, 2019Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019.), não encontramos evidências de que a estratégia de liderar uma coligação pela presidência esteja associada ao total de deputados federais eleitos por um partido. Especificando os efeitos dos diferentes arranjos em torno das eleições presidenciais, o artigo identifica que somente os partidos que se integram a coligações lideradas por outra legenda têm seu desempenho nos pleitos para deputado federal favorecido, enquanto os que competem isoladamente enfrentam obstáculos para acessar mais assentos na Câmara dos Deputados. Em suma, os resultados recomendam cautela acerca do argumento da centralidade da disputa presidencial para a configuração do sistema partidário brasileiro.

O artigo dialoga com os achados de Borges (2019)Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019., porém inova ao propor que a arena estadual ocupa posição central, e ainda subestimada, na organização do sistema partidário nacional, tendo em vista que a entrada dos partidos nas competições para os governos estaduais está fortemente associada ao número de cadeiras conquistadas pelos partidos na Câmara dos Deputados. Sendo assim, adota-se uma perspectiva de análise inédita para a interpretação do sistema partidário brasileiro, partindo de uma comparação dos efeitos que as disputas pelos Executivos federal e estadual exercem sobre o acesso à câmara baixa.

Destaca-se que a maior presença nas eleições para os Executivos estaduais encontra-se fortemente associada ao melhor desempenho dos partidos em disputa por assentos na Câmara dos Deputados, oferecendo ganhos em termos de cadeiras conquistadas inclusive às legendas que se notabilizaram na disputa presidencial. Em síntese, os resultados corroboram a hipótese de que as eleições para governador exercem influência mais direta do que as eleições presidenciais sobre a disputa por assentos na Câmara, contribuindo, de forma acentuada, para a organização do sistema de partidos no país – notadamente ao considerarmos que o acesso à câmara baixa condiciona a distribuição de recursos essenciais para o funcionamento e competitividade das organizações partidárias.

Os resultados, portanto, evidenciam que as competições pelos governos estaduais imprimem traços marcantes para a organização e o desenvolvimento do sistema partidário nacional, o que impacta sua configuração e estabilidade. Com efeito, ao dimensionar a influência das disputas para os Executivos estaduais sobre as eleições legislativas nacionais, os resultados fornecem lentes que viabilizam o entendimento do crescente processo de fragmentação do sistema. Além disso, o monitoramento das interações competitivas entre partidos que disputam governos estaduais sinaliza a presença de componentes capazes de conferir instabilidade ao sistema, uma vez que a evolução no número de legendas sugere custos progressivos para a gestão de coalizões em âmbito nacional17 17 Enquanto a corrida presidencial foi protagonizada por dois partidos durante duas décadas, observa-se um número crescente de legendas que se credenciam à disputa dos Executivos estaduais. Entre 1994 e 2010, o número de partidos que elegeram governadores flutuou entre seis e oito, atingindo a marca de nove legendas com sucesso na corrida por Executivos estaduais em 2014, e treze em 2018. Vale destacar, ainda, que, embora o número de legendas competitivas em uma unidade da federação possa ser restrito, a configuração dos partidos competitivos em cada estado pode variar substancialmente, o que favorece o acesso de diversas legendas à Câmara dos Deputados. .

Neste sentido, argumenta-se que uma interpretação cuidadosa sobre o desenvolvimento do sistema partidário nacional não pode perder de vista o peso das competições para governador, sobretudo considerando o arranjo federativo que historicamente reserva a lideranças estaduais um espaço privilegiado de influência sobre o sistema político nacional. Uma análise sobre possíveis ganhos eleitorais dos partidos coligados nas disputas para governador ou mesmo um exame sobre a formação de alianças entre partidos em diferentes estados, suas conexões com a corrida presidencial e efeitos sobre o acesso à Câmara dos Deputados integram uma futura agenda de pesquisa, iniciada com a investigação proposta neste artigo. A agenda pode igualmente se beneficiar de uma análise do efeito coattails no nível individual, capaz de esclarecer sobre a extensão da influência do endorsement de candidatos a prefeito, governador e presidente sobre a formação das preferências dos eleitores quando decidem seu voto para deputado federal.

