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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O outro Nicolau e a outra Alexandra - Nicolau I e Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia) - Primeira Parte


"Quando olhamos para trás, é assustador ver como o tempo passa depressa...". A Rússia estava no auge do seu poder quando Nicolau I escreveu estas palavras à sua irmã, ao recordar o dia em que, mais de trinta anos antes, quando tinha partido para a guerra com o irmão, o czar Alexandre I. Na altura, tinha apenas dezassete anos de idade e não fazia ideia que um dia iria suceder ao trono. Era feliz e, embora não o soubesse, estava prestes a conhecer a jovem com quem se viria a casar. Em Berlim, foi a filha do rei da Prússia, Carlota, que recebeu os visitantes. Tinha quinze anos, era alta, bonita e um tanto inocente. Nicolau também era bonito. Tinham os dois terminado a sua educação há pouco tempo e apaixonaram-se loucamente um pelo outro, apesar de as suas famílias insistirem que tinham de esperar um ano antes de sequer ficarem noivos. A derrota de Napoleão e a reorganização da Europa era muito mais importante do que as esperanças de dois adolescentes românticos - apesar de as suas famílias verem que o casamento iria reforçar a aliança política entre os dois países. Passaram três anos até Carlota se converter à Igreja Ortodoxa com o nome de Alexandra Feodorovna, que passaria a utilizar para o resto da vida. No dia em que completou dezanove anos, casou-se com Nicolau na capela do Palácio de Inverno. Corria o ano de 1817, cem anos antes do colapso da dinastia.

Alexandra Feodorovna (Carlota da Prússia)
Nicolau nasceu para ser soldado, e era essa a única vida que queria. Demasiado novo para sentir as tensões que levaram ao assassinato do seu pai, o czar Paulo I, era o produto de uma infância segura numa família extremamente unida. Quando nasceu, no Palácio de Catarina, em Czarskoe Selo, no verão de 1796, os seus irmãos Alexandre e Constantino eram quase adultos. Era mais chegado à sua irmã Ana, que era apenas um ano mais velha do que ele, e ao seu irmão mais novo, Miguel; mais tarde, os três decidiram apelidar-se de a "Triopatia" e passaram a usar anéis especiais gravados com o lema "Firmeza e Esperança". Ofereceram um anel semelhante à sua mãe, a czarina Maria Feodorovna, tornando-a assim um membro do seu circulo.

Ana Pavlovna (futura rainha dos Países Baixos), Nicolau Pavlovich (futuro czar Nicolau I) e Miguel Pavlovich por F. Ferriere em 1806
Maria Feodorovna era mulher forte e foi a sua vontade de ferro que tornou a sua grande família tão unida, sobrepondo-se às suas diferenças de idade e educações distintas. A czarina tinha sido obrigada a entregar os seus filhos mais velhos à sua sogra, a imperatriz Catarina, a Grande, o que serviu para reforçar ainda mais a sua vontade de educar os restantes filhos à sua maneira. Nicolau aprendeu a falar quatro línguas, e estudou os clássicos, economia, direito e ciência política. Tocava flauta e as suas pinturas podiam facilmente ser confundidas com o trabalho de um artista profissional, mas, por muito que a sua mãe o tentasse convencer, nunca o conseguiu tornar tão encantador e educado como queria. Tanto Nicolau como Miguel gostavam mais de paradas militares do que de salões de festas: "os teus irmãos parecem inválidos", queixou-se Maria Feodorovna numa carta à sua filha Ana, "e nunca dançam um passo que seja, escondem-se nos cantos e parecem estar sempre aborrecidos".

