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Into the interstices of changing western societies, what kind of community contemporary sexual plural parceria concerns?/Nos intersticios das sociedades ocidentais em mutacao, a que tipo de comunidade a pluriparceria sexual contemporanea diz respeito?

Introducao

Quanto ao ato sexual, Durkheim (1911) afirma que "nao ha ato que ligue mais fortemente os seres humanos; ha uma potencia associativa e, por consequencia, moralizante, incomparavel"; o autor se refere, portanto, implicitamente, a situacao mais corrente, erigida em norma fundamental da sociedade ocidental, aquela de uma relacao estritamente diadica (2). Em outros espacos e/ou outras epocas, as relacoes sexuais se desenvolveram tambem de forma coletiva, como no caso das sociedades Inuits a proposito das quais Mauss (1906) cunhou o conceito de comunismo sexual. Na sociedade ocidental contemporanea (Combessie, Mayer, Angell, 2013), em quais circunstancias e sob quais condicoes um comunismo sexual pode se desenvolver em torno de relacoes de pluriparceria sexual?

Foucault demonstrou a qual ponto as injuncoes em torno do ato de falar sobre o exercicio sexual (aos confessores, aos medicos, aos psicanalistas) tem notavelmente por funcao distinguir as "boas" e as "mas" praticas, e sublinha como os "dispositivos sexuais" converteram o "sangue azul dos nobres [...] em uma sexualidade sa" (Foucault, 1976, p.166). Podemos nos perguntar em que medida, na sociedade contemporanea, as formas de sexualidade coletivas--a priori afastadas das normas tradicionais a tal ponto que, se tratando de praticas sexuais, tendem a ser dotadas do carater de doentias--podem permitir a cristalizacao de formas comunitarias em torno de praticas hetedoroxas. Para faze-lo, comecaremos por testar a fecundidade heuristica, em tal terreno, do conceito de comunismo sexual proposto por Mauss (1906), a proposito de sociedades nas quais tais praticas foram correntes.

O tipo de comunidade considerado aqui esta situado nas intersecoes entre o que escreveram Weber (1921) sobre a "relacao erotica" como "lugar comunitario" , Tonnies (1887) e Simmel (1908), a proposito da amizade, o conjunto se desenvolvendo a partir do quadro que Elias (1970) denomina como "configuracoes de interdependencia".

Nobres combates e mas praticas de legitimidade

O conceito de comunismo sexual e acionado, em geral, em funcao da analise de grupos de pessoas que se declaram homossexuais. Portanto, quando Dumezil (1948) desenvolve o conceito de "heresias sexuais" em torno da homossexualidade masculina, referindo-se a praticas especificas, como aquelas relacionadas a "caca amorosa". Por outro lado, privilegiar o foco na questao da orientacao sexual nao contribui para mascarar a heresia das proprias praticas?

A historia recente das comunidades homossexuais se enquadra em dois tipos de questoes. A primeira refere-se as lutas pelo reconhecimento desta orientacao sexual: apontamentos politicos que agregam as lutas coletivas por direitos sociais, civis, fiscais ou familiares. A segunda remete as praticas individuais que, a partir do que foi dito acima, podem ser globalmente divididas em tres grupos. De uma parte estao em foco as relacoes entre desconhecidos, assim como o analisado nos Estados Unidos por Humphreys (1970) e recentemente na Franca por Proth (2002) e Gaissad (2013). De outra, "a amizade como modo de vida", evocada por Foucault (1981, p.38), ou a "franco maconaria gay", mencionada por Eribon (2003, p.27): as solidariedades interindividuais. Finalmente, estao em questao as praticas de vida em casal comparaveis aquelas das diades tradicionais heterossexuais.

As inscricoes politicas e aquela referente as praticas nao sao passiveis de serem superpostas: a primeira concerne as acoes publicas em favor dos direitos segundo uma dada orientacao, a segunda as interacoes privadas interindividuais. Os atores envolvidos com uma dessas questoes nao sao necessariamente ativos na outra (3), mas eles interagem. Se a reivindicacao de um direito ao casamento homossexual tende a se impor, e talvez devido ao fato de que ela remete implicitamente a uma relacao amorosa conjugal. Ao inverso, a pluriparceria sexual pode ser tolerada, mas parece nao poder ser objeto de nenhuma reivindicacao politica por reconhecimento.