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  • 3
    Partidos políticos registrados no TSE. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse. Acesso em: 06 dez. 2023.
  • 4
    As eleições de 1994 para os cargos de presidente, governador, senador, deputados federal, estadual e distrital foram organizadas em data simultânea pela Lei Nº 8.713, de 30 de setembro de 1993, combinada com a Resolução-TSE n° 14.427, de 21.7.1994, que regia as eleições daquele ano. A disposição sobre a coincidência da data dos pleitos entra de forma definitiva para o ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei Nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas gerais para as eleições.
  • 5
    Este artigo chama atenção para um exame comparado acerca da influência das entradas dos partidos nas eleições de governador e presidente sobre a conquista de cadeiras na Câmara dos Deputados. Portanto, propõe-se uma interpretação do sistema partidário brasileiro a partir do influxo exercido pela estrutura da competição em torno dos Executivos federal e estadual sobre o acesso a assentos na Câmara dos Deputados. Para estudos que se concentram especificamente no exame da formação e congruência de coligações partidárias para cargos majoritários e proporcionais, determinantes de voto e desempenho nas eleições de deputado federal, ver, entre outros: Pereira e Rennó (2007, 2001)Pereira, C.; Rennó, L. “O que é que o reeleito tem? O retorno: o esboço de uma teoria da reeleição no Brasil”. Brazilian Journal of Political Economy, vol. 27, nº 4, p. 664–683, 2007., 2001Pereira, C.; Rennó, L. “O que é que o reeleito tem? Dinâmicas político-institucionais locais e nacionais nas eleições de 1998 para a câmara dos deputados”. Dados, vol. 44, nº 2, p. 323–362, 2001.); Leoni, Pereira e Rennó (2003); Mizuca (2007)Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.; Guarnieri (2011)Guarnieri, F. “A força dos partidos ‘fracos’”. Dados, vol. 54, nº 1, p. 235–258, 2011.; Miranda (2013)Miranda, G. “Coligações eleitorais: tendências e racionalidades nas eleições federais e majoritárias estaduais (1990-2010)”. Revista de Sociologia e Política, vol. 21, nº 47, 2013.; Borges e Sanches Filho (2016); Mesquita (2016)Mesquita, L. “Coordenação Eleitoral: o papel dos partidos políticos”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Instituto de Estudos Sociais e Políticos - IESP/UERJ, Rio de Janeiro, 8 abr. 2016.; Meireles (2019)Meireles, F. “Carreiras políticas na Câmara dos Deputados: Uma Análise Quase-Experimental”. Dados, vol. 62, nº 4, p. 1-38, 2019.; Borges (2019)Borges, A. “Razões da fragmentação: coligações e estratégias partidárias na presença de eleições majoritárias e proporcionais simultâneas”. Dados, vol. 62, nº 3, p. 1-37, 2019..
  • 6
    A literatura, hoje, reconhece severas limitações para o enquadramento analítico de sistemas partidários nos termos propostos pelo conceito de institucionalização de Mainwaring e Scully (1995)Mainwaring, S.; Scully, T. Building Democratic Institutions: party systems in Latin America. Stanford: Stanford University Press, 1995., em especial para democracias mais jovens. O rigor demandado pelos autores para a definição de um sistema institucionalizado, que envolve sobretudo a estabilidade das votações e laços estreitos entre eleitores e partidos, acaba por limitar o bom uso do conceito. Isso porque dele escapa a realidade de diversos sistemas democráticos, inclusive de democracias tradicionais, que passaram por transformações importantes em seus sistemas de partidos nas últimas décadas, sobretudo com o arrefecimento dos laços entre eleitores e organizações partidárias, motivados por percepções sobre a ilegitimidade de partidos políticos (Katz; Mair, 1995Katz, R. S.; Mair, P. “Changing models of party organization and party democracy”. Party Politics, vol. 1, nº 1, p. 5–28, 30 jan. 1995.; Ignazi, 2014, 2018)Ignazi, P. “Power and the (il)legitimacy of political parties” . Party Politics, vol. 20, nº 2, p. 160–169, 23 mar. 2014., 2018Ignazi, P. “The four knights of intra-party democracy: A rescue for party delegitimation”. Party Politics, vol. 26, nº 1, p. 9–20, 2018.).
  • 7
