O homem que limpa o terreno arranca mais do que o mato. Atrás dele ficaram os tocos das árvores e é assim que muita gente está agindo na Serra da Cantareira, tida como a maior floresta em área urbana do mundo.
A consequência é o que os ambientalistas chamam de efeito formiga: a mata vai desaparecendo aos poucos, em pequenos focos que o satélite não consegue enxergar. "O levantamento que é realizado hoje pela SOS Mata Atlântica, pelo Inpe identificam áreas acima de três hectares e geralmente para esse tipo de ocupação a supressão da floresta é de um, 1,5 de hectare", afirma a diretora da ONG SOS Mata Atlântica, Márcia Hirota.
No mapa, os pontos em vermelho representam à vegetação destruída em três anos. São as áreas maiores do que três hectares, o equivalente a três quarteirões. As partes em rosa são as ocupações urbanas, a cidade que avançou sobre a floresta. O verde é o que sobrou da mata original, a maior parte protegida pelo Parque Estadual da Serra da Cantareira, que se estende por quatro municípios. O problema é o que está acontecendo em um raio de 10 quilômetros em torno do parque.
Nesse último estudo, os ambientalistas constataram que a devastação ao redor do parque foi de cerca de 52 hectares, um volume 14 vezes maior do que no período de 2005 a 2008. É como se a vegetação fosse destruída, em uma área equivalente a 59 estádios do Maracanã e quase metade de todo o desmatamento foi registrado, no município de Mairiporã, na Grande São Paulo.
Parte da devastação é atribuída à construção de condomínios e à instalação grandes de buffets em sítios. "Quando o poder publico chega, o desmatamento já aconteceu, a floresta já foi suprimida e não tem mais o que fazer", explica Márcia.
Nosso produtor fingiu interesse em um terreno para montar um buffet em Mairiporã. Por lei, só se pode mexer no lote depois da avaliação oficial sobre o que pode ou não ser derrubado, mas a corretora de imóveis diz que existe um outro jeito.
Produtor: pode tirar essas árvores todas?
Corretora: "não, isso aqui você tem que tirar, quem comprar, você já contrata uma pessoa, a gente mesmo indica e tira, porque se você for esperar a aprovação, não tira nunca aqui.Tem um senhor que a gente contrata ele, ele vem vai tirando um pouco por dia um pouquinho".
Produtor: "sem perceber, né?
Corretora: "é, sem perceber. Um pouco por dia aqui, um pouco por semana".
Produtor: para não chamar a atenção?
Corretora: "é, não pode, porque vai pagar multa mesmo. Aqui é manancial, sabe?".
É uma preocupação a mais: a retirada da mata pode comprometer as nascentes que ajudam a encher a maior represa de São Paulo. Um outro ponto da serra, em Caieiras, é motivo de disputa judicial.
O conjunto de prédios é ocupado pelos Arautos do Evangelho, grupo ligado à igreja Católica. Quatro anos atrás, a área era coberta de mata nativa e ficou destruída, depois da derrubada de mais de 13 mil metros quadrados de floresta.
Segundo o Ministério Público, foi desmatamento ilegal em topo de morro, área de preservação permanente. "Não é possível à construção de qualquer imóvel que não seja de utilidade pública ou interesse social nessas áreas de preservação permanente", afirma a promotora de justiça, Cristina Freitas.
Agora, uma liminar impede a continuação das obras, que só começaram graças a licenças estaduais e municipais. "O que se pede realmente é o reconhecimento da ilegalidade das licenças, com a sua consequente anulação, e a partir dai a demolição do templo, com a recuperação da vegetação ao seu estado anterior", explica a promotora de justiça, Ana Paola Ambra.
Os Arautos do Evangelho não se manifestaram. A propriedade deles é uma entre centenas no meio da Mata Atlântica, a floresta que cobria todo o litoral brasileiro, antes de começar a ser vista como um estorvo.
Produtor: é que tem muita árvore aqui?
Corretora: "aqui não dá, para ocupar isso aqui você tem que desmatar". Senão, você vai fazer o que, casinha de índio?"