Nos meios bi ou heterossexuais a multiplicidade de parcerias--sejam elas estabelecidas na forma de pluriparcerias sequenciais ou de sexualidades coletivas--sao tao mais dificilmente legitimaveis que compartilham com os Black rooms gays as suspeitas, nem sempre infundadas, em torno da difusao do HIV (Beltzer e outros, 2005). Da estigmatizacao das praticas aos riscos sanitarios para os seus participantes, passamos facilmente aquele das praticas de risco sob o ponto de vista social.

A legitimacao e ainda mais dificil para as mulheres (Combessie, 2008). Por um lado, elas sempre dispoem de menos margens de manobras politicas do que os homens--salvo no que se refere ao seu reconhecimento sob o estatuto de vitima--, por outro lado, pesa sobre elas, mais do que sobre eles, as injuncoes em torno de relacoes sexuais estritamente circunscritas a um arranjo diadico exclusivista. A polissemia da libertinagem nao e capaz de anular o estigma que pesa sobre a mulher facil que mantem multiplos parceiros. Para algumas, e necessario assumi-lo:

Eu prefiro que digamos vadia! Nao se deve temer as palavras: uma vadia e uma moca (4) que ama o sexo, e eu adoro! Entao eu digo: eu sou uma vadia, e tenho orgulho disso! Assim como eu tenho orgulho de ser negra e proveniente das Antilhas! Para alguns e uma tara, para mim e um orgulho. Da no mesmo! (Chimene, 37 anos, casada, agente comercial).

Dos iglus Inuits as noites quentes parisienses.

As sociedades, portanto, legitimam formas de pluriparceria reguladas. Mauss (1906) descreve notavelmente o caso Inuit: Estas trocas ocorrem no inverno entre todos os homens e todas as mulheres da localidade. Durante um instante, podemos dizer, o cla, em todo o seu amorfismo, absorve a familia. Alem desses intercambios generalizados que ocorrem entre todos os membros do grupo e que assumem o carater de ritos sexuais, existem outros, mais ou menos permanentes, que se estabelecem entre os individuos particularmente. Mauss sublinha a intensidade das solidariedades e da integracao social que decorrem daquilo que ele denomina comunismo sexual:

O comunismo sexual e uma forma de comunhao, e talvez a mais intima delas. Quando ele se estabelece se produz uma especie de fusao das personalidades individuais de uns e outros [...] [Esta fusao] afeta [...] as ideias, as representacoes coletivas, resumindo: a mentalidade do grupo (Mauss, 1906, p.97-98).

Estas solidariedades se desenvolvem tambem entre pessoas de filiacoes diferentes, criando lacos de parentesco:

Os homens que estabelecem tais intercambios tornam-se irmaos por adocao, as mulheres sao consideradas como irmas umas das outras, e se passa o mesmo entre todas as criancas nascidas destas unioes. [.] Estas se tratam portanto de novas provas de que os grupos nos seios dos quais se pratica o comunismo sexual se constituem grupos de parentesco mesmo quando este se estabelece entre estranhos, esta pratica cria entre eles um laco de parentesco (Mauss, 1906, p.109-110).

Estas praticas envolvem todos os "individuos nubeis" de grupos nos quais a caracteristica comunal e fundamentalmente, ligada ao conjunto da organizacao social, a base do cla, e isso justifica o conceito de comunismo sexual. Diferentemente dos Inuits, do inicio do seculo XX, as praticas que eu estudo dizem respeito apenas a uma infima parte da sociedade francesa (5): elas sao fragmentadas e de fato estigmatizadas. As sexualidades coletivas das quais participam as mulheres que aceitam me reportar seus"pequenos segredos" (6) nao revelam praticas comunais nos termos usados por Mauss (1906) quanto aos Inuits. Os modos comunais de se relacionar que elas engajam parecem dever ser analisados em referencia a tres aspectos da nossa sociedade, que interferem nas suas condicoes de reconhecimento, de facilitacao ou de limitacao: o desenvolvimento do individualismo, dos meios de comunicacao e das trocas monetarias (Combessie, 2015).