    Ao analisar a estrutura da competição a partir da interação entre os partidos e o formato adquirido pela disputa pelo Executivo, Mair (1996, 2006)Mair, P. Party systems and structures of competition. In: Leduc, L.; Niemi, R. G.; Norris, P. (Eds.). Comparing Democracies: elections and voting in global perspective. London: Sage Publications, 1996., 2006Mair, P. Party system change. In: Katz, R.; Crotty, W. J. (Eds.). Handbook of Party Politics. London: Sage Publications, 2006.) sugere que um cenário inicial de imprevisibilidade pode ganhar contornos de estabilidade por meio da consolidação de alguns arranjos que evidenciam certa continuidade nos padrões de competição entre os partidos. Neste sentido, Mainwaring, Bizzarro e Petrova (2018) recentemente reconhecem que a estabilidade nos padrões de competição eleitoral caracteriza-se como o elemento central para o debate sobre a consolidação de um sistema partidário. Dessa forma, entende-se que os pleitos para presidente e governador podem imprimir padrões de acesso à câmara baixa, contribuindo para a interpretação das raízes e estruturas que condicionam o desenvolvimento do sistema partidário brasileiro.
  • 8
    Neste artigo, examinamos o efeito das disputas em torno do Executivo federal e estadual para o entendimento do sistema partidário nacional, tendo como locus de análise a composição da câmara baixa. Para um exame detalhado acerca da congruência das coligações que se estabelecem entre os partidos nos diferentes níveis da federação, ver Mizuca (2007)Mizuca, H. D. “Coligações em eleições majoritárias municipais: a lógica do alinhamento dos partidos políticos brasileiros nas disputas de 2000 e 2004”. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 10 dez. 2007.. O autor destaca que as coligações entre os partidos para as eleições do Executivo no nível municipal são influenciadas pela disputa da arena estadual, sendo esta mais relevante para o entendimento da configuração do arranjo entre as legendas do que a disputa presidencial no recorte histórico analisado. Para um exame da conexão entre as interações entre partidos nas arenas municipal, estadual e nacional, ver Carneiro e Almeida (2008)Carneiro, L. P.; Almeida, M. H. T. “Definindo a arena política local: sistemas partidários municipais na Federação Brasileira”. Dados, vol. 51, nº 2, p. 403–432, 2008..
  • 9
  • 10
    A base de dados (excel) e o script do Stata estão disponíveis no site do Cesop, na seção Revista Opinião Pública, na página deste artigo: <https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica.
  • 11
    A estratégia de adotar como unidade de análise os partidos nacionalmente considerados busca contornar um impasse analítico, além de viabilizar a comparação do efeito que as disputas pelos Executivos federal e estadual exercem sobre o acesso a cadeiras no Legislativo nacional –, considerando-se que os pleitos ocorrem em distritos eleitorais geograficamente distintos (estados, no caso da disputa pelos governos e acesso à câmara baixa; e União, no caso da corrida presidencial).
  • 12
    A variável elegov indica o agregado das entradas de um partido nas disputas por governos estaduais em todo o território nacional. A construção desse indicador nos termos apresentados cumpre o propósito de viabilizar a comparação da influência exercida pelas disputas presidenciais e governatoriais, que ocorrem em distritos geograficamente diversos, sobre a composição da Câmara dos Deputados – dimensão de análise destacada no artigo como fonte de interpretações sobre o desenvolvimento e organização do sistema partidário nacional. Ressaltamos novamente que a variável em discussão é construída em duas etapas. Na primeira, contabilizamos, de forma binária, se um partido lançou (1) ou não (0) candidato a governador em cada um dos estados e, em seguida, multiplicamos esses valores pelo percentual do eleitorado correspondente à cada unidade da federação. Sendo assim, a construção do indicador, ao levar em consideração o tamanho do eleitorado, assume que o lançamento de candidato a governador em um estado populoso pode exercer maior peso que a decisão de concorrer em um estado pequeno – ressaltando que, em geral, os estados com maiores colégios eleitorais são aqueles com maior quantidade de cadeiras na Câmara dos Deputados. Desse modo, a construção da variável elegov considera que a disputa por governos estaduais em estados mais populosos pode favorecer a obtenção de um número maior de cadeiras no Legislativo nacional, razão pela qual ponderamos a decisão do partido de lançar ou não candidato pelo tamanho do eleitorado de cada unidade da federação.
