Português fora da Europa - Registos Sonoros
(Gravações do Grupo de Linguística de Corpus do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa)
Bacelar do Nascimento, Maria Fernanda (org.), Português Falado: Documentos Autênticos (Gravações audio com transcrição alinhada). Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa & Instituto Camões. 2001 [CD-ROM]



- depois destes anos de ocupação indonésia, a situação em Timor alterou-se, eh, nomeadamente a linguística. o padre Francisco Fernandes tem conhecimento de qual é a situação actual?

-> de facto, como afirmou, eh, a situação política, eh, condicionou a situação linguística. antes o ensino do português era oficial, apoiado pela, governo e igreja, hoje está completamente banido. a situação actual, o aprendizagem do português foi ainda feito pela igreja, até mil novecentos noventa e dois, no Externato São José, que foi encerrado depois de doze de Novembro, do massacre de Santa Cruz. a partir daí, a língua portuguesa é aprendida, praticamente, nas famílias, as pessoas têm agora a tendência de se afirmar diferentemente dos indonésios. portanto, falam português, embora o português não seja correcto, mas tenta expressar-se em português, na situação actual, e até... há indonésios que aprendem português, neste momento.

- eh, ó padre Francisco, há aí um, um ponto que de facto, eh, a mim surge-me, pessoalmente, algumas dúvidas: havia alguns casos em que a língua portuguesa era ensinada como língua materna? portanto, eu digo, antigamente, ou o português era aprendido mais tarde como língua estrangeira?

-> eh, na, durante a administração portuguesa, o, os pais que sabiam português procuravam ensinar os seus filhos o português. e esse ensino depois é continuado nas escolas, sobretudo nas escolas das missões, eh, espalhadas pelo... território. portanto, é raro o aprender o ensino do português como língua estrangeira, mais tarde, a não ser os chineses.

- hum, hum.

-> os chineses e outros, ou... árabes que se encontram em Timor, aprendem a língua, eh, portuguesa como língua estrangeira, mas o timorense ataca logo, como língua materna.

- hum, hum. eh, então pelo que vejo, portanto, digamos que Timor seria um mosaico linguístico, tinha-me falado inclusive dos dialectos, podia talvez explicar-nos um pouco isso.

-> de facto, é um caso estranho, que uma ilha tão pequena com... vinte mil quilómetros quadrados, e é, e é bombardeada ou ex[...], eh, in[...], confrontada com diversidade de línguas, ou dialectos. vinte, pelo menos, oficialmente registados

- hum, hum, hum.

-> são vinte, em que a língua franca é o tétum.

- hum, hum.

-> por exemplo, só no meu caso, na, na minha terra, um posto com... uma superfície um pouco superior a Macau aí... vinte vezes, fala quatro línguas, ou quatro dialectos

- hum, hum.

-> para uma população de dez mil. falam quatro dialectos diferentes. mas todos eles compreendem, ouvem ou compreendem tétum. portanto, tétum é a língua franca para toda a, a ilha.

- hum, hum, hum.

-> para, depois do português ou do, é tétum primeiro, depois é português. depois, cada um na sua área fala o dialecto que entender. são, são logo vinte. por aquilo, aquilo é uma salada russa autêntica. é difícil de compreender uns aos outro, a não ser através do tétum.

- hum, hum, hum. eh, eh, então mas diga-me, por exemplo, antigamente, naturalmente o português não seria falado por todos. eh, sendo assim, em que actividades é que era usada como língua de comunicação?

-> exacto. português não era falado por todos, porque, havia pouca oferta. havia muita procura da parte dos timorenses em aprender o português, mas a oferta muito pouca. e então, a língua p[...], a... portuguesa limita-se às classes [...], funcionário público, ah, às missões, eh, às Forças Armadas, à classe comercial de Timor e... aqueles que estão nos centros urbanos, como Díli, Baucau, ou de centros de concelho, esses procuram falar português, mas a população timorense que está na montanha, eh, o portuguê[...], ele não tem muito acesso porque não há escolas, e além disso, eh, o acidentado do terreno não facilita mesmo, ah, a deslocação de pessoas para... escolas. porque as escolas são muito afastadas da zona. tens que caminhar aí quatro ou cinco dias para ir até uma escola. portanto a dificuldade está em, eh, oferecer o ensino ao povo que tem a s[...], fome de aprender português.

- o, o padre Francisco lembra-se de como era ensinado o, a língua portuguesa?

-> bem, eh, a língua portuguesa em Timor, eh, aquilo, aprendemos à martelada. porque o povo gosta de aprender e então, os professores aproveitam a oportunidade para fazer uma, uma aprendizagem muito acelerada. eu, o meu caso pessoal, eu estive num colégio de jesuítas, o colégio mais antigo de Timor. eh, já foi fundado do século passado pelo... bispo Medeiros.

- hum, hum.

-> está numa área completamente inacessível. só vai carro para lá uma vez por ano. ou o carro do governador, ou do pu[...], bispo, e é completamente isolado. mas, porque aquele colégio é um colégio pioneiro, e tem uma educação espartana, o ensino do português lá é muito proveitoso. toda a gente manda filhos para lá. chegamos lá, por exemplo, eh, o primeiro dia de aula é proibido falar, os alunos, cada um, é proibido falar a su[...], o seu dialecto. para quem sabe português, começa logo manejar o portug[...], quem não sabe tem que ficar em silêncio durante meses, porque havia réguas, eh, aquilo são quatro[...], ah, quinhentos alunos internos, organizados em castelos da Mocidade Portuguesa, havia réguas, que, ah, mais de vinte réguas a caçar quem fala dialectos. por forma que, através da régua, os alunos, ah, tinham que aprender à força, aprender à força.

- é um método muito persuasivo, ó padre Francisco.

-> é um método, mas muito deu resultado. e as pessoas depois de três ou quatro meses acabam por falar português, e no fim do ano, eh, dominam o português. em relação a outros colégios, esses falavam muito melhor. e eu estive nesse colégio quatro anos, eu sei como é que o método rendeu, e depois, mais tarde, fui como superior, director desse colégio, eu não mudei a regra. eu impus, eu continuei com a regra da régua.

 

 

 


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