O individualismo e a emancipacao das mulheres

O desenvolvimento do individualismo e acompanhado de um processo que convem chamar de emancipacao das mulheres, o seu acesso cada vez mais facil a funcoes, status e praticas em outros tempos reservados aos homens. Em materia de sexualidade, esta emancipacao foi facilitada por um grande controle da fecundidade. Esta evolucao, por outro lado, transpoe as fronteiras, mas nao as suprime; sob estas reconfiguracoes perduram formas de se relacionar socialmente, marcadas pela dominacao masculina, sobretudo no dominio domestico. Raros sao os homens que aceitam "compartilhar" suas companheiras sob cuja sexualidade parece se continuar a reivindicar uma forma de direito exclusivo. Toda relacao sexual e implicitamente uma relacao dual (7). A invencao do casamento por amor modificou as relacoes conjugais, mas sem colocar em questao a norma social dominante que convida, sobretudo as mulheres, a correlacionar todo intercambio sexual ao estabelecimento de uma relacao diadica e, se possivel, perene.

As mulheres sao mais livres sexualmente nos periodos de celibato, fases estas muito mais prolongadas e frequentes nos dias de hoje que em outras epocas: o individualismo e o prolongamento da expectativa de vida sao correlatos ao aumento do numero de rupturas conjugais. Esses periodos, finalmente, oferecem as mulheres ainda mais possibilidades de estabelecer multiplas parcerias dado que elas podem justificar tais praticas inscrevendo-as em uma perspectiva de busca de uma parceria duravel (Combessie, 2015). Tal fenomeno propicia um caminho diferente daquele que descrevemos tradicionalmente quando planejamos um encontro baseado em centros de interesse comuns "com ainda mais afinidades"; "agora [disse-me uma informante] eu comeco por testar a compatibilidade [dos meus parceiros] em termos sexuais ... [antes de um eventual compromisso sentimental]".

O aviao, o trem, o carro ... e a internet!

O desenvolvimento dos meios de transporte facilita os deslocamentos, vide os fluxos migratorios, alargando o circulo dos encontros (8). A pluriparceria sexual, tendendo particularmente a se desenvolver a partir de pessoas melhor dotadas de capitais sociais diversos, estas praticas podem ser utilizadas como via de integracao social pelas pessoas originarias de meios comparaveis, porem provenientes de paises do Sul ou do Leste, e que desejam uma integracao rapida na sociedade ocidental (constituicao de novas redes amigaveis, estrategias matrimoniais ou profissionais).

A internet favorece um incremento consideravel de todas as redes de adeptos de praticas marginais, sejam quais elas forem (9). O intercambio de fotos e imagens em webcam permite testar uma eventual atracao fisica entre desconhecidos. O strip-tease diante de uma camera de computador constitui em certos casos a primeira etapa de um processo que podemos considerar como uma iniciacao, em particular para os mais jovens e futuros adeptos destas praticas.

O sexo e o dinheiro

O desenvolvimento das trocas monetarias introduz em compensacao muitos obstaculos a pluriparceria sexual de tipo comunitario: de uma parte implica no risco de assimilar certos intercambios sexuais a prostituicao, pratica de conotacao negativa na sociedade ocidental contemporanea (10), por outro lado, rompe com o laco criado pelo intercambio sexual na medida em que a remuneracao de um intercurso sexual pode perturbar a dinamica de uma troca do tipo dom e contra-dom na qual a reciprocidade e uma condicao ao desenvolvimento de um laco comunitario.

Um retorno a uma analise proposta em 1977, por Bejin e Pollak, coloca em evidencia a aparicao de uma nova configuracao das trocas desigualitarias, permitindo aprofundar esta questao dos obstaculos estabelecidos pelas dificeis relacoes entre o sexo e o dinheiro. Sobre o termo "revolucionismo sexual", eles descrevem uma configuracao social de trocas que "florescem" nas camadas jovens de fracoes dominadas e ascendentes da classe dominante [...] (intelectuais, artistas, profissionais liberais, estudantes). Eles sublinham a desigualdade:

A troca sexual, mesmo quando envolve formalmente trocas entre equivalencias, e de fato uma troca desigual que beneficia aqueles que dispoem de uma quantidade suficiente de bens nao sexuais (esteticos, materiais, simbolicos) e que, respeitando as regras de um mercado que lhes oferece vantagens, sao mais capazes de se distanciar destas regras, de jogar com elas (Bejin e Pollak, 1977, p.119).

