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Entrevista
Gianfrancesco Guarnieri

O autor e ator, referência da história teatral brasileira, fala do prazer de retornar aos palcos e da peça que escreve sobre Che Guevara

Desde que Eles Não Usam Black-Tie foi encenada pela primeira vez, no Teatro de Arena, em 1958, o nome de Gianfrancesco Guarnieri ocupa lugar de destaque na dramaturgia brasileira. Depois ainda viriam inúmeros textos - como Ponto de Partida, Arena Conta Zumbi, entre muitos outros - que apenas confirmariam sua capacidade em trazer ao palco histórias de forte conteúdo político a partir de enredos simples e de forte teor emocional. Como ator, Guarnieri também ganhou vários prêmios - no teatro e no cinema. E como agitador cultural tem suas digitais eternizadas nas dezenas de espetáculos realizados no lendário Teatro de Arena, ao lado de nomes como Augusto Boal, José Renato, entre outros. De volta aos palcos, depois de mais de cinco anos, Guarnieri conta que pesquisa material para escrever uma nova peça, desta vez sobre o controvertido guerrilheiro Ernesto Che Guevara. E comenta ainda sobre como se sente em relação à situação cultural brasileira. A seguir, os principais trechos da entrevista, realizada em sua casa na Serra da Cantareira, em São Paulo:

Você está fazendo uma peça voltada para o público adolescente. Como está sendo essa experiência?
Está sendo ótimo. Eu estava sentindo uma necessidade muito grande de me envolver numa coisa diferente do que estava habituado. Não diria que estava perplexo porque não fico perplexo, mas estava ainda sem entender direito como é que as coisas estavam se passando. Estava sem fazer teatro como ator desde 1998 e sentia vontade. Mas me perguntava de que maneira poderia voltar a trabalhar como ator. Queria algo que me estimulasse.

Um bom texto...
Um bom texto, um bom tema e um bom convívio. Isso é muito importante. Hoje em dia não existem mais grupos de teatro propriamente ditos. Até existem, mas eles ficam fechados, fazendo o seu trabalho - que é muito bom. Mas são grupos muito especiais. No geral, quando você quer fazer teatro, pega um produtor que consegue uma verba através de leis de incentivo e capta um ator aqui e outro ali, principalmente os chamados globais. Mas veja que não é um grupo, é uma coisa eventual. Isso é sempre assim, e eu sentia saudade da coisa do grupo. Fui criado dentro do teatro coletivo. A gente fica, digamos, com defeito de fabricação.

Você mencionou a importância da boa convivência. Em que consiste exatamente isso?
No grupo não havia muita diferença de função. Nós éramos os diretores no sentido geral daquele grupo, e tínhamos uma responsabilidade individual. Havia o diretor do espetáculo, que coordenava tudo, mas nós decidíamos juntos o caminho.

Você sempre lidou com o jovem, não?
Nós éramos jovens e o nosso endereçamento era o jovem. Depois nós enxergamos que era um trabalho para o público em geral, vimos que nós não tratávamos temas somente relativos aos jovens, e sim algo mais amplo. A nossa temática era o ser humano, era esse o nosso interesse. O ser humano fundado numa realidade brasileira em particular.

O que você acha dos temas para jovens hoje?
O que eu noto de aproximação do que se fazia antes com o que se faz hoje é que são as pessoas que estão fazendo esse teatro ligado ao jovem. Elas geralmente têm uma preocupação - fundamental, inclusive - de expressar aquilo que acham que lhes fala mais ao coração. Esse é o caso, por exemplo, do Jaime Celiberto, autor e diretor do espetáculo O Pequeno Livro das Páginas em Branco, no qual eu faço o papel de um pintor que ajuda a neta adolescente a superar a morte do pai: ele escreve peça para adolescentes, mas porque sente profundamente esse universo. Ou seja, ele entende essa fase da vida. Agora, como temática, realmente fica um pouco difícil de, hoje, você descobrir qual é a sua, sobre o que você mais gostaria de tratar. Digo isso porque a coisa está muito dispersa. Nos últimos anos havia na sociedade a possibilidade de o artista se colocar com determinados parâmetros. O fato de se tratar de um teatro social, por exemplo, permitia tratar dos problemas da sociedade com um fundamento político. Havia um movimento de ver o que estava acontecendo no País. Claro que nós tínhamos uma preocupação com a estética, mas não era uma preocupação fundamental.

