Edição do dia 08/07/2013

08/07/2013 15h17 - Atualizado em 08/07/2013 15h17

Documentos mostram que Brasília abrigou base de espionagem dos EUA

Reportagem revela que equipes de agências americanas atuaram em conjunto.
Brasil solicita esclarecimentos ao governo norte-americano.

Gioconda Brasil, Giovana Teles, Elaine BastBrasília

O jornal O Globo publicou novos documentos secretos sobre a presença de uma base de espionagem por satélite dos Estados Unidos, aqui no Brasil. A reportagem revela que equipes de duas agências americanas de inteligência atuaram em conjunto pra coletar dados, em Brasília.

Ontem, o jornal O Globo revelou que o país também vinha sendo monitorado pela mega rede de espionagem montada pelos Estados Unidos. Equipes da NSA - a Agência de Segurança Nacional - bisbilhotaram bilhões de telefonemas e emails de pessoas que moram ou que estavam em trânsito no Brasil, assim como de empresas.

De acordo com o jornal O Globo, o caso não parou aí, o Brasil não estava sendo apenas vigiado pelos serviços de inteligência norte-americano, mas também teria abrigado uma base de espionagem por satélite e ela teria funcionado perto das nossas principais autoridades: na capital, Brasília.

Segundo O Globo, em Brasília, funcionou uma das 16 estações de espionagem do serviço secreto americano espalhadas pelo planeta. Equipes da NSA e da CIA - a agência de inteligência dos Estados Unidos, trabalharam em conjunto por aqui, pelo menos, até 2002.

No Rio de Janeiro, a repórter Sônia Bridi entrevistou o jornalista Glen Greenwald para o Fantástico. Foi ele que publicou uma série de denúncias no jornal inglês The Guardian depois  de receber milhares de documentos secretos das mãos de  Edward Snowden, que trabalhava para uma empresa contratada pela NSA, e  que delatou o esquema de espionagem, expondo os programas de interceptação e a forma como eram usados. 

"Qualquer analista, a qualquer momento, pode espionar qualquer pessoa, em qualquer lugar. Sentado na minha mesa, eu tinha a capacidade de grampear qualquer um, desde você, até seu contador, até um juiz federal ou o presidente", diz ele.

O governo americano cancelou o passaporte de Snowden, que tem uma ordem de prisão decretada. Ele conseguiu embarcar para a Rússia e estaria há mais de uma semana na área internacional do aeroporto, em Moscou, esperando asilo político em algum país.

Segundo Greenwald, o Brasil virou foco do big brother americano por um motivo estratégico: os dados que trafegam por aqui estão menos protegidos, ao contrário do que acontece em outros países que dificultam o monitoramento.

"Não temos acesso ao sistema da China, mas temos acesso ao sistema do Brasil. Então, estamos coletando o trânsito do Brasil não porque queremos saber o que um brasileiro está falando para outro brasileiro, mas porque queremos saber que alguém na China está falando com alguém na Irã, por exemplo", explica Greemwald.

De acordo com o jornalista, não há confirmação de que as conversas tenham sido ouvidas ou que tenha havido grampos a pessoas específicas, mas o sistema permite o registro do número que chamou, o número chamado e o tempo de ligação. Se ela foi feita de um celular, é possível descobrir onde cada pessoa estava no momento da conversa.

Se a comunicação foi por email ou redes sociais, o programa identifica o número do IP - a identidade do computador que, assim, pode ser invadido pelos agentes. Com outro programa de espionagem,  chamado de Prism, a NSA acessa os servidores de grandes empresas de internet no mundo, como Google, Facebook e Skype.

Segundo Greenwald, a explicação oficial do governo norte americano de que o monitoramento existe para prevenir o terrorismo não corresponde à realidade: "É um pouco irônico, porque o problema foi que eles tive informação demais e eles não podem conectar essa informação, porque eles não conseguiu ler todos os coisas você tem bilhões de e-mails todos os dias -- como eles estão gravando agora. É impossível para saber exatamente o que você está coletando. E pra mim é muito claro, por causa isso que o objetivo não é para impedir o terrorismo, mas para aumentar o poder de governo americano".

O governo brasileiro quer explicações dos Estados Unidos. O ministro das comunicações, Paulo Bernardo, se reuniu hoje com o presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). A agência vai convocar as empresas de telefonia para saber se houve repasse de informações sobre ligações locais, porque isso é crime.

A Anatel já abriu um procedimento de fiscalização e vai trabalhar em conjunto com a Polícia Federal. A embaixada dos Estados Unidos no Brasil confirmou que o embaixador já recebeu o pedido de explicações formal feito pelo governo brasileiro, mas ainda não respondeu, porque espera orientações do governo norte-americano.

A reação das autoridades brasileiras começou ontem mesmo. O Ministério das Relações Exteriores divulgou nota que afirma que o governo recebeu com grave preocupação a notícia de que as comunicações eletrônicas e telefônicas de brasileiros estariam sendo objeto de espionagem por órgão de inteligência norte-americanos. 

O governo brasileiro solicitou esclarecimentos ao governo norte-americano pela embaixada do Brasil em Washington e também ao embaixador americano no Brasil. Também quer discutir na Organização das Nações Unidas iniciativas para proibir abusos e impedir a invasão da privacidade dos cidadãos, estabelecendo regras claras de coportamento dos Estados. 

A nota saiu depois de uma reunião que a presidente Dilma convocou para discutir as denúncias. Agora a pouco o ministro das comunicações reforçou que é preciso um amplo debate para discutir os limites dos governos na captação de informações na internet. Disse que o governo quer saber se empresas nacionais ou estrangeiras com escritórios no Brasil, como Google e Facebook, repassaram informações sigilosas para o governo americano.

"Nós estamos muito preocupados e indignados, porque o sigilo das comunicações é uma conquista da democracia. Faz mais de 200 anos que as pessoas conquistaram no mundo inteiro, pelo menos nos países democráticos, que tem direito a privacidade nas suas comunicações. O sigilo e a privacidade do cidadão, a julgar por essas notícias todas, estão sendo absolutamente quebrados, sem qualquer formalidade", afirma o ministro Paulo Bernardo.

O Google Brasil ainda não se pronunciou. Já o escritório do Facebook no país afirma que proteger a privacidade dos usuários é prioridade da empresa, e que não disponibiliza o acesso deireto a servidores a qualquer órgão de governo.

A pedido da Rede Globo, o governo americano se pronunciou por email. A resposta foi da direção  nacional de inteligência americana, que reporta diretamente ao presidente Barack Obama. Segundo a direção, os Estados Unidos pretendem resolver o incidente por meio de canais diplomáticos e não vão discutir nada publicamente. O governo americano ainda disse que os Estados Unidos fazem o mesmo tipo de serviço, de inteligência, realizado por outros países. Uma explicação semelhante a dada pelos europeus.

Os jornais New York Times o The Washington Post trouxeram hoje reportagens sobre este assunto, repercutindo a preocupação de ontem do ministro brasileiro, Antônio Patriota e diz que o governo brasileiro está pressionando o governo americano por uma explicação.