Eles analisam a dinamica do desenvolvimento das relacoes sexuais que desvalorizam os "sem valor" em proveito dos "saciados":

Enquanto os sem valor sao frequentemente limitados a se descarregar periodicamente em beneficio de uma prostituicao que se industrializa [...], a exercitar a sua produtividade sexual em praticas sexuais fundadas sob o desejo-desprezo, os novos "saciados" da sexualidade moderna tendem a [. ] melhorar sua posicao na hierarquia [.] social acentuando a desvalorizacao sexual dos outros agentes e, portanto, o carater desigual das trocas de satisfacao com os mesmos. Dominando as regras de avaliacoes sexuais reciprocas, habeis a converter incessantemente suas vantagens de uma esfera a outra (material, sexual, simbolica), a aprimorar seus corpos como simbolo de uma valorizacao eficaz (vestimenta e outros ornamentos) e em uma apresentacao de si adequadamente diferenciada segundo o lugar no qual seus corpos se inserem por um periodo determinado, estes 'saciados' se caracterizam de outra forma pela plasticidade normativa e 'tolerancia' (Bejin e Pollak, 1977, p.119-120).

Nos grupos de adeptos de sexualidades coletivas, minhas pesquisas me permitiram verificar a dificuldade encontrada pelas mulheres de origens modestas para operar sobre elas mesmas o trabalho necessario para adotar uma plasticidade normativa e tal tolerancia. Eu me limito aqui a evocar a dimensao a partir da qual a questao do dinheiro cristaliza estas dificuldades e limita o desenvolvimento das relacoes. Estas mulheres aceitam, de forma mais resistente, convites efetuados por pessoas mais ricas, homens ou mulheres, mesmo no ambito das trocas menos visivelmente sexuadas. As manifestacoes de solidariedade amigavel correntes (convites a restaurantes, pagamento de um taxi para o retorno a casa, etc.) sao para elas tao mais dificeis de aceitar quanto mais o objeto central do encontro e de natureza sexual. Nestas situacoes, o dinheiro pode tornar-se um fator de tensao intracomunitario e de reativacao da tensao inerente a sua referencia a dominacao masculina. Uma restricao ao estabelecimento de relacoes se segue, uma restricao progressiva destas mulheres talvez se anuncie de acordo com a base social de recrutamento de parceiros duraveis.

De forma ainda mais direta, o dinheiro impoe limites ao desenvolvimento equilibrado das relacoes. Os encontros de sexualidade coletiva demandam uma infraestrutura. Se ela e comercial (boates, saunas, etc.) deve ser rentavel. Se ela depende de particulares, deve-se assegurar uma forma de compartilhamento de custos; nao se pode reunir trinta pessoas, (11) todo final de semana, sem oferecer o que e necessario para acolhe-las, restaurar-lhes o animo, etc. O dinheiro deve, portanto, poder circular livremente, assim como os pequenos agrados, signos de atencao que sao como demonstracoes de cumplicidade ao seio da coletividade (Combessie, 2015).

Segundo esse mesmo padrao, a desigualdade que limita as relacoes de troca de uns favorece o desenvolvimento de intercambios entre outros sobre a base de uma especie de homogeneidade social pre-estabelecida, cuja natureza tende a intensificar o sentimento difuso de comunidade que ela mesma promove. Esta tendencia pode, desta forma, levar tambem a marginalizacao do grupo. As condenacoes morais das quais esses comportamentos sao objeto conduzem a estrategias comuns de diversos tipos em favor da manutencao do anonimato das redes de relacoes ativas, assegurando aos seus membros uma grande discricao dado que a divulgacao das praticas e um risco que poderia comprometer a sua reputacao. O mesmo comportamento foi observado por Manuela V. Blanc (2013), em um estudo empirico, realizado nas cidades de Paris e do Rio de Janeiro (12).

Figuras e condicoes atuais de uma pluriparceria sexual comunitaria

Estas estrategias em torno da manutencao de pluriparcerias sexuais articulam dispositivos individuais especificos e um interesse comum ao desenvolvimento de redes de inter-relacoes e de solidariedade.