A czarina Maria Feodorovna, nascida princesa Sofia Doroteia de Wuttenberg
Alexandra Feodorovna recordava-se da falta de jeito do marido com humor num livro de memórias que escreveu sobre os seus primeiros anos de casamento com Nicolau. Dizia que, em privado, ele era uma pessoa completamente diferente e "tanto ele como eu só estávamos realmente felizes e satisfeitos quando ficávamos sozinhos nos nossos aposentos, comigo sentada no colo dele enquanto ele me cobria de amor e afecto".  A czarina-viúva adorava vê-los juntos: "O Nicky é um marido muito afectuoso. É impossível ser mais cuidadoso, mais atencioso do que ele é com a esposa (...) a esposa dele é encantadora e vive só para ele, adivinhando todos os seus desejos, todos os seus pensamentos; a fazer tudo o que pode para o agradar". Poucas semanas depois do casamento, Alexandra já estava grávida. Desmaiou durante a missa e, depois de a levar para o quarto, Nicolau foi a correr até um jovem pajem e anunciou que ia ser pai. O bebé, um menino, nasceu no Kremlin, o coração histórico da Rússia, rodeado de bons presságios: "na Semana Santa, num lindo dia de primavera, enquanto os sinos ainda tocavam em celebração pela grande festa da Ressurreição. (...) O Nicky beijou-se e desfez-se em lágrimas, e ambos agradecemos a Deus juntos."

Alexandra Feodorovna com os seus dois filhos mais velhos: Maria e Alexandre
Na verdade, o cenário do nascimento do pequeno Alexandre Nikolevich não teve nada de acidental. Tinha sido planeado pela czarina-viúva para chamar a atenção para a importância nacional da jovem família. Todos sabiam que, um dia, o trono iria passar para Nicolau e o nascimento de um filho confirmou a sua importância. Ele e Alexandra eram os únicos que se recusavam a lidar com o inevitável. O casamento de Alexandre I era vazio e as suas duas filhas tinham morrido ainda bebés. Constantino era divorciado. Em 1820, casou-se morganaticamente e disse à mãe que não queria nada a impedir a sucessão de Nicolau ao trono. Ainda assim, Nicolau não queria discutir a sucessão. Alexandre tentou falar sobre o assunto uma noite, depois de um jantar de família, mas Nicolau e Alexandra ficaram tão perturbados que o czar desistiu da ideia. Quando Constantino renunciou formalmente aos seus direitos em 1822, Alexandre manteve o documento em segredo.

Alexandre I
A felicidade do casal era um problema. Tudo o que queriam era estar juntos e aproveitar a sua vida familiar com os filhos. O segundo bebé foi uma menina a quem chamaram Maria; Nicolau rapidamente ultrapassou a sua desilusão inicial e as suas cartas começaram a encher-se de descrições de quanto adorava os seus filhos. A sua mãe concordava. "Fui abraçar os meus queridos netos, que são encantadores," escreveu a czarina-viúva em 1820, sete meses após o nascimento de Maria. "A menina está a ficar muito mais bonita e vai ser tão bonita como a mãe (...) já gosta muito do pai que lhe dá muita atenção e que se diverte muito com ela. Adora-a verdadeiramente. Quanto ao menino, é um anjo e a melhor criança que se possa imaginar".

Maria Nikolaevna
Alguns meses depois de estas palavras serem escritas, Alexandra deu à luz uma bebé que nasceu morta. Foi a sua terceira gravidez em três anos de casamento e a perda da bebé deixou-a profundamente deprimida. Nicolau dedicou toda a sua atenção e carinho à esposa, tendo tratado dela com as suas próprias mãos, embora a sua mãe tenha reparado que ele "distrai-se e esquecesse de manter a abstinência que devia estar a cumprir". Os médicos aconselharam umas férias e Nicolau levou a esposa para a sua terra natal: Berlim. Os dois gostaram tanto das férias que acabaram por regressar à Alemanha no ano seguinte e em 1824, numa altura em que já tinham três filhos para deixar com a czarina-viúva, e memórias dolorosas da perda de mais um bebé. Será que sonhavam em deixar a Rússia para sempre? Alexandre I temia que isso pudesse vir a acontecer, por isso, na primavera de 1825, mandou chamar o irmão e a cunhada, dizendo que precisava da companhia deles. Ofereceu terrenos a Alexandra em Peterhof, a propriedade imperial da qual ela tinha gostado mais quando tinha chegado à Rússia. Algumas semanas depois de receber este presente, teve mais uma filha, a grã-duquesa Alexandra.