É como se a estética ficasse em segundo plano diante da contundência da questão social e política?
Eu não diria que ficasse em segundo plano, mas nós simplesmente não a ignorávamos. E quando a ignorávamos, as produções ficavam horrorosas. Eu sempre considerei que o teatro é fundamentalmente um fato estético, é uma arte que nós temos de respeitar. Tínhamos um balizamento na atuação. Nos encontrávamos muito com a sociedade, tínhamos um papel muito determinado no conjunto de um esforço que era de libertação do País, de dar uma solução aos seus problemas mais graves. Não que a gente achasse que o teatro fosse fazer uma revolução. Nós tínhamos absoluta consciência de que ele, teatro - a exemplo qualquer outra arte - não faria uma revolução - e nem seria esse o papel dele -, mas sabíamos que contribuiria muito nesse trabalho de procura e de conscientização das pessoas, e de levar à discussão e à sensibilidade problemas que são muito sérios e fundamentais para todos nós. Hoje em dia o que noto é um grande esforço de quase reconquistar esse espírito anterior. Está-se querendo uma reconquista, mas não estão conseguindo nenhuma das "muletas" que tínhamos anteriormente para poder sustentar isso.

Hoje nós temos uma democracia. Logo, uma dessas "muletas", que seria a conquista da liberdade, não existe mais. Seria isso?
Pois é, tudo ficou meio pastel. Não se conhece mais o inimigo, não se sabe mais quem é quem. Mas, também, hoje, está se descobrindo muito mais uma realidade de fazer política. E não com vícios antigos. Eu acho que a gente está começando a querer superar esses vícios. As coisas vão acabando. O coronelismo começou a ser vencido, mas veja com que trabalho e desgaste. Depois o populismo, que também começou a passar por uma revisão, ainda não acabou, mas passou a ser depurado. Ou seja, o que eu acho é que nós estamos num momento muito importante que é o de superação de um atraso. Esse atraso também é de concepções, de determinados pensamentos, e nós precisamos ir adiante. É por isso que digo que uma pessoa como o Jaime Celiberto consegue pensar com sensibilidade, ele puxa uma conscientização desse adolescente simples. Parece até filme iraniano, aquela coisa super simples - sempre o mote desse cinema é algo simples: os dois irmãos; um perde o sapato, e como eles não podem ir para escola sem sapato, mas estudam em períodos diferentes, trocam o sapatinho um com o outro; aí um fica com o sapato maior... Quer dizer, é uma simplicidade danada, mas que acho que leva a gente a fazer as pazes com a vida, e começar a entendê-la por meio dessas coisas pequenas. É isso que acho que acontece com o Jaime: o fato da menina que é mimadinha, mas é uma menina que atende aos apelos de hoje, os apelos modernos que tem o jovem de hoje. Essa coisa de sair, começar a encontrar com os rapazes etc. E também lidar com essa coisa nova que é o choque de gerações, no qual a gente vê que os pais são muito mais liberais hoje com seus filhos do que eram antes, no século passado.

Você acha que essa juventude de hoje é alienada, como dizem?
Essa coisa de chamar o jovem de hoje de alienado é tirar, na educação desse jovem, a possibilidade de ele ter contato com certas coisas. Não se repercute, para esses jovens, as coisas que aconteceram, não se deixa que eles cheguem lá. Na verdade, opinião minha, costumo dizer que o jovem de hoje é alienado, mas, por outro lado, sinto que foi tão forte essa questão da ditadura e da opressão - uma quase tentativa de lavagem cerebral - que ficou um vírus dentro de nós. E levou um tempo para se começar a sarar. Ou seja, há tudo a ser refeito. Mas falar do jovem é muito geral. O jovem que tem a possibilidade de ter alguns incentivos ao pensamento, a se colocar um pouco na vida, age diferente. A gente vê que os jovens têm necessidade de aprender, e isso é bom. Eles estão querendo superar aquilo que lhes faz falta. Eles estão aí, apesar de tudo - da mídia e da dominação dos meios de comunicação.