A partir da plasticidade normativa que caracteriza certos grupos mais do que outros, assim como o demonstrado anteriormente, os dispositivos individuais se encarnam atraves de multiplos ajustamentos que permitem domesticar seus proprios corpos, no estabelecimento de relacoes com outros corpos, para torna-los aptos, aceitaveis, finalmente mais apraziveis (Becker, 1963), desenha o mesmo caminho em torno do consumo de maconha--a uma forma mais ou menos avancada de pluriparceria sexual (13).

O desenvolvimento destas redes de convivio e solidariedade incita a formacao de um grupo que podemos denominar intermediario, qualificacao que corresponde a duas logicas complementares. E intermediario, dado que ele estrutura (14) o elo entre as pessoas que vao participar desses encontros sexuais. A rede e intermediaria, por outro lado, por centralizar a elaboracao de regras eticas especificas. Por sua existencia mesma, ela participa da construcao social de normas sexuais alternativas (Richie e Barker, 2006). "O ato sexual [...] movimenta [...] a consciencia moral [...] em sentidos contrarios", afirmara Durkheim (1911, p.42); essas emocoes morais contrarias tomam a forma de injuncoes contraditorias que, no que se refere as mulheres da sociedade contemporanea, conduzem a uma oposicao caricatural entre a figura da dama (15), de um lado, personagem que faz amor quase assexuadamente, e de outro, aquela da puta. Mas os saberes praticos desenvolvidos na medida em que progridem em uma vida sexual de multiplas parcerias permitem as mulheres acumular as vantagens destas duas figuras: obter a liberdade de seus corpos por essa desconexao entre a sexualidade e a diade exclusivista, atribuida a puta, conservando a respeitabilidade da dama (16). Os grupos de sexualidade coletiva nao podem se desenvolver senao a partir de redes de membros que construam conjuntamente modelos alternativos de articulacao entre praticas sexuais e comprometimento afetivo--articulacao central para todas as questoes em torno da moral sexual.

A moral dominante na sociedade contemporanea liga fortemente o comprometimento afetivo a exclusividade sexual, particularmente do ponto de vista das mulheres. Sublinhamos a analogia de situacao entre aquilo que podemos observar nos grupos sobre os quais trabalhamos e aquele que descreve Tonnies ([1887] 1977, p.49) sobre os lacos comunitarios desenvolvidos em um contexto de amizade: "Um espirito fraternal de compartilhar de um dom oferecido de bom coracao permanece vivo com certa forca contra o desejo natural de guardar 'a si proprio' ou de tomar a maior quantidade possivel de bens daquele que e estrangeiro".

Desde a metade dos anos 1960, dois modelos de sexualidades coletivas emergiram nas sociedades ocidentais e que distinguimos na Franca pelas categorias swing (17), por um lado (do ingles, Bartel, 1971) e poliamor, por outro ("polyamory", Anapol, 1997). A midia remonta voluntariamente estas duas formas de referir-se as questoes de pluriparceria e que sao perfeitamente reivindicadas por certos adeptos e pelos sites que lhes sao consagrados na internet. Uma analise precisa das praticas demonstra que esta distincao nao e necessariamente pertinente (Klesse, 2006; Combessie, 2008), ainda mais quando lidamos geralmente com grupos de apenas algumas dezenas de individuos, senao grupos ainda mais reduzidos, que definem regras de vida especificas e frequentemente dificeis de assimilar a um ou outro dos citados modelos de referencia. Encontramos-nos, portanto, em presenca de uma multiplicidade de grupos, alguns deles nao, portando senao uma existencia efemera, entre os quais as circulacoes sao possiveis, senao frequentes, mas nenhum deles se parecendo apto a promover uma etica alternativa suficientemente geral ou englobante para satisfazer as aspiracoes do conjunto dos adeptos destas praticas heterodoxas. Nao nos resta nada mais a fazer com relacao aos comportamentos sexuais ou afetivo-sexuais aqui reunidos pelas caracteristicas que lhes sao comuns, alem de os considerarmos como desviantes na sociedade contemporanea.

