Por Ana Carolina Moreno, Laura Cassano, Larissa Freitas, José Roberto Burnier, SP2


Butantan pede autorização para novos estudos da Butanvac

Butantan pede autorização para novos estudos da Butanvac

Anunciada como uma alternativa brasileira e mais barata para imunizar a população contra a Covid-19, a vacina Butanvac ainda não tem autorização para o início das fases 2 e 3 do estudo clínico de desenvolvimento. A fase 1, iniciada há um ano, em 9 de julho de 2021, só foi concluída em fevereiro deste ano, e os resultados foram apresentados em 30 de maio.

Segundo o Instituto Butantan, o pedido de autorização para iniciar as duas fases finais do estudo foi submetido em 8 de junho à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Em nota à TV Globo, a Anvisa afirmou que na última sexta-feira (8) “houve uma reunião em que os especialistas da Anvisa discutiram e orientou o IB [Instituto Butantan] sobre as adequações necessárias na proposta de protocolo clínico”.

Butanvac começará a ser testadas em humanos em breve — Foto: Reuters

Tecnologia consagrada e mais barata

A Butanvac, anunciada pela primeira vez em março de 2021, usa uma tecnologia conhecida como “produção por inoculação em ovo embrionado”. Segundo o Butantan, ela usa como vetor o vírus da Doença de Newcastle, que infecta aves, mas não provoca sintomas em humanos. Por isso, o vírus se desenvolve dentro de ovos de galinha embrionados, mas com alto grau de segurança para a população.

O processo é o mesmo da produção da vacina contra a Influenza e, por isso, a fábrica já existente no Butantan é capaz de produzi-la em escala industrial sem necessidade de investimentos de infraestrutura.

Mas, apesar das facilidades na etapa de produção da vacina, foi na etapa do desenvolvimento, com a pesquisa clínica em voluntários, que o instituto encontrou as maiores dificuldades.

A Butanvac é uma vacina que usa a tecnologia de injetar um vírus inativado que infecta aves, mas não provoca sintomas em humanos, dentro de ovos de galinha embrionados — Foto: Instituto Butantan

Escassez de voluntários aptos

Inicialmente previsto para começar e terminar ainda em 2021, com duração de 17 semanas, o estudo clínico da Butanvac precisou ser reformulado por causa do rápido avanço da cobertura vacinal no Brasil a partir do segundo semestre do ano passado. A falta de voluntários não vacinados acabou atrasando a conclusão da fase 1, que tinha como propósito determinar se a vacina é segura.

Inicialmente, o Butantan chegou a receber mais de 90 mil inscrições de voluntários. “Quando o estudo foi iniciado no Hemocentro de Ribeirão Preto, porém, a maioria dos interessados não atendia aos critérios da pesquisa”, afirmou o instituto. “Além disso, a faixa etária da vacinação pela campanha nacional de imunização era cada vez menor, e o ensaio precisava de pessoas de todas as idades.”

A solução encontrada foi ampliar as cidades participantes para o entorno de Ribeirão Preto, incluindo quatro municípios paulistas e mineiros, e reduzir o total de voluntários de 418 para 327 pessoas.

“Como a evolução da vacinação foi muito rápida, num determinado momento a gente não estava conseguindo mais achar pessoas não vacinadas. Então encerramos a fase 1 com 320 voluntários, foi suficiente para fazer a análise e que demonstrou agora a dose ideal da vacina”, afirmou o presidente do Butantan, Dimas Covas, em entrevista ao SP2.

O Butantan anunciou a conclusão do estudo em 7 fevereiro deste ano, quase sete meses depois do início. Os resultados foram apresentados à Anvisa em 30 de maio, quatro meses depois.

A dificuldade em encontrar voluntários não vacinados fez com que o Butantan expandisse a fase 1 de Ribeirão Preto para municípios paulistas e mineiros, como São Sebastião do Paraíso (MG) — Foto: Divulgação/Prefeitura de São Sebastião do Paraíso

Fases 2 e 3 ainda não têm aval da Anvisa

Dias depois de apresentar os resultados da fase 1, o Butantan protocolou o pedido para iniciar as fases 2 e 3 do estudo clínico, em 8 de junho. Essa versão já traz o redesenho da pesquisa, para testar a Butanvac enquanto dose de reforço, e não mais uma vacina completa.

“Fizemos a fase 1, que mostrou resultados muito importantes, definiu a dose da vacina”, explicou Dimas Covas. “Então com esses resultados nós estamos fazendo uma proposta neste momento já adiantada, para estudo de fase 2 e fase 3, só que não mais como vacinação primária, como vacinação de reforço.”

