"Cada vez que cá venho, gosto mais disto." Francisco Fino não esconde o sorriso na hora de mostrar a sua nova galeria. Na Capitão Leitão, em Marvila. Na mesma rua já estão as galerias Baginski e Múrias Centeno. A procura arrancou há mais de um ano. "Comecei no centro de Lisboa. Para o programa e ideia de galeria que queria desenvolver, não conseguia encontrar um espaço", conta. Tentou depois a sorte numa zona que pouco conhecia. "Comecei literalmente a bater de porta em porta." E achou. Pagou 200 mil euros por um espaço com cerca de 500 metros quadrados, que vai inaugurar a 15 de Maio. "Nos últimos meses, já me ofereceram três ou quatro vezes mais do que aquilo que paguei pelo espaço. É evidente que não vou vender", assegura.
Este é apenas um dos casos a evidenciar uma nova dinâmica em Lisboa: a afirmação da cidade a nível cultural e, mais concretamente, nas artes plásticas. Desde o final de 2014, é possível contar a abertura de pelo menos duas dezenas de galerias de arte contemporânea. No número contam-se as duas que abrem portas na antevisão da ArcoLisboa, feira de arte que decorre de 17 a 21 de Maio na Cordoaria Nacional: a portuguesa Francisco Fino e a espanhola Maisterravalbuena, que escolheu Alvalade para a estreia no país.
Madragoa, Mute, Pedro Alfacinha, Barbado, Bessa Artes, Acervo, The Switch, Gabinete ou Foco são apenas alguns dos exemplos de galerias que abriram ao longo dos últimos dois anos e meio na capital. O balanço integra as associações culturais e espaços temporários ou expositivos sem fins lucrativos como a Zaratan, o Hangar ou A Ilha. A que acrescem duas apostas municipais, a Galeria Avenida da Índia e as Carpintarias de São Lázaro - a última inaugurada em Fevereiro.
Desde o final de 2014, abriram mais de 20 galerias de arte contemporânea em Lisboa. Duas fazem-no em antevisão à ArcoLisboa. Na lista está a espanhola Maisterravalbuena.
"Acho que a concorrência é positiva. Quantos mais espaços existirem, melhor. Não só vão atrair curadores como coleccionadores. Qualquer coisa está a mexer, evidentemente", perspectiva Francisco Fino. Para a existência de mais de meia centena de galerias em Lisboa, bem como para os planos de instalação de novas, muito conta o preço do imobiliário.
Numa altura em que há pequenos projectos a fechar em Londres, Nova Iorque ou Berlim - mais reconhecidas artisticamente que Lisboa - a capital lusa tem uma oportunidade para se afirmar. "Conheço coleccionadores que decidiram fazer a sua primeira residência em Lisboa. Suecos ou franceses, por exemplo. Já ouvi dizer que é possível que abram outras galerias internacionais muito, muito em breve", acrescenta.
Centralidade em descoberta
Depois de anos de abandono e degradação do património, Marvila é uma das áreas mais promissoras para se apresentar como uma nova centralidade cultural. A freguesia lisboeta está a transformar-se num destino para a "instalação de ateliês de arquitectura, restaurantes, ginásios e actividades culturais e artísticas", explica Fernando Vasco Costa, responsável pela área de desenvolvimento da consultora imobiliária JLL.
À boleia da vizinhança do novo "hub" empreendedor no Beato e de um projecto residencial em Braço de Prata, o preço do metro quadrado para venda em Marvila tem vindo a subir. Contudo, esta área é ainda a mais barata da capital: 1.398 euros. Menos de metade que os valores por metro quadrado pedidos nas freguesias da Misericórdia (3.444 euros) e de Santa Maria Maior (3.272 euros), correspondentes às zonas da Baixa, Chiado, Bairro Alto ou Alfama, mostram os dados da Confidencial Imobiliário. São zonas com maior tradição no campo da arte, onde continuam a surgir novos projectos. No Chiado, por exemplo, foi inaugurado esta semana um novo hotel dedicado à arte contemporânea: o Le Consulat conta com suites decoradas em parceria com as principais galerias de arte lusas.
Mesmo com estas diferenças de preços, ainda assim, há quem decida não apostar já na zona mais barata. "Estive a minutos de assinar um contrato de um espaço em Marvila. Vivendo na Parede, quis facilitar a minha vida, pensando que a galeria pode existir fora do circuito habitual", conta Mikael Larsson.
"Não acho que uma galeria tenha de ter uma montra na Baixa ou numa avenida principal. Os projectos mais interessantes que surgem internacionalmente de jovens galerias, para mim, surgem de uma forma relaxada. Não há investimentos por aí além", remata.
Este sueco com raízes portuguesas optou por abrir a Hawaii-Lisbon na Parede, já no concelho de Cascais, numa antiga garagem. Investiu cinco mil euros e acredita que, se tivesse avançado em Marvila, esse valor poderia ter sido quatro vezes maior. "Este espaço tem 15 metros quadrados. O stand na ArcoLisboa vai ser maior", brinca.
Mikael Larsson trabalha a partir de casa. O acervo é noutro espaço. Quando precisa, leva as peças para a galeria. "É o que é. Não tenho grande preocupação. Estamos a promover jovens que, mais tarde ou mais cedo, vão lá chegar." O foco da Hawaii-Lisbon está nos artistas e clientes internacionais. "Se calhar, com este dinamismo de aberturas, vai criar-se um novo mercado. Internamente, o coleccionismo ainda é uma coisa muito camuflada. Parece que não há orgulho", lamenta.
O galerista - "bem, é uma forma muito romântica de dizer a coisa, somos negociadores de arte" - não deixa, todavia, a presença na cidade de Lisboa cair. Para 2019, Mikael está a estudar um novo espaço. "Ando a ver numa área que não foi totalmente dominada por lojas de design e cappuccinos caros", diz. Madragoa, bem perto da galeria com o mesmo nome fundada por Matteo Consonni e Gonçalo Jesus.
Feira, ponto de contacto
Os clientes estrangeiros são já a maior fatia. "Tenho-me aguentado também este tempo todo com alguns clientes portugueses que vivem cá, mas não trabalham no país", explica Cristina Guerra. É nas feiras que esta galerista, há 16 anos por conta própria, tem apostado. "É lá que conhecemos os clientes", garante. No dia da conversa com o Negócios, Cristina Guerra tinha de decidir se participaria numa mostra em Düsseldorf. A equipa alertava-a para os custos envolvidos. Dentro da sua cabeça, ela já tinha decidido que ia.
"Agora faço cinco feiras por ano. Nos bons tempos fiz nove. Depois vai aparecendo mais um ou outro projecto como este de Düsseldorf." A empresária está consciente dos custos envolvidos, agravados pela posição periférica de Portugal.
"Por 60 metros quadrados em Art Basel, tanto na Suíça como em Miami, o que gasto em hotéis, transportes e outras coisas, anda à volta de 100 mil euros. A média dos artistas portugueses, sem contar com os de topo, anda à volta dos 12 mil euros. Se metade é para o artista e metade para o galerista, para pagar 100 mil euros tenho de fazer mais de 200 mil, sem descontos", explica. Por isso, aconselha: "Uma galeria que não tem capacidade económica para ir a uma feira aqui ao lado, como em Madrid, tendo sido seleccionada, o melhor é fechar a porta."
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