Nos intersticios de sociedades em mutacao

Em sua analise de diversas centenas de gangues em Chicago, no inicio do seculo XX, Thrasher (1927) demonstra a forma com que esses diferentes grupos se desenvolvem a margem de uma sociedade em mutacao, e sublinha a especificidade, bem como a variedade de principios eticos que se forjam ao seio de cada gangue. Ele indica que seu territorio

constitui uma zona da cidade que e, tanto social quanto geograficamente intersticial e precisa; que a gangue pode ser considerada como um elemento intersticial na estrutura da sociedade, e o territorio das gangues como uma regiao intersticial no agenciamento da cidade" (Thrasher, 1927, p.22) (18).

Parece-me pertinente, por diversas razoes, emprestar de Thrasher este adjetivo e o atribuir as comunidades aqui em questao.

Diferentemente das sociedades Inuits ao seio das quais o "comunismo sexual" englobava "toda a mentalidade do grupo", na sociedade ocidental contemporanea estes tipos de praticas estao circunscritos ao seio de espacos bem delimitados e, como as gangues estudadas por Thrasher, produzem regras e valores eticos especificos a cada micro grupo, muitos se desenvolvendo a margem da sociedade dominante. O conjunto destas interacoes constitui, por ele mesmo, um tipo de comunidade especifica, intersticial. Na medida em que tais atividades devem manter-se tao discretas quanto o possivel, elas se estabelecem em espacos e tempos intersticiais da vida social ordinaria: a noite, em locais especificos, nas brechas, na sombra (Deschamps e Gassaid, 2008). Dado que se desenvolvem entre dois periodos da vida conjugal, elas sao igualmente intersticiais sobre o plano temporal (19). Elas o sao ainda, e antes de tudo, em materia de regras eticas, de valores morais compartilhados, constituidos ao seio destes grupos, segundo modos de vida sexuais ou afetivosexuais alternativos (20). As regras de comportamento, frequentemente implicitas --uma forma de iniciacao sendo, portanto, necessaria (21)--e muito estritas, que se desenvolvem no seio de um grupo, sao por vezes identificadas em outros grupos, o que permite aos membros de diferentes grupos se comunicarem (sobretudo pela internet), se encontrarem de vez em quando ou mesmo passarem de um grupo a outro (22). E, como nas gangues, estas comunidades devem manter-se estritamente circunscritas, sem que os praticantes, e estes ainda menos, possam esperar obter uma forma de reconhecimento social para alem desses intersticios espaco-temporais. Enquanto podem existir modalidades de reconhecimento para unioes, ou mesmo casamentos, entre pessoas do mesmo sexo, na sociedade ocidental, na qual a norma sexual e a diade, toda a configuracao que foge as regras e considerada suspeita, estigmatizada porque considerada um sacrilegio.

Conclusao

Na sociedade ocidental, a invencao e o desenvolvimento da uniao por amor, que acompanharam a progressao do individualismo (Combessie, Mayer, Angell, 2013), constituem como heterodoxas todas as formas de sexualidade que nao sao englobadas ao seio de uma relacao sentimental que deve ser, alem disso, diadica e exclusivista. Tambem as reivindicacoes de comunidades sexuais sao hoje essencialmente desenvolvidas a partir de demandas de reconhecimento da legitimidade da orientacao sexual e sobre modelos que, como no caso das reivindicacoes homossexuais, se conformam ao modelo dominante que constitui o par heterossexual (unioes civis, direitos a adocao pelo casal, etc.). As praticas bastante frequentes entre os homossexuais masculinos, como a pluriparceria, sao, portanto, suprimidas, mascaradas, as vezes, mesmo punidas. O mesmo ocorre quanto a multiplicacao de parceiros no meio heterossexual, seja no que se refere a pluriparceria sequencial ou, ainda mais, as sexualidades coletivas. Desde que Millet (2001) assumiu publicamente o seu gosto por este tipo de praticas, ela e seu parceiro se tornaram objeto de reacoes desaprovadoras, as quais este ultimo respondeu em uma obra intitulada Comme si notre amour etait une ordure (23) (Henric, 2004).

