Oriente Médio vira protagonista polêmico da próxima conferência do clima da ONU

COP28 será realizada nos Emirados Árabes, que tem histórico de repressão ao ativismo ambiental

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Washington

A maré trouxe a conversa global sobre o clima para o Oriente Médio. A cúpula deste ano, a COP27, aconteceu no Egito. Já a do ano que vem, a COP28, será realizada nos Emirados Árabes.

Essa onda faz sentido. O Oriente Médio é uma das regiões do mundo mais ameaçadas pelas mudanças climáticas, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).

Por outro lado, o protagonismo que esses governos querem ter no debate é incômodo. As populações de países como Egito e Emirados Árabes vivem sob regimes autoritários que perseguem e punem ativistas, incluindo os defensores do meio ambiente.

Mohammed bin Zayed al Nahyan, xeque dos Emirados Árabes Unidos, discursa durante a COP27, no Egito - Divulgação/Via Reuters

A crise climática é mesmo evidente na região. A temperatura no Iraque, por exemplo, pode subir de duas a sete vezes mais rápido do que a média global. Neste verão, Bagdá chegou perto dos 50°C. Dos 17 países com maior risco no acesso à água, 12 estão no Oriente Médio, afirma o WRI (World Resources Institute).

"A região tem vivido tempestades de areia frequentes e extremas, inundações, aumento do nível do mar e queimadas", diz Mohamed Mahmoud, diretor do programa de clima e água no Middle East Institute.

A mensagem do Egito, o anfitrião da COP deste ano, foi a de que o continente africano contribui pouco para as emissões de carbono, mas sofre as consequências de modo desproporcional. Sua sugestão foi que os países mais ricos, que tiveram maior participação no aquecimento global, agora ajudem os mais pobres.

Já os abastados Emirados Árabes devem pôr o foco do ano que vem nos seus projetos ambientais, que estão entre os mais ambiciosos do mundo.

Ao hospedar a COP28, os Emirados querem mostrar que o país está na dianteira no combate à mudança climática, afirma Mahmoud. Ao menos no papel, já que muitos de seus projetos ainda não foram implementados.

O emirado de Abu Dhabi, por exemplo, está construindo uma cidade chamada Masdar, sustentada pelo sol e por outras energias renováveis.

Já o governo da vizinha Arábia Saudita tem investido no conglomerado futurístico Neom, também movido a energias limpas. Esses movimentos, é claro, estão relacionados também ao fato de que os países do Golfo querem buscar alternativas para o petróleo, fonte de energia que está na base de sua economia —e que, além de prejudicar o ambiente, vai se esgotar.

"A realização das duas cúpulas no Oriente Médio é uma grande oportunidade", diz Hassan Aboelnga, pesquisador especializado na gestão de água e professor na universidade alemã TH Köln. "Essas edições da COP acontecem em lugares que enfrentam grandes desafios climáticos."

Como Mahmoud, Aboelnga elenca alguns dos efeitos do aquecimento global na região. Entre eles estão a fome e mesmo os conflitos armados. "A mudança climática é um multiplicador de riscos para a instabilidade política", diz.

Uma seca, por exemplo, pode prejudicar o acesso à água e as colheitas em uma determinada região. A disputa por recursos, por sua vez, pode resultar em conflitos e em ondas de refugiados.

Sem negar a importância desse debate, organizações de defesa de direitos humanos têm acusado os governos locais de fazer greenwashing, ou seja, usar o clima como uma cortina de fumaça para esconder violações.

Não por acaso, as primeiras coletivas de imprensa na COP27 foram marcadas pela política, não por conversas sobre o clima. Em 9 de novembro, nos primeiros dias da conferência, ativistas exigiram a soltura do ativista egípcio-britânico Alaa Abd el-Fattah, que passou meses em greve de fome. O protesto foi encerrado na última semana.

"Desde que o presidente Abdel Fattah al-Sisi chegou ao poder, o Egito tem testemunhado uma ampla repressão que sufoca a sociedade civil, e isso impactou o movimento ambiental de maneira severa", diz Allison McManus. Ela é diretora de pesquisa na Freedom Initiative, que defende os presos políticos no Oriente Médio.

"Ativistas têm sido presos por se opor a projetos do governo, e mesmo o debate público é tratado com prisões e com violência", afirma.

O próprio fato de que o governo egípcio decidiu realizar a COP27 em Sharm el-Sheikh é controverso, já que essa cidade costeira está isolada do restante do país. Ativistas tiveram maior dificuldade de chegar ao evento e, uma vez ali, foram vigiados e controlados pelo regime.

"As restrições ao financiamento e a vigilância sobre organizações não governamentais significam que o único clima sobre o qual realmente ouvimos falar no Egito é o clima do medo", afirma McManus.

Ela expressa preocupação semelhante em relação ao evento do ano que vem, nos Emirados. "É um país que investiu para apresentar uma face moderna para o mundo, mas que também controla e reprime a liberdade de expressão e a mobilização."

Nessas duas edições da COP, "líderes têm a oportunidade de ditar o tom da conversa, insistindo que não é possível ter justiça climática sem debate aberto e respeito aos direitos e às liberdades", diz McManus.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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