Na fase 2, 400 voluntários que já completaram o esquema vacinal primário receberão ou uma dose de reforço de Butanvac ou uma de Pfizer. Para participar, é preciso ter 18 anos ou mais. Segundo o Butantan, 50% dos participantes serão idosos. O estudo será conduzido nos municípios paulistas de Valinhos e São Caetano. Nesta fase, a pesquisa irá determinar a imunogenicidade da vacina, ou seja, se ela é capaz de provocar uma resposta imune ao vírus no organismo dos pacientes.

Já a fase 3 é, segundo Dimas Covas, a mais desafiadora, porque terá que reunir 4 mil voluntários adultos, sendo 20% deles idosos. Nessa fase final do estudo, o Butantan vai verificar a eficácia da vacina enquanto dose de reforço.

“Temos 4 mil voluntários para completar esse esquema vacinal”, afirmou o presidente do instituto. “Quer dizer, não é trivial nesse momento, porque a própria vacinação no Brasil está de certa maneira estagnada. Estamos com pouco mais de 51% da população com três doses. (...) E esperamos que agora também tenha esse apelo, e as pessoas possam nos ajudar a desenvolver essa vacina, que possa ser boa alternativa, considerando que a Covid vai permanecer no nosso meio.”

Adequação do estudo

Na segunda-feira (11), a Anvisa afirmou, em nota à TV Globo, que, “após analisar a proposta [das fases 2 e 3 da Butanvan], a Anvisa identificou a pontos com necessidade de adequações, principalmente para contemplar a variante ômicron prevalente no momento atual no Brasil”.

Ainda segundo a agência, na última sexta (8) “houve uma reunião em que os especialistas da Anvisa discutiram e orientou o IB sobre as adequações necessárias na proposta de protocolo clínico”, e “os representantes do Butantan informaram que serão feitas as adequações do protocolo clínico para posterior envio à Anvisa”.

Para o sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), todas as vacinas em uso no Brasil e em outros países do Ocidente “foram dribladas pela ômicron”, inclusive as vacinas que usam tecnologias mais modernas, como o RNA mensageiro. “Então, conseguir uma vacina que conseguisse fazer frente à ômicron seria fantástico”, explicou ele.

A Butanvac foi lançada no fim de março de 2021, com a previsão de já estar disponível para a população em 2022, mas o estudo clínico ainda não tem previsão de conclusão — Foto: Getty Images/Via BBC

Insumos para 3 milhões de doses

A partir de abril de 2021, paralelamente ao início do desenvolvimento da vacina, o Butantan se antecipou e produziu Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) em escala para estar pronto para a produção em massa da Butanvac após aprovação final da Anvisa.

Em julho, quando inaugurou a fase 1 do estudo, em Ribeirão Preto, Dimas Covas afirmou que já havia sido produzido o “equivalente a 10 milhões de doses” da Butanvac. O Butantan explicou, porém, que a frase não queria dizer que as doses já haviam de fato sido produzidas, porque só após a fase 1 do estudo seria possível determinar a dosagem ideal da vacina.

Em entrevista ao SP2, ele explicou que, inicialmente, os pesquisadores previram que uma dose de três microgramas seria suficiente. Mas durante o estudo, eles verificaram que a dosagem ideal era de dez microgramas, mais de três vezes mais alta. “Portanto, o IFA terá que ser dividido nessa proporção. Provavelmente teremos rendimento menor do IFA”, explicou ele. Proporcionalmente, o insumo já produzido deverá render cerca de 3 milhões de doses.

Enquanto o estudo clínico ainda está em andamento, o IFA segue armazenado na sede do instituto, na Zona Oeste de São Paulo. Em nota, o Butantan explicou que vem realizando estudos de estabilidade do produto a cada três ou quatro meses, e que, “até o momento, o IFA está atendendo a todas as especificações de liberação do produto”. A próxima avaliação está prevista para o próximo mês, quando completa 12 meses da produção do material.

“Reforçamos que os padrões de controle, qualidade e segurança estipulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são rigorosamente seguidos, descartando corretamente os itens que fogem das normas de excelência”, informou ainda o instituto.

Foto mostra o Instituto Butantan, em São Paulo — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Instituto não revela valor investido

O Butantan foi questionado pela reportagem sobre o custo de produção do IFA, mas não informou os valores investidos. O instituto afirmou que “não investiu qualquer recurso no desenvolvimento da candidata vacinal Butanvac”, que “nenhum recurso para o desenvolvimento da Butanvac foi destinado pelo Tesouro do Estado de São Paulo ou por doações ou por recursos próprios do IB”, e que “o desenvolvimento desta vacina, até o momento, tem sido feito pela fundação privada de apoio ao instituto” (leia a íntegra das respostas no fim da reportagem).