A pluriparceria sexual, que estabelece lacos tao significativos entre os individuos e grupos do comunismo sexual, analisado por Mauss entre os Inuits, nao pode, na sociedade ocidental contemporanea que erige sobre valores sagrados a relacao amorosa diadica exclusivista, ser legitimada de outra forma que nao no interior de comunidades intersticiais, que se desenvolvem nas margens da sociedade. Semelhantemente as gangues de Chicago, a epoca da Lei Seca, estas comunidades intersticiais estabelecem, em seu seio, regras eticas que nao sao menos constrangedoras que aquelas da sociedade ao seio das quais se desenvolvem de forma discreta, e que acomodam perfeitamente novas organizacoes sociais, ligadas notavelmente ao aumento dos fluxos migratorios e as novas tecnicas de comunicacao. Em uma epoca marcada por questionamentos dos parametros tradicionais que tendem a reforcar os questionamentos identitarios no que se refere, sobretudo, a sexualidade, elas contribuem ao desenvolvimento de uma moral e de modos de vida alternativos.

DOI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.4.21866

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Recebido em: 08/6/2015

Aceito em: 30/6/2015

Endereco do autor

Philippe Combessie <combessie@gmail>

200 Avenue de la Republique, 92001

Nanterre, Franca

(1) Traduzido por Manuela Blanc.

(2) O uso deste termo pouco corrente tem por objetivo criar um sentimento de estranhamento, um deslocamento e, portanto, desnaturalizar a norma dominante na sociedade ocidental: o casal heterossexual.

(3) E factual que se a questao politica e indiferentemente foco de investimento tanto por homens quanto por mulheres, frequentemente associados a tipos que denominamos hoje em dia como transgeneros, mas ao que parece os dois primeiros tipos de praticas referem-se, sobretudo, aos homens.

(4) Traduzido do termo nana (nota do tradutor).

(5) Em 2006, 0,6% das mulheres e 2,2% dos homens interrogados pela enquete CSF declararam ter estabelecido relacoes sexuais em espacos dedicados as praticas de sexualidade coletivas [Bozon, 2008, p.278].

(6) Eufemismo que remete as praticas que elas devem frequentemente manter estritamente escondidas de seus conviveres proximos, em particular em termos de vizinhanca, vida familiar ou meio profissional.

(7) Esta metafora se refere a cinco elementos: um numero de parceiros limitado a dois, um intercambio cujo desenrolar e socialmente codificado, uma dinamica que implica relacoes corpo a corpo, uma questao em torno da honra dos participantes (mais do que o observavel nas demais relacoes a dois, as relacoes sexuais colocam em questao elementos importantes em torno da honra dos participantes, como nos duelos da Idade Media), e uma forma de combate (o vocabulario mobilizado--o uso de termos de guerra provem do verbo "possuir"--evoca este aspecto de batalha).

(8) Gabriel Tarde notou em 1902 (2008, p. 38-39): "Ha em toda sociedade [...] dois circulos concentricos, um deles circunscreve o conjunto de pessoas com as quais o casamento e interdito, considerado incestuoso, e o outro limita o grupo de pessoas com as quais e impossivel se casar. E consideravel que em todo progresso da civilizacao tende por efeito a contrair o mais estreito destes circulos e a expandir o mais largo"

(9) Ela resulta no desenvolvimento daquilo que certos pesquisadores deniminam "comunidades virtuais" (Schrecker, 2007, p. 221-245), mas tal nao e o caso dos grupos descritos aqui, para os quais a internet e um meio de desenvolvimento de uma rede comunitaria em torno de encontros nao virtuais.

(10) E singularmente em paises que, como a Franca, adotaram oficialmente um ponto de vista dito abolicionista sobre a prostituicao. Acontece que certas pessoas que praticam o escorting (Bigot, 2008) apreciam tambem, em ambito privado e gratuito, a pluriparceria, momentos nos quais tem todo interesse em mascarar as fontes de seus ganhos. A dificil legitimacao da pluriparceria sexual torna os seus adeptos muito sensiveis quanto ao que pode transmitir a sua imagem, assim eles estao empenhados em excluir de seus grupos pessoas que misturam dinheiro e sexo. Remarcamos que este ostracismo nao diz respeito aos profissionais do cinema porno.

(11) Algumas destas "festas privativas" reunem mais de uma centena de pessoas.