E esses meios de dominação, como você colocou, atrapalham esse processo de conscientização dos jovens?
Acho que há uma imposição à sociedade de um modo de vida e de um modo de pensar, que é, realmente, antagônico ao nosso desejo interno. Não desejamos esse modo de vida. E o que nós sempre queremos fazer, desde muito jovens, é transformar isso. Mas essa é uma tarefa para séculos. Não adianta ter pressa, mas adianta ver que a coisa se move. Só não sei para que lado ela vai. Pode retroceder, avançar, só depende de como a gente age, de como a gente consegue influir de alguma maneira no curso dela. O que acho importante é que se consiga, sem nenhum problema de consciência, fazer uma obra como essa peça da qual falei, que fala sobre um momento que é a perda de um pai para uma jovem de 17 anos. E analisar esse processo que marca a transformação do adolescente em jovem adulto. Esse sentimento que leva a descobrir o que há por dentro dessa jovenzinha que está se transformando é a grande beleza da peça. E estou cada vez mais convencido de que essa grande beleza está sempre nas coisas mais simples, e no menos racional, por assim dizer.

E como anda a sua produção como autor?
Eu estava coletando material para fazer uma peça sobre o Che Guevara. Isso não porque simplesmente me deu na telha, mas porque houve uma possibilidade de produzi-la. Comecei a trabalhar com um jovem diretor, o Marcus Vinícius Faustini - aliás, estou me dando muito bem com os jovens. Ele é um diretor carioca que conheci quando me telefonou dizendo que estava muito interassado em montar Eles Não Usam Black-Tie. Muita gente me pede para montar essa peça, mas no caso dele notei que pelo pouco que conversamos dessa primeira vez ele tinha uma visão muito correta dessa peça - visão que condizia inteiramente com a minha. Daí, não só dei a autorização para ele como fui assistir ao ensaio geral no Rio de Janeiro. A partir daí comecei a ter um entendimento fantástico com esse menino. Ele é talentosíssimo, acho-o um diretor teatral pronto.

E trabalhos para televisão? Você está escrevendo os episódios do novo Carga Pesada, mas o primeiro foi há mais de 20 anos.
Os episódios dessa nova versão serão semanais, mas eu não vou escrever semanalmente. Eu vou fazendo... Mas a produção, evidentemente, contará com outros autores. O próprio Antônio Fagundes, que já havia escrito da outra vez, já escreveu alguns episódios.

E você está gostando de retomar esse projeto?
Estou. Adorei fazer da outra vez, achei muito interessante. Agora está legal também. Mas o que está sendo bom mesmo é esse contato com o grupo dos jovens. Isso para mim está sendo um Viagra. É um pessoal muito legal, bons atores etc.

A impressão que dá é que você está observando e refletindo sobre uma porção de coisas. Hoje em dia o que você tem gostado mais de fazer, escrever ou representar?
Nesse momento estou me sentindo muito bem representando em teatro. Em televisão, praticamente não parei, meu último trabalho foi em 2001. Só que representar em teatro é totalmente diferente. E para mim é uma beleza, e mato saudades nesse contato. Ou seja, o que está me dando prazer agora é fazer teatro com esse grupo e com gente que pense ou que esteja se encaminhando para esse tipo de trabalho que não é marcado pela vontade do sucesso ou do status, mas sim pela vontade de fazer teatro. É o papel de artista e não o papel de famoso. O que a gente vê muito por aí, inclusive muito entre os jovens, são pessoas que acham que a saída mesmo é, sabendo jogar, ser jogador de futebol. Ou então pagodeiro ou "modelo e ator". Ninguém está preocupado com teatro.

Mas isso talvez não tenha a ver com uma certa vergonha do brasileiro de refletir sobre a sua própria realidade?
Também sinto isso, profundamente. E reajo a isso de uma forma até doentia. É verdade que estamos tão dominados que nos vemos bombardeados. Nossa cultura parece o Iraque, é a nossa Guerra do Golfo. Isso até na própria linguagem. Fico horrorizado, às vezes. Penso "puxa vida, a gente não pode ficar velho". Porque quando vai ficando velho, a gente continua falando português, que é o que aprendeu. Só que hoje, a gente precisa mudar até a língua, porque não se fala mais português, fala-se um "inglesês", uma mistura estranha... E isso vem de todos esses termos, principalmente técnicos, que hoje estão aí, que são jogados e ninguém sabe direito o que querem dizer, mas as pessoas vão repetindo.

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