Segundo Gonzalo Vecina, dificuldade no financiamento pode ser um dos motivos para o não cumprimento dos prazos divulgados no lançamento do estudo.

“O modelo de fazer um estudo de fase 1, 2 ou 3 com população vacinada não é tão mais complexo. Ele é diferente. Então ele poderia, se houvesse velocidade, vontade de realizar a pesquisa, ele poderia ter sido redesenhado e feito. Não vejo dificuldade aí. Talvez algum outro tipo de dificuldade, financiamento... Estamos vivendo uma crise econômica terrível, talvez essa seja a explicação mais correta para esse atraso do Butantan em entregar a Butanvac à sociedade brasileira.”

Ele afirmou, ainda, que os resultados da fase 1 foram apresentados à Anvisa, mas ainda não foram divulgados para a comunidade científica em geral. “Faltam explicações sobre o que está acontecendo na pesquisa clínica. Quais foram os resultados da fase 1, quais as dificuldades para realizar o que não foi realizado até agora da fase 2 e o projeto de fase 3”, disse o sanitarista.

O que diz o Butantan

Sobre o montante a origem dos custos da Butanvac até agora: “O Instituto Butantan não investiu qualquer recurso no desenvolvimento da candidata vacinal ButanVac. Nenhum recurso para o desenvolvimento da ButanVac foi destinado pelo Tesouro do Estado de São Paulo ou por doações ou por recursos próprios do IB. O desenvolvimento desta vacina, até o momento, tem sido feito pela fundação privada de apoio ao instituto [a Fundação Butantan].

(...) A Fundação Butantan, idealizada em 1989 por pesquisadores universitários que entendiam a necessidade de uma entidade de apoio constante ao desenvolvimento de pesquisas para a saúde pública, é um órgão jurídico com personalidade de direito privado, sem vinculação alguma com o Instituto Butantan.

No que se refere às doações privadas de terceiros, o Governo do Estado de São Paulo já fez a divulgação daquelas que recebeu. Em relação à fundação privada de apoio ao Butantan, caberá à ela, ou não, divulgar eventuais doações, inclusive considerando-se eventualmente a existência de anonimato. Ainda assim, o Butantan e a fundação de apoio, guiados pelas boas práticas de transparência e legislações a que são submetidos, divulgam constantemente, com detalhes, a origem e encaminhamento de suas receitas.”

Sobre os custos ainda previstos para a Butanvac: “A produção de qualquer vacina implica no aporte de recursos desde o seu desenvolvimento até o momento final de sua produção. O projeto de produção da Butanvac, conforme anteriormente mencionado, tem tido aportes da fundação privada de apoio ao Instituto Butantan.”

Sobre a reformulação do estudo da Butanvac e os detalhes atuais das fases 2 e 3: “O Instituto Butantan esclarece que protocolou os documentos necessários para conduzir os novos estudos clínicos de fase II/III, em 8 de junho de 2022, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Ainda é preciso aguardar o aval dos dois órgãos para dar continuidade aos ensaios. A fase II do ensaio clínico vai envolver 400 pessoas, e a fase III vai avaliar o desempenho da vacina em 4 mil voluntários. Para participar da pesquisa, será necessário ter mais de 18 anos e ter completado o esquema vacinal primário, independente da vacina aplicada. Por ser um imunizante contra a Covid-19 de segunda geração, a ButanVac está sendo analisada como dose de reforço, uma vez que a população brasileira, majoritariamente, já está vacinada.”

Sobre a validade do IFA já feito para a futura produção da Butanvac: “Atualmente, os estudos de estabilidade do insumo farmacêutico ativo (IFA) da ButanVac vem sendo acompanhando frente às diretrizes estabelecidas por meio da resolução RDC 412/2020, que dispõe sobre os requerimentos e condições para realização dos estudos de estabilidade para fins de registro e pós-registro.

Ao longo dos estudos, são realizadas análises com o intuito de verificar o perfil físico-químico, microbiológico e atividade biológica, visando garantir a eficácia e segurança do produto acondicionado em sua embalagem primária.

Os estudos de estabilidade do IFA da ButanVac vêm sendo realizados para avaliar suas características frente aos tempos analíticos de 3, 6, 9, 12, 18 e 24 meses, a contar da data de fabricação. Atualmente o produto está com 11 meses de fabricação. O próximo resultado está previsto para 12 meses e, até o momento, o IFA está atendendo a todas as especificações de liberação do produto.

Reforçamos que os padrões de controle, qualidade e segurança estipulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são rigorosamente seguidos, descartando corretamente os itens que fogem das normas de excelência."

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