  • 13
    Foram utilizadas as classificações apresentadas nos anexos do livro Coligações e Disputas Eleitorais na Nova República (Miguel; Krause; Machado, 2017). Em virtude da ausência de classificação ideológica dos partidos para a eleição de 2018, foram utilizadas as classificações obtidas para o pleito de 2014. Todas as demais classificações se referem aos anos eleitorais correspondentes.
  • 14
    O modelo de regressão binomial negativo justifica-se, tendo em vista que a regressão de Poisson não oferece estimadores confiáveis diante da superdispersão identificada no exame dos dados (Fox, 2016)Fox, J. Applied Regression Analysis and Generalized Linear Models. Third edition. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2016.. Não utilizamos um modelo zero-truncated negative binomial para a análise empírica especialmente porque o data generating process permite a ocorrência do valor zero, situação que descreve o evento, não raro, em que um partido não conseguiu conquistar nenhuma cadeira na Câmara dos Deputados em uma determinada eleição.
  • 15
    Sobre os riscos de um possível embaralhamento dos efeitos da candidatura para governador em estados diferentes, algo que poderia colocar em xeque a validade da variável elegov por comprometer o mecanismo causal assumido a partir da lógica do efeito coattails de governador, destaca-se que, em termos teóricos, a possibilidade de manifestação de tal efeito demanda a mobilização de recursos. Como exemplo temos a disponibilidade de quadros com prestígio para encabeçamento de uma campanha para governador, tempo de propaganda, modos de utilização do endorsement do candidato a governador em favor dos candidatos ao Legislativo, entre outras questões que escapam do objeto deste artigo. Em termos práticos, essas questões estão intimamente relacionadas ao pleito que ocorre circunscrito ao distrito eleitoral, algo que, em consonância com os dados descritivos apresentados na tabela, sugere que faça pouco sentido imaginar que a candidatura de um partido em um estado possa transbordar efeitos para outro, favorecendo candidatos a deputado federal do mesmo partido em outro estado.
  • 16
    A única situação que destoa dessa tendência, por alguns poucos décimos, refere-se ao caso do PT em 1994. Isso ocorre em função do desempenho atípico a favor da legenda em Santa Catarina, Mato Grosso e Sergipe, estados nos quais o partido conseguiu 12,5% das cadeiras em disputa, o que contribuiu para que a média fosse sensivelmente acrescida de alguns pontos percentuais, sobretudo tendo em vista que o PT não conseguiu nenhuma cadeira em Alagoas e Amapá naquele ano. Sendo assim, os dados descritivos sugerem que a disputa pelo Executivo estadual incrementa as possibilidades de acesso à câmara baixa, inclusive para os partidos cuja marca já foi bastante difundida ao longo do território nacional por se notabilizarem na corrida presidencial, algo que corrobora a investigação do influxo desempenhado pela arena estadual na organização do sistema partidário brasileiro.
  • 17
    Enquanto a corrida presidencial foi protagonizada por dois partidos durante duas décadas, observa-se um número crescente de legendas que se credenciam à disputa dos Executivos estaduais. Entre 1994 e 2010, o número de partidos que elegeram governadores flutuou entre seis e oito, atingindo a marca de nove legendas com sucesso na corrida por Executivos estaduais em 2014, e treze em 2018. Vale destacar, ainda, que, embora o número de legendas competitivas em uma unidade da federação possa ser restrito, a configuração dos partidos competitivos em cada estado pode variar substancialmente, o que favorece o acesso de diversas legendas à Câmara dos Deputados.
  • 18
    Os estimadores de quase-verossimilhança conservam as mesmas propriedades dos estimadores de máxima verossimilhança, sendo normalmente distribuídos.
  • 2
    O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, da FAPDF - Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal e da FAPESP -Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (processos 2020/14153-7 e 2023/05985-7).