(12) A autora identificou ainda diferencas entre libertinos sexuais em ambos os paises, que se referem sobretudo a construcao identitaria--variante entre libertinos e swinguers em termos de praticas e valores (Blanc, 2014).

(13) Comparei certos comportamentos que me foram descritos sobre a forma de "percursos') tipicos a uma iniciacao tribal. Estes referiam-se a trajetoria de mulheres em torno de uma domesticacao de seus corpos em funcao de praticas de pluriparceria sexual e me parece que podemos distinguir cinco fases: 1) consolidacao, 2) entraves a progressao, 3) aprofundamento, 4) entraves a consolidacao e 5) regularizacao por especializacao.

(14) A questao da complementaridade dos membros de uma comunidade raramente e estudada (Schrecker, 2007). Os adeptos de sexualidades coletivas nao compartilham todos das mesmas expectativas. Algumas mulheres, por exemplo, apreciam mais do que outras a pluralidade masculina. Uma solucao consiste em segmentar. E desta forma que em dado evento (em em dado espaco) havera tantos homens quanto mulheres, enquanto em outro evento (ou local) as proporcoes serao diferentes. Parece, finalmente, que o numero de mulheres nunca e mais acentuado do que o de homens, ou sequer significativamente proporcional. A orientacao sexual (bi ou hetero) e outro parametro a ser levado em consideracao para que um encontro seja considerado bem sucedido e para que os lacos comunitarios sejam reforcados. Sobre esse assunto, Bartell (1971) nota que a bissexualidade feminina e mais valorizada do que a masculina, a tendencia parece menos forte hoje (Deschamps, 2002), mas a bissexualidade masculina ainda parece rara nos espacos mistos de sexualidade coletiva.

(15) Do original maman (ou mamae).

(16) A estigmatizacao daqueles, e sobretudo daquelas, que utilizam seus corpos para se satisfazerem de forma considerada como excessiva resulta sempre em um risco de descredito maior para os adeptos cujas praticas sao desveladas (Sik Ying Ho, 2006).

(17) Echangisme, do original em frances (nota do tradutor).

(18) Thrasher (1927, p. 22), traduzido por Schrecker (2007, p. 151-152). Apesar dos autores mais recentes mobilizarem este conceito de espaco intersticial em antropologia urbana, pode-se nota-lo tambem nos trabalhos de Ulf Hannerz (1983).

(19) Thrasher indicou igualmente que a participacao em gangues se desenvolve de forma preferencial em certas fases da vida (sabidamente entre o fim da adolescencia e a entrada na vida adulta).

(20) No Jornal Liberation, de forma ainda mais comica do que o faz Sao Valentim--a quem se refere Explicitamente--, Le Vaillant (2010) sugere formas conjugais de suspensao temporal ao propor uma "RTC (reducao do tempo em casal)" a imagem das reducoes do tempo de trabalho RTT que permitiria subordinar a "monogamia ao temperamento" (sucessao de unioes exclusivas e de rupturas qualificadas de "montanhas russas do tudo ou nada") por uma "poligamia de acomodamentos', passando por uma alianca improvisada do Eros com o Agape".

(21) Nayak (2008) descreve a evolucao das praticas de "casais swinguers" como um percurso iniciatico que ela distingue em quatro etapas: 1) "transgressao inicial', 2) "designacao como desviantes", 3) "amplificacao da carreira desviante" e, 4) "producao de normas alternativas".

(22) Em materia de sexualidades coletivas, certos praticantes nao vislumbram sair do grupo ao qual se encontram ligados e ao seio do qual se sentem protegidos; encontramos aqui um comportamento simular aquele descrito por Thrasher (1927) entre as gangues.

Philippe Combessie

Professor Universite Paris Ouest Nanterre La Defense, Doutor em Sociologia (Paris 8) e Membro do Conseil Scientifique du GIP (CNRS-Ministere de la Justice) e Diretor do Sophiapol (EA3932)--Laboratorio de Sociologia, Filosofia e Antropologia Politica.

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Title Annotation: Ensaios
Author: Combessie, Philippe
Publication: Revista Famecos - Midia, Cultura e Tecnologia
Date: Oct 1, 2015
Words: 5847
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