A grã-duquesa Alexandra Nikolaevna
Quando Alexandre I pediu ao seu irmão para regressar à Rússia em 1825, estava a perder rapidamente o interesse pela vida. O czar estava cansado, e, por conselho médico, viajou com a esposa, que estava doente, para sul nesse outono, tendo nomeado Nicolau para regente. Ninguém estava à espera de receber a notícia de que Alexandre tinha morrido na distante cidade de Taganrog; foi um choque para toda a família. Nicolau ordenou a guarda imperial a jurar lealdade a Constantino, recusando-se a aceitar a renuncia do irmão ao trono porque nunca ninguém o tinha informado da mesma, nem mostrado os documentos. Em Varsóvia, onde vivia, Constantino jurou lealdade a Nicolau e este impasse durou quase três semanas, durante as quais cada um dos irmãos declarava lealdade ao outro e o grão-duque Miguel tinha de viajar de um lado para o outro entre eles. A situação até poderia ter sido divertida, se não fosse tão perigosa. Quando Nicolau soube que havia uma conspiração no exército, aceitou o inevitável e assumiu o trono a 13 de Dezembro de 1825.

Nicolau I
O ar na cidade estava tenso. Havia grupos de soldados nas ruas a gritar por Constantino. Os seus líderes eram, na sua maioria, jovens de famílias nobres que tinham visto como os seus pares viviam noutros países da Europa e tinham regressado à Rússia convencidos de que era necessária uma reforma liberal. Alguns eram republicanos, mas outros não; não tinham uma liderança coerente e Constantino não tinha qualquer interesse neles, mas, durante algumas horas, o perigo foi intenso. No pátio coberto de neve do Palácio de Inverno, à luz das tochas, Nicolau entregou o seu filho Alexandre à protecção dos Guardas Finlandeses, que lhe eram leais. Quando nasceu o dia, os rebeldes juntaram-se na Praça do Senado. Regimentos inteiros recusaram-se a jurar lealdade ao novo czar: quando o governador de São Petersburgo tentou explicar que Constantino tinha renunciado ao trono, foi morto a tiro. Antes do meio-dia, Nicolau foi até à praça de cavalo e as tropas que lhe eram leais acompanharam-no. Falou aos rebeldes e ofereceu um armistício, mas não conseguiu quaisquer avanços e, à medida que anoitecia, os seus generais pediram-lhe que disparasse sobre a multidão. Nicolau cedeu e a Revolta Dezembrista foi esmagada à força.

A Revolta Dezembrista - soldados reunidos na Praça do Senado em São Petersburgo
Ninguém duvidava da coragem que Nicolau mostrou naquele dia, mas muitos questionaram a sua humanidade. Os soldados comuns que se juntaram à revolta foram perdoados, mas cinco dos seus líderes foram condenados à morte, e quase trezentos foram exilados para a Sibéria. O novo czar tomou medidas firmes para o império, impondo restrições severas ao movimento e pensamento individual. Precisava de assumir o controlo rapidamente e de voltar a restaurar a ordem, mas o fardo pessoal era demasiado. Nicolau era completamente dedicado ao dever, e a sua mãe via com preocupação a saúde do filho, que se foi deteriorando perante o peso das suas novas responsabilidades. "Diz que o reinado só lhe trouxe problemas," escreveu ela, "está sobrecarregado com assuntos do estado, com trabalho. Nunca vai para a cama antes das duas ou três da manhã. Nem sequer tem tempo para jantar descansado. (...) Está mais magro, mais pálido, de uma forma assustadora."

Constantino Pavlovich, irmão mais velho de Nicolau que renunciou ao trono
Texto retirado do livro "Romanov Autumn" de Charlotte Zeepvat

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