Anexos

Uma análise descritiva da variável dependente sugere a presença de superdispersão na amostra, fenômeno ocasionado pela ausência de correspondência entre média e variância (Wooldridge, 2010Wooldridge, J. M. Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. 2nd ed. Cambridge, Mass: MIT Press, 2010.; Fox, 2016Fox, J. Applied Regression Analysis and Generalized Linear Models. Third edition. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2016.). Na Tabela 6, nota-se a diferença observada entre a média – 17,51 – e desvio-padrão – 24,92, indicativos da presença de uma superdispersão que inviabiliza a estimação de coeficientes precisos por meio de um modelo de Poisson (Fox, 2016Fox, J. Applied Regression Analysis and Generalized Linear Models. Third edition. Thousand Oaks, California: SAGE Publications, 2016., p. 434). Assim, a distribuição binomial negativa revela-se mais adequada.

Tabela 6
Descrição da variável dependente (num_eleitos)

O Gráfico 2 compara a distribuição da variável dependente e as projeções hipotéticas obtidas pelas distribuições de Poisson e binomial negativa, corroborando a adoção do modelo proposto.

Gráfico 2
Comparação da distribuição da variável dependente com as projeções estimadas a partir de Poisson

Na sequência, comparamos com a Tabela 7 os coeficientes e os resíduos estimados, respectivamente, pelos modelos de Poisson, Quasi-Poisson – que, diferentemente do primeiro, não assume como premissa a equivalência entre média e variância, minimizando os resíduos – e o modelo binomial negativo. Salienta-se que o segundo modelo mencionado adota uma abordagem mais flexível, quando comparado aos modelos lineares generalizados, e assume proporcionalidade entre média e variância para acomodar superdispersão nos dados18 18 Os estimadores de quase-verossimilhança conservam as mesmas propriedades dos estimadores de máxima verossimilhança, sendo normalmente distribuídos. .

Tabela 7
Comparação entre os coeficientes e resíduos estimados por modelos de Poisson, Quasi-Poisson (overdisp) e binomial negativo (nbreg)

Destaca-se que a comparação dos coeficientes e dos resíduos estimados pelos três modelos, levando em consideração que o primeiro não é adequado para lidar com a superdispersão da amostra, justifica a adoção do modelo negative binomial.

Os testes de log likelihood reportados abaixo nos permitem concluir no mesmo sentido. A Tabela 8, com os resultados de Poisson para um modelo vazio – que inclui apenas a constante como preditor – e do modelo sobre o qual interpretamos os resultados indica que o modelo negative binomial é o que melhor respeita a distribuição da variável dependente.

Tabela 8
Testes de log likelihood para modelos: de Poisson, restrito (constant-only model) e binomial negativo (full model)
anexo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2021
  • Aceito
    11